sábado, 12 de novembro de 2011

O Misterio do Capital Laura Coutinho & Hernando de Soto



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HERNANDO DE SOTO E A SUA TENTATIVA DE
SOLUCIONAR O MISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO


Laura Coutinho


Hernando de Soto and HiS attempt to Solve tHe miStery of development




RESENHA

DE SOTO, HERNANDO. The oTher paTh. NOVA YORK: HARPER
& ROW PUBLISHERS, 1989.

______.  The    mysTery    of  capiTal.   NOVA    YORK:   BASIC
BOOKS, 2000.




papel das instituições no desempenho da economia tem sido  objeto  de  um  intenso
debate, que vem se desenrolando nas últimas décadas. Não que o tema seja novo, já que a maior parte dos autores identifica a obra de Max Weber como a matriz teórica das teorias instituciona- listas  atuais.1  A  partir  da  década  de
1960, no entanto, em decorrência, em grande medida, das ideias e experiências de economistas como Ronald Coase e Douglass North, esse debate tomou um novo fôlego e ganhou lugar de destaque na  agenda  internacional. Como  avalia










Trubek,2 a importância que hoje se dá ao Direito é resultado da “descoberta”, pelos economistas, da relevância e da influência da estrutura institucional na economia. A  par tir  daí,  organismos internacionais de combate à pobreza passam a estimular e, muitas vezes, a condicionar sua ajuda à adoção de medi- das de reengenharia institucional.
A obra do economista Hernando De Soto, objeto de minha análise neste texto, insere-se, portanto, em um con- texto muito mais amplo de estudos acadêmicos e empíricos sobre a função das  instituições,3   muito  embora  sua



maior contribuição se dê em uma área bastante particular, ou seja, nas discussões sobre as razões pelas quais programas de regularização fundiária devem ser adota- dos como medidas de promoção ao desenvolvimento.
De Soto é autor de dois livros dedica- dos à compreensão do subdesenvolvimen- to e à elaboração de propostas para seu combate. No primeiro deles, The Other Path, De Soto relata a experiência que ele e um grupo de economistas realizaram em Lima, no Peru, a fim de explicar por que tantos empreendedores se mantêm na informalidade e o quanto se perde com isso. No segundo, The mistery of capital,  De Soto busca explicar por que as tentativas de fomento ao desenvolvimento costu- mam fracassar e, na sequência, oferece sua alternativa às políticas comuns.
Em regra, tanto as análises quanto as críticas ao pensamento de De Soto con- centram-se no seu segundo livro. Isso se dá, em parte, porque The mystery of capital é o seu livro de maior sucesso, mas tam- bém, e principalmente, porque é nele que De Soto detalha seu plano de comba- te o subdesenvolvimento e dá a sua contribuição original a este debate, ao afirmar que tais iniciativas só serão bem- sucedidas se forem capazes de reconhecer os arranjos informais que dominam, segundo ele, grande parte das economias dos países subdesenvolvidos.
Ocorre que a maior parte das ideias desenvolvidas em The mistery of the capital são fruto ou elaborações feitas a partir das experiências relatadas em The other path. Por esta razão, optei por analisar as duas obras em conjunto. A meu ver, a

adoção desta metodologia traz inúmeros ganhos, pois não só permite a melhor compreensão do pensamento de De Soto, como o torna mais coerente. De fato, as ideias expostas por De Soto em The mistery of capital só fazem sentido se partirmos do pressuposto de que não só há uma enorme economia informal, mas que a informalidade é fruto da ineficiên- cia das instituições, como ele afirma em The other path. O foco desta resenha esta- rá, portanto, em um primeiro momento, nas observações que De Soto faz, em The Other Path, sobre as complexas relações econômicas e sociais existentes dentro da economia informal, para depois se con- centrar nas soluções por ele propostas em The mistery of capital.



