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O doutor D’Hondt e você
"O sistema brasileiro de eleição proporcional
situa-se bem acima da capacidade média do
sistema operacional do cérebro humano"
E lá vamos nós, outra vez. Não deve haver muitos
países no mundo em que o eleitor é convidado a pinçar numa lista de extensão
oceânica um candidato do qual, se não é seu parente, teve apenas escassas
referências, e designá-lo para exercer uma função que sabe de antemão
caracterizar-se, na melhor das hipóteses, pela inocuidade, e, na pior, por
oferecer posição vantajosa para a prática de ilícitos. É o que estamos
convidados a fazer – aliás, intimados, já que o voto é obrigatório – na eleição
para vereador. Em quem devo votar? Você tem alguma indicação? Na véspera da
eleição, estabelece-se uma aflita corrente em que se faz a ronda dos
conhecidos. Quