Alexandre Padilha, ministro da Saúde (Foto: Cristiano Mariz)
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fala ao jornalista Otávio Cabral, em entrevista com o título original de “
O crack virou epidemia” publicada em Páginas Amarelas da VEJA
que está saindo das bancas, de 16 de novembro de 2011.
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O ministro da Saúde admite que a droga avançou mais rápido do que
as ações de combate travadas contra ela e se diz favorável à internação
compulsória de viciados
Caçula da Esplanada dos Ministérios, Alexandre Padilha, de 40 anos,
assumiu o cargo em janeiro em meio a uma intensa discussão sobre a
necessidade da criação de um novo imposto para financiar a saúde
brasileira.
Dez meses depois, ele tem um diagnóstico claro sobre o assunto. Para o
ministro da Saúde, é melhor arregaçar as mangas e fazer mais e melhor
com o dinheiro disponível do que reclamar da falta de verbas. Para fazer
o dinheiro render, Padilha incentivou a meritocracia – o ministério
repassa mais dinheiro aos hospitais que atendem melhor. Ele não vê
fundamento na tese corrente de que o governo pretende recriar a CPMF.
Padilha falou sobre a ruína provocada pelo crack e criticou quem acha
que o ex-presidente Lula, diagnosticado com câncer na laringe, deve se
tratar pelo SUS.
O ex-presidente Lula iniciou um tratamento contra um câncer
de laringe em um hospital privado. Uma campanha na internet pede que ele
se trate na rede pública, para “sentir na pele” o legado que deixou
para a saúde brasileira. O SUS é tão ruim assim?
Há duas questões importantes nessa discussão. Primeiro, alguém que
paga por trinta anos um plano de saúde, como Lula pagou, precisa ter o
tratamento custeado por esse plano. Essa é a regra.
Não podemos achar natural que alguém que paga um plano de saúde tenha
de recorrer ao sistema público para se tratar. Se isso acontecer, o
plano deverá reembolsar o governo. Não só no caso de câncer, mas todo
gasto do SUS com pacientes que têm plano de saúde deve ser devolvido à
União.
A outra questão é que o SUS está, sim, preparado para tratar de
câncer. Os medicamentos que o ex-presidente está recebendo no Hospital
Sírio-Libanês são os mesmos fornecidos pelo SUS. Neste ano, aumentamos
em 22% o orçamento para o câncer.
Nos últimos oito anos, dobrou o número de procedimentos de
quimioterapia na rede pública. É lógico que temos muito a melhorar. Mas
essas críticas não têm sentido. Muita gente que condena Lula por não se
tratar no SUS também iria criticá-lo se ele fosse para um hospital
público ocupar a vaga de uma pessoa sem plano.
Pesquisas de opinião pública mostram que o brasileiro
considera a saúde o pior serviço prestado pelo governo. O que está sendo
feito para mudar essa percepção?
Nosso maior desafio é melhorar o atendimento à população. O SUS
precisa ter obsessão pela qualidade. O Brasil é o único país com mais de
100 milhões de habitantes que resolveu ter um sistema nacional público e
gratuito.
A Índia, a China, o Paquistão, a Indonésia e os Estados Unidos não fizeram isso.
O sistema brasileiro tem 1 milhão de internações por mês, mais de 3,5
bilhões de procedimentos ambulatoriais. Mas essa dimensão não pode
impedir que o SUS se preocupe com a qualidade.
"Nosso maior desafio é melhorar o atendimento à população" (Foto: Arestides Baptista/Ag. A Tarde/Folhapress)
Sim, mas como melhorar o atendimento?
Há duas linhas principais: a melhoria dos gastos e o combate aos
desvios de recursos. Já começamos a criar políticas de incentivo
financeiro pela qualidade. As equipes de saúde que prestarem um serviço
melhor à população poderão ter o repasse de recursos federais dobrado.
Já lançamos esse programa nos postos de saúde dos bairros.
As equipes são cadastradas, acompanhadas por um painel de indicadores
de qualidade e pesquisas de avaliação do usuário. Quem reduzir o tempo
de espera e melhorar a qualidade do atendimento vai receber mais.
Um discurso comum a todos os governos é que faltam recursos para a saúde. Falta mesmo dinheiro ou ele é malgasto?
Meu papel como ministro é fazer mais e melhor com o dinheiro que tenho. Não posso ficar parado esperando mais recursos chegarem.
O primeiro passo é incentivar a qualidade. O segundo é economizar e combater o desperdício de recursos.
Nos primeiros dez meses do ano, o ministério conseguiu economizar
mais de 1,1 bilhão de reais só mudando a forma de compra de
medicamentos.
Isso permitiu que colocássemos remédio de graça em farmácias para
hipertensos e diabéticos. Economizando, combatendo o desperdício e
procurando a eficiência, nós podemos fazer mais com o que já temos.
De uma vez por todas, o governo vai ou não vai criar um novo imposto para a saúde?
Isso nunca foi debatido no governo. Eu nunca recebi da presidente a
determinação de defender a recriação da CPMF. O Congresso levantou esse
tema do financiamento, é um debate importante para o futuro.
É lógico que ter mais dinheiro para a saúde seria importante. Mas o papel do governo é fazer mais com o que já tem.
Desde o início do governo Dilma, cinco ministros foram
demitidos por suspeita de corrupção. O que seu ministério vem fazendo
para conter os desvios de dinheiro?
No dia em que a presidente Dilma me convidou para ocupar o
ministério, deu-me uma orientação muito clara no sentido de reforçar o
combate aos desvios e desperdícios.
Já tomei algumas medidas para isso. A primeira foi obrigar os
municípios a ter uma conta específica para receber os recursos da Saúde,
o que torna todas as movimentações rastreáveis, dificultando os
desvios.
Também criamos um cadastro com todos os estabelecimentos de saúde e
seus profissionais. Cruzando esses dados, foi possível descobrir que 14
000 médicos tinham registros incompatíveis com a realidade, já que
trabalhavam mais de 24 horas por dia. Com essa medida, descredenciamos 3
500 serviços de saúde, o que resultou numa economia de 40 milhões de
reais por mês.
Também passamos um pente-fino nos medicamentos para glaucoma e
detectamos um uso excessivo e inexplicável do remédio. Descredenciamos
esses serviços e exigimos a devolução do dinheiro desperdiçado. É um
trabalho longo, que está só no começo.
Um dos principais motivos das crises de corrupção é o
loteamento dos cargos entre os partidos. A sua pasta, por exemplo, é
tradicionalmente um loteamento do PMDB…
A presidente me convidou para o cargo por ser médico e ter
experiência na saúde. Ela disse que esta é a linha clara que eu deveria
seguir: compor uma equipe com compromisso com a saúde de qualidade, com
pessoas preparadas tecnicamente.
Montei uma equipe com experiência em gestão, o que não seria possível
se o ministério se preocupasse apenas com política. A orientação na
Saúde é clara: compor a equipe com o único critério de compromisso com a
saúde, mais nada.
A diretoria da Funasa, por exemplo, hoje é toda composta por profissionais de carreira, sem indicações políticas.
O governo está há tempos prometendo lançar uma campanha de combate ao crack. Por que está demorando tanto?
Eu estive pessoalmente na Cracolândia de São Paulo no início do ano e observei de perto a deterioração provocada pelo crack.
Para mim, é evidente que essa droga se tornou uma epidemia, não há
outro termo, não há como amenizar. Por isso, a ação não pode ser
exclusiva da saúde. É preciso haver uma coordenação de ações de
segurança pública, de educação, de reinserção social.
Nós, da Saúde, queremos pôr o dedo nessa ferida do crack e ajudar a
cicatrizá-la. Já não é sem tempo, a epidemia avançou mais rápido do que
as ações de combate.
Imagens da cracolândia, em São Paulo: uma epidemia (Apu Gomes/Folhapress)
O senhor é favorável à internação compulsória?
Precisamos ter serviços de saúde diferentes para situações
diferentes. É grave ter centenas de pessoas se drogando na Cracolândia,
com suas famílias desestruturadas, sem perspectiva de reabilitação.
Nesses espaços, é necessário ter consultórios de rua e pessoas
capacitadas. Para esses casos, eu tenho a convicção clara, dentro do que
a Organização Mundial de Saúde defende, de que a internação
involuntária é fundamental para proteger a vida das pessoas viciadas.
Temos regras e protocolos para isso. Não é usar a polícia para
carregar o dependente para uma clínica qualquer. É preciso a avaliação
de um profissional de saúde, é preciso escolher um local adequado. Sou
contra o recolhimento compulsório por policiais. Agora, eu defendo, sim,
a internação involuntária em caso de risco de vida.
Outro problema que parece não ter solução é a infinidade de
acidentes de trânsito causados por motoristas alcoolizados. A Lei Seca
fracassou?
Há uma epidemia de acidentes no país. Em 2010, pela primeira vez o
Brasil ultrapassou as marcas de 140 000 internações no SUS por acidentes
e de mais de 40 000 mortos. Isso mostra que precisamos reforçar os
sistemas de prevenção.
Logo que a Lei Seca foi criada, ela teve um impacto positivo. E os
Estados que continuaram apertando a fiscalização também tiveram redução
nos acidentes. O Rio de Janeiro é um exemplo. Por isso, em primeiro
lugar é preciso intensificar a fiscalização, a lei não pode ser
ignorada.
Também é necessário discutir no Congresso um reforço à punição
prevista na lei. Uma pessoa que é flagrada dirigindo alcoolizada deve
ser punida com rigor. Com multas pesadas, apreensão do carro, da
carteira de habilitação. O Brasil não pode continuar perdendo vidas
para essa combinação de álcool com alta velocidade. A Lei Seca precisa
conter esses motoristas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou
uma ofensiva contra a venda de remédios para emagrecimento. Não é uma
intervenção excessiva do Estado na atividade médica?
A
Anvisa tem total autonomia nas decisões sobre proibição de
medicamentos: para emagrecimento, "há muitos casos de remédios que foram
liberados e só anos depois se descobriu que causavam problemas"
(Imagem: Thinkstock)
Dou total autonomia às decisões da Anvisa, não tenho nenhuma influência [
no órgão].
Agora, em saúde, é sempre melhor prevenir do que remediar. É sempre bom
agir com o conceito da precaução. A Anvisa faz consultas públicas, ouve
todos os lados e toma a decisão que acha correta, baseada unicamente em
critérios técnicos.
Sobre esse tema dos remédios de emagrecimento, há posições diferentes
entre os médicos brasileiros, há países que proíbem e outros que
liberam.
Eu concordo com a decisão da agência, já que há muitos casos de
remédios que foram liberados e só anos depois se descobriu que causavam
problemas.
Já podemos dizer que a aids é um problema sob controle?
Não. Hoje há uma grande preocupação com o combate à aids entre as
mulheres jovens, principalmente de 13 a 19 anos. Há uma redução das
práticas de sexo seguro entre os mais jovens. É uma geração que não teve
as referências que a minha geração, que está na faixa dos 40 anos, teve
no combate à aids.
A atual geração não teve ídolos e celebridades que sofreram com a
doença. É preciso levar mais informação e diagnóstico mais rápido para a
população, sobretudo para os mais jovens.
É unanimidade no meio político que a presidente Dilma é uma
pessoa dura, que cobra resultados com muito mais rigor do que seu
antecessor. O senhor é alvo dessas cobranças?
Eu convivi muito de perto com os dois, fui ministro dos dois. Eles
cobram muito, acompanham de perto as ações, sempre estabelecem metas
claras.
Todas as cobranças que a presidente Dilma me fez foram para acertar
os rumos da saúde. É bom que a gente tenha uma presidente que exige
muito dos ministros, porque isso contribui para o aprimoramento da
gestão.
Mas são exigências justas, não tenho do que reclamar. É muito fácil trabalhar com ela.
O senhor trabalhou diretamente com o ex-ministro José Dirceu. Ele tem mesmo influência exagerada no governo?
Hoje, como militante do PT e ministro da Saúde, recebo orientações e
influências do presidente do partido e da presidente da República. Há
muito de mito em torno dos outros dirigentes, mas a política também se
faz por mitos.
Só que o PT não é um partido que se deixa influenciar por uma única pessoa. Mesmo Lula não consegue mandar no PT.
Quem será o candidato do PT em 2014, Dilma ou Lula?
A presidente Dilma, como vai fazer um bom governo, vai conduzir o processo de sucessão. Obviamente, ela é a principal candidata.
“]
Mas o senhor descarta a volta de Lula?
Lula está fazendo política e vai continuar fazendo. Aliás, Lula nunca
precisou de cargo para fazer política. Mas 2014 está muito longe, não é
hora de pensar nisso.