1 O DIAGNÓSTICO
A originalidade do pensamento de De
Soto está na forma como ele conecta o fracasso da lei e das instituições jurídicas ao fracasso econômico. Em linhas muito simples, o que afirma De Soto (2000, p.
16) é que países pobres são pobres por- que não conseguem enxergar sua própria riqueza, já que, segundo as esti- mativas do autor, 80% de sua população vive à margem da economia formal e longe, consequentemente, das estatísti- cas oficiais. Todo seu exercício visa demonstrar, portanto, que o combate ao subdesenvolvimento deve passar, neces- sariamente, por uma mudança na forma como esses países lidam institucional- mente com sua população mais pobre.
O ponto de partida de De Soto é o seu inconformismo com as justificativas



usuais dadas para explicar o subdesen- volvimento. Segundo ele, todas elas partem de ideias preconceituosas, como a de que a cultura latino-americana não privilegia o espírito empreendedor ou de que a herança colonial ainda é dema- siadamente     for te,     impedindo     o crescimento econômico. Mais do que tudo, no entanto, De Soto (1989, p. xxiii) desconfia da noção dominante de que haja uma imensa massa de pessoas vivendo na mais absoluta miséria. Para ele, a informalidade não é sinônimo, necessariamente, de pobreza. O autor afirma que há uma similitude entre a situação atual enfrentada pelos países subdesenvolvidos e aquela enfrentada pelos países europeus e pelos Estados Unidos no passado (DE SOTO, 2000, p.
105-107). Em todos os casos, continua ele, houve uma resistência da população urbana em receber os migrantes, a qual se traduziu no estabelecimento de uma série de empecilhos à fixação desses na cidade, que vão da adoção de políticas explícitas de proibição da migração à criação de uma enorme burocracia para o estabelecimento de tais indivíduos. O resultado é, porém, sempre um: essa população é condenada a viver na ilegali- dade. Isso não significa, no entanto, que ela não esteja economicamente ativa.
Para comprovar suas suspeitas, De Soto (1989, p. 133) imaginou um expe- rimento razoavelmente simples: verificar quais são os procedimentos necessários para que um pequeno empreendedor regularize seu negócio perante as auto- ridades peruanas. Com este fim, um grupo de economistas do Instituto para

Liberdade  e  Democracia,  o  qual  De Soto preside, fez alguns estudos de casos e até tentou, de fato, iniciar uma peque- na confecção.
Os resultados foram espantosos, mas não surpreendentes, e confirmaram ao menos parte das ideias de De Soto. Para iniciar a pequena confecção, os economis- tas gastaram 289 dias e US$ 149,00 em taxas (DE SOTO, 1989, p. 134). Se consi- derarmos o período em que não se produ- ziu, foram consumidos US$ 1.231,00 na regularização do empreendimento. As demais experiências revelaram resulta- dos parecidos, mas outra questão sur- giu: se seria, realmente, como também acredita o senso comum, mais vantajoso para esta parte da população permane- cer na ilegalidade.
De Soto tenta, então, compreender quais são as perdas que um empreende- dor informal enfrenta por não poder contar com a proteção da lei. De acordo com o autor, para evitar ser detectado, um empreendedor informal precisa man- ter seu negócio em pequena escala. Ele não pode fazer propaganda e ocasional- mente é obrigado a pagar propinas a agentes públicos, a fim de não sofrer san- ções legais. Por outro lado, ele não vive completamente fora do sistema tributá- rio, já que há uma série de tributos indiretos que ele também deve suportar, embora não possa contar com vários dos benefícios que o Estado proporciona. Por fim, a desobediência de regras trabalhis- tas, que poderia se traduzir em aparente vantagem, resulta também em perdas, uma vez que o informal só consegue con- tratar mão de obra pouco qualificada.



Além desses custos, que De Soto identifica como custos para se manter na informalidade, há aqueles que o infor- mal deve suportar por não poder contar com a proteção legal. A lei tem tríplice função quando se pensa em um empreendimento econômico. Ela prote- ge a propriedade, cria mecanismos de enforcement de contratos e um sistema de responsabilização civil. Ao ficar “fora da lei”, o informal não pode se valer de nenhuma destas vantagens. Não possuin- do títulos de propriedade, ele não pode utilizar seu imóvel para obter crédito. Há, ainda, um efeito secundário. A inse- gurança da posse faz que os informais não invistam nos imóveis nem se sintam estimulados a poupar para neles introdu- zir melhorias (DE SOTO, 1989, p. 158).
Sem contar com o Estado para fazer valer o contratado, os informais preferem realizar negócios somente com aqueles com que mantêm relações diretas, o que reduz drasticamente as suas possibilidades de contratação. Além disso, os informais não podem fazer seguros ou se valer de outros instrumentos facilitadores do comércio, como venda de ações ou títulos de crédito. Finalmente, a impossibilidade de se utilizarem regras de responsabiliza- ção civil cria temores entre os empresários, o que sempre se traduz na redução de investimentos.
Isso não significa, como observa De Soto, que os informais consigam sobre- viver sem alguns destes instrumentos. Em regra, De Soto relata que eles desen- volvem sistemas paralelos, adaptando regras dos sistemas oficiais de acordo com as suas necessidades. Pendências são

resolvidas por “tribunais” informais, apli- cando-se regas costumeiras. Criam-se milícias responsáveis por fazer valer a lei e aplicar penas e repartições de registro que fornecerão as informações necessá- rias nos casos de disputa por terra.
A descrição fornecida por De Soto é bastante condizente com o que qualquer um pode observar em centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo. É muito difícil negar que exista grande ati- vidade econômica fora do mundo oficial. De acordo com dados do IBGE, há no Brasil 10.335.962 empresas infor- mais, que empregam 13.860.868 trabalhadores; 94% destas empresas não utilizaram sistema de crédito no perío- do de três meses imediatamente anterior à pesquisa.4 A substituição do Estado por outras organizações, muitas vezes criminosas, também parece inquestionável. O problema está no passo seguinte que De Soto dá, ou seja, na solução proposta ao problema.



2 O REMÉDIO
Para podermos enfrentar a informalida-
de, alega De Soto (2000, p. 108-135), devemos olhar o passado. Como já dito, segundo ele, a situação enfrentada pelos países latino-americanos e por outras nações subdesenvolvidas na atualidade é semelhante à que a Europa e os Estados Unidos já enfrentaram. A onda migrató- ria que leva hoje a população a procurar os grandes centros urbanos do Terceiro Mundo é igual à onda migratória que se seguiu à Revolução Industrial ou à que se deu  nos  Estados  Unidos  durante  sua



colonização. Além da hostilidade dos antigos habitantes, essa população é obri- gada a lidar com o fato de que as cidades e as instituições existentes não foram pensadas para lidar com a necessidade de uma massa tão grande de pessoas.
De Soto conclui, assim, que o subde- senvolvimento deve ser combatido pela reforma institucional, mas que o mode- lo inspirador da maioria das primeiras iniciativas com este fim era equivocado, já que calcado no modelo vigente, e não no modelo adotado pelos países subdesenvolvidos no momento em que enfrentaram os mesmos problemas que enfrentam  os  países  subdesenvolvidos na atualidade.
A partir de uma análise sobre a evo- lução da legislação sobre terras nos Estados Unidos, De Soto desenha uma possível saída para os países pobres: o sis- tema oficial deve incorporar os costumes e as práticas vigentes. Esta solução pare- ce ser do mais absoluto bom senso: se a lei não consegue atender às necessidades dos cidadãos dos quais regula a vida, ela deve se adaptar – e não aqueles. O pro- blema das iniciativas desenvolvimentistas que visavam à reforma institucional foi o de ignorar a realidade de cada um dos países, buscando impingir, como adverte Trubek, um modelo-padrão a uma cente- na de países diferentes.
De Soto não enfrenta, no entanto, a questão do quanto se pode ceder nesta institucionalização dos costumes, a não ser por uma simples ressalva de que devemos copiar os acertos e evitar os erros cometidos neste processo, pelas nações hoje desenvolvidas. Nos Estados

Unidos, por exemplo, a Lei de Terras ignorou os flagrantes desrespeitos às divisas originais das reservas florestais e indígenas e legalizou a propriedade par- ticular sobre áreas originalmente destinadas àquele fim. De Soto minimiza ou ignora o dilema que uma opção tal deveria enfrentar. Ainda que a concessão de títulos e a regularização da posse sejam capazes de trazer crescimento econômico, será que elas, de fato, pode- rão se traduzir em efetivos ganhos sociais? Amartya Sen, que também crê na relevância das instituições para o sucesso econômico, nega este caráter estritamente instrumental da reforma institucional e afirma que o crescimento econômico, isto é, a melhora da econo- mia, não pode se dar com prejuízo do bem-estar da população; mas sobre isso De Soto nada fala.
De Soto também não distingue sim- ples complicações burocráticas, que estão, de fato, por trás de muitas leis, de reais preocupações que orientam a ela- boração de um ordenamento jurídico. No caso específico da ocupação do solo, que é objeto central das análises de De Soto, isso é ainda mais evidente. Restri- ções urbanísticas, critérios rigorosos para o loteamento de áreas, proibição de utilização de áreas ribeirinhas ou de encostas não decorrem da insensibilida- de do Estado em relação aos problemas de seus cidadãos. Pelo contrário, essas ações quase sempre visam garantir a qualidade de vida dos seus habitantes. Abrir mão delas sob o pretexto de garantir o crescimento econômico pode não ser a opção que melhor atenda à



população, especialmente em longo prazo. Se a observação da experiência americana demonstra que o seu sucesso econômico passou, em um determinado momento, pela simples consolidação e aceitação, pelo poder estatal, dos costu- mes,  ela  pode  ser vir  também  para demonstrar que certos erros são irreme- diáveis e que seu preço deverá ser pago em algum momento. Nesse sentido, pen- sando-se em termos culturais e ambientais e ficando só no exemplo do próprio De Soto, não se podem ignorar as graves consequências da ocupação desordenada do solo nos Estados Unidos, que levou à morte grande parte da popu- lação nativa e dizimou áreas verdes. A questão a qual De Soto não responde é se os então governantes americanos teriam escolhido regularizar tal situação se eles

tivessem o conhecimento que hoje temos dos reais efeitos de sua opção.
De Soto minimiza, igualmente, as advertências que teóricos do Direito e Desenvolvimento fazem sobre a possibi- lidade de se transportarem instituições de um país a outro, sejam elas antigas, sejam elas contemporâneas.
Em síntese, apesar de sua inegável contribuição à compreensão da intricada relação entre lei e pobreza e, mais do que tudo, por sua tentativa honesta de olhar essa relação pelo ângulo daqueles que sofrem as consequências da lei, e não pelo ângulo daqueles que a criam, Her- nando De Soto não conseguiu superar a questão central que o Estado moderno enfrenta, que é a de conciliar crescimen- to econômico, desenvolvimento social e preocupações ambientais.










NOTAS


1   David Trubek  (RODRIGUEZ, 2009,  pp.  1-
50), no  ar tigo  Max Weber sobre o  direito  e  a  ascensão do capitalismo,  demonstra a relação direta entre a obra do   sociólogo   e   as   teor ias   institucionalistas   e desenvolvimentistas atuais.

2   Entrevista  concedida  à  Revista  DiReiTO  GV
(RODRIGUEZ, 2007).

3   Ainda de acordo com Trubek, basta uma rápida obser vação no site do Banco Mundial para se perceber a magnitude  e  impor tância  dada  às  instituições  nas políticas econômicas.

4   Ver Boletim Comunicação Social de 19.05.2005, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <www.ibge.gov.br/home/presidencia/ noticias/ noticia_impressao.php?id_noticia=366>.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DE SOTO, Hernando. The other path. Nova York: Harper & Row Publishers, 1989.
______. The mistery of capital. Nova York: Basic
Books, 2000.
RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). O novo direito e desenvolvimento: presente, passado e futuro. Textos

selecionados de David M. Trubek. São Paulo: Saraiva, 2009.
______ (coord.). O novo direito e desenvolvimento. Entrevista com David Trubek. Revista DiReiTO GV. São Paulo: DIREITO GV, v. 3, n. 2, jul-dez 2007, pp. 305-330.









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Laura Coutinho
MESTRANDA EM DIREITO E DESENVOLVIMENTO NA DIREITO GV


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