quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O crack virou epidemia

revista veja  19/11/2011   às 19:30 \ Política & Cia

“O crack virou epidemia”, adverte o ministro da Saúde, Alexandre Padilha


Alexandre-Padilha-07
Alexandre Padilha, ministro da Saúde (Foto: Cristiano Mariz)
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fala ao jornalista Otávio Cabral, em entrevista com o título original de “O crack virou epidemia” publicada em Páginas Amarelas da VEJA que está saindo das bancas, de 16 de novembro de 2011.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O ministro da Saúde admite que a droga avançou mais rápido do que as ações de combate travadas contra ela e se diz favorável à internação compulsória de viciados
Caçula da Esplanada dos Ministérios, Alexandre Padilha, de 40 anos, assumiu o cargo em janeiro em meio a uma intensa discussão sobre a necessidade da criação de um novo imposto para financiar a saúde brasileira.
Dez meses depois, ele tem um diagnóstico claro sobre o assunto. Para o ministro da Saúde, é melhor arregaçar as mangas e fazer mais e melhor com o dinheiro disponível do que reclamar da falta de verbas. Para fazer o dinheiro render, Padilha incentivou a meritocracia – o ministério repassa mais dinheiro aos hospitais que atendem melhor. Ele não vê fundamento na tese corrente de que o governo pretende recriar a CPMF.
Padilha falou sobre a ruína provocada pelo crack e criticou quem acha que o ex-presidente Lula, diagnosticado com câncer na laringe, deve se tratar pelo SUS.
O ex-presidente Lula iniciou um tratamento contra um câncer de laringe em um hospital privado. Uma campanha na internet pede que ele se trate na rede pública, para “sentir na pele” o legado que deixou para a saúde brasileira. O SUS é tão ruim assim?
Há duas questões importantes nessa discussão. Primeiro, alguém que paga por trinta anos um plano de saúde, como Lula pagou, precisa ter o tratamento custeado por esse plano. Essa é a regra.
Não podemos achar natural que alguém que paga um plano de saúde tenha de recorrer ao sistema público para se tratar. Se isso acontecer, o plano deverá reembolsar o governo. Não só no caso de câncer, mas todo gasto do SUS com pacientes que têm plano de saúde deve ser devolvido à União.
A outra questão é que o SUS está, sim, preparado para tratar de câncer. Os medicamentos que o ex-presidente está recebendo no Hospital Sírio-Libanês são os mesmos fornecidos pelo SUS. Neste ano, aumentamos em 22% o orçamento para o câncer.
Nos últimos oito anos, dobrou o número de procedimentos de quimioterapia na rede pública. É lógico que temos muito a melhorar. Mas essas críticas não têm sentido. Muita gente que condena Lula por não se tratar no SUS também iria criticá-lo se ele fosse para um hospital público ocupar a vaga de uma pessoa sem plano.
Pesquisas de opinião pública mostram que o brasileiro considera a saúde o pior serviço prestado pelo governo. O que está sendo feito para mudar essa percepção?
Nosso maior desafio é melhorar o atendimento à população. O SUS precisa ter obsessão pela qualidade. O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que resolveu ter um sistema nacional público e gratuito.
A Índia, a China, o Paquistão, a Indonésia e os Estados Unidos não fizeram isso.
O sistema brasileiro tem 1 milhão de internações por mês, mais de 3,5 bilhões de procedimentos ambulatoriais. Mas essa dimensão não pode impedir que o SUS se preocupe com a qualidade.
Fila para atendimento em posto do SUS de Pernambués
"Nosso maior desafio é melhorar o atendimento à população" (Foto: Arestides Baptista/Ag. A Tarde/Folhapress)

Sim, mas como melhorar o atendimento?
Há duas linhas principais: a melhoria dos gastos e o combate aos desvios de recursos. Já começamos a criar políticas de incentivo financeiro pela qualidade. As equipes de saúde que prestarem um serviço melhor à população poderão ter o repasse de recursos federais dobrado. Já lançamos esse programa nos postos de saúde dos bairros.
As equipes são cadastradas, acompanhadas por um painel de indicadores de qualidade e pesquisas de avaliação do usuário. Quem reduzir o tempo de espera e melhorar a qualidade do atendimento vai receber mais.
Um discurso comum a todos os governos é que faltam recursos para a saúde. Falta mesmo dinheiro ou ele é malgasto?
Meu papel como ministro é fazer mais e melhor com o dinheiro que tenho. Não posso ficar parado esperando mais recursos chegarem.
O primeiro passo é incentivar a qualidade. O segundo é economizar e combater o desperdício de recursos.
Nos primeiros dez meses do ano, o ministério conseguiu economizar mais de 1,1 bilhão de reais só mudando a forma de compra de medicamentos.
Isso permitiu que colocássemos remédio de graça em farmácias para hipertensos e diabéticos. Economizando, combatendo o desperdício e procurando a eficiência, nós podemos fazer mais com o que já temos.
De uma vez por todas, o governo vai ou não vai criar um novo imposto para a saúde?
Isso nunca foi debatido no governo. Eu nunca recebi da presidente a determinação de defender a recriação da CPMF. O Congresso levantou esse tema do financiamento, é um debate importante para o futuro.
É lógico que ter mais dinheiro para a saúde seria importante. Mas o papel do governo é fazer mais com o que já tem.
Desde o início do governo Dilma, cinco ministros foram demitidos por suspeita de corrupção. O que seu ministério vem fazendo para conter os desvios de dinheiro?
No dia em que a presidente Dilma me convidou para ocupar o ministério, deu-me uma orientação muito clara no sentido de reforçar o combate aos desvios e desperdícios.
Já tomei algumas medidas para isso. A primeira foi obrigar os municípios a ter uma conta específica para receber os recursos da Saúde, o que torna todas as movimentações rastreáveis, dificultando os desvios.
Também criamos um cadastro com todos os estabelecimentos de saúde e seus profissionais. Cruzando esses dados, foi possível descobrir que 14 000 médicos tinham registros incompatíveis com a realidade, já que trabalhavam mais de 24 horas por dia. Com essa medida, descredenciamos 3 500 serviços de saúde, o que resultou numa economia de 40 milhões de reais por mês.
Também passamos um pente-fino nos medicamentos para glaucoma e detectamos um uso excessivo e inexplicável do remédio. Descredenciamos esses serviços e exigimos a devolução do dinheiro desperdiçado. É um trabalho longo, que está só no começo.
Um dos principais motivos das crises de corrupção é o loteamento dos cargos entre os partidos. A sua pasta, por exemplo, é tradicionalmente um loteamento do PMDB…
A presidente me convidou para o cargo por ser médico e ter experiência na saúde. Ela disse que esta é a linha clara que eu deveria seguir: compor uma equipe com compromisso com a saúde de qualidade, com pessoas preparadas tecnicamente.
Montei uma equipe com experiência em gestão, o que não seria possível se o ministério se preocupasse apenas com política. A orientação na Saúde é clara: compor a equipe com o único critério de compromisso com a saúde, mais nada.
A diretoria da Funasa, por exemplo, hoje é toda composta por profissionais de carreira, sem indicações políticas.
O governo está há tempos prometendo lançar uma campanha de combate ao crack. Por que está demorando tanto?
Eu estive pessoalmente na Cracolândia de São Paulo no início do ano e observei de perto a deterioração provocada pelo crack.
Para mim, é evidente que essa droga se tornou uma epidemia, não há outro termo, não há como amenizar. Por isso, a ação não pode ser exclusiva da saúde. É preciso haver uma coordenação de ações de segurança pública, de educação, de reinserção social.
Nós, da Saúde, queremos pôr o dedo nessa ferida do crack e ajudar a cicatrizá-la. Já não é sem tempo, a epidemia avançou mais rápido do que as ações de combate.
crack-cracolandia-sp-drogas-usuario-size-598
Imagens da cracolândia, em São Paulo: uma epidemia (Apu Gomes/Folhapress)
O senhor é favorável à internação compulsória?
Precisamos ter serviços de saúde diferentes para situações diferentes. É grave ter centenas de pessoas se drogando na Cracolândia, com suas famílias desestruturadas, sem perspectiva de reabilitação.
Nesses espaços, é necessário ter consultórios de rua e pessoas capacitadas. Para esses casos, eu tenho a convicção clara, dentro do que a Organização Mundial de Saúde defende, de que a internação involuntária é fundamental para proteger a vida das pessoas viciadas.
Temos regras e protocolos para isso. Não é usar a polícia para carregar o dependente para uma clínica qualquer. É preciso a avaliação de um profissional de saúde, é preciso escolher um local adequado. Sou contra o recolhimento compulsório por policiais. Agora, eu defendo, sim, a internação involuntária em caso de risco de vida.
Outro problema que parece não ter solução é a infinidade de acidentes de trânsito causados por motoristas alcoolizados. A Lei Seca fracassou?
Há uma epidemia de acidentes no país. Em 2010, pela primeira vez o Brasil ultrapassou as marcas de 140 000 internações no SUS por acidentes e de mais de 40 000 mortos. Isso mostra que precisamos reforçar os sistemas de prevenção.
Logo que a Lei Seca foi criada, ela teve um impacto positivo. E os Estados que continuaram apertando a fiscalização também tiveram redução nos acidentes. O Rio de Janeiro é um exemplo. Por isso, em primeiro lugar é preciso intensificar a fiscalização, a lei não pode ser ignorada.
Também é necessário discutir no Congresso um reforço à punição prevista na lei. Uma pessoa que é flagrada dirigindo alcoolizada deve ser punida com rigor. Com multas pesadas, apreensão do carro, da carteira de habilitação. O Brasil não pode conti­nuar perdendo vidas para essa combinação de álcool com alta velocidade. A Lei Seca precisa conter esses motoristas.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou uma ofensiva contra a venda de remédios para emagrecimento. Não é uma intervenção excessiva do Estado na atividade médica?
pilulas-emagrecimento-20111117
A Anvisa tem total autonomia nas decisões sobre proibição de medicamentos: para emagrecimento, "há muitos casos de remédios que foram liberados e só anos depois se descobriu que causavam problemas" (Imagem: Thinkstock)
Dou total autonomia às decisões da Anvisa, não tenho nenhuma influência [no órgão]. Agora, em saúde, é sempre melhor prevenir do que remediar. É sempre bom agir com o conceito da precaução. A Anvisa faz consultas públicas, ouve todos os lados e toma a decisão que acha correta, baseada unicamente em critérios técnicos.
Sobre esse tema dos remédios de emagrecimento, há posições diferentes entre os médicos brasileiros, há países que proíbem e outros que liberam.
Eu concordo com a decisão da agência, já que há muitos casos de remédios que foram liberados e só anos depois se descobriu que causavam problemas.
Já podemos dizer que a aids é um problema sob controle?
Não. Hoje há uma grande preocupação com o combate à aids entre as mulheres jovens, principalmente de 13 a 19 anos. Há uma redução das práticas de sexo seguro entre os mais jovens. É uma geração que não teve as referências que a minha geração, que está na faixa dos 40 anos, teve no combate à aids.
A atual geração não teve ídolos e celebridades que sofreram com a doença. É preciso levar mais informação e diagnóstico mais rápido para a população, sobretudo para os mais jovens.
É unanimidade no meio político que a presidente Dilma é uma pessoa dura, que cobra resultados com muito mais rigor do que seu antecessor. O senhor é alvo dessas cobranças?
Eu convivi muito de perto com os dois, fui ministro dos dois. Eles cobram muito, acompanham de perto as ações, sempre estabelecem metas claras.
Todas as cobranças que a presidente Dilma me fez foram para acertar os rumos da saúde. É bom que a gente tenha uma presidente que exige muito dos ministros, porque isso contribui para o aprimoramento da gestão.
Mas são exigências justas, não tenho do que reclamar. É muito fácil trabalhar com ela.
O senhor trabalhou diretamente com o ex-ministro José Dirceu. Ele tem mesmo influência exagerada no governo?
Hoje, como militante do PT e ministro da Saúde, recebo orientações e influências do presidente do partido e da presidente da República. Há muito de mito em torno dos outros dirigentes, mas a política também se faz por mitos.
Só que o PT não é um partido que se deixa influenciar por uma única pessoa. Mesmo Lula não consegue mandar no PT.
Quem será o candidato do PT em 2014, Dilma ou Lula?
A presidente Dilma, como vai fazer um bom governo, vai conduzir o processo de sucessão. Obviamente, ela é a principal candidata.
“]  Dilma Rousseff e Lula Mas o senhor descarta a volta de Lula?
Lula está fazendo política e vai continuar fazendo. Aliás, Lula nunca precisou de cargo para fazer política. Mas 2014 está muito longe, não é hora de pensar nisso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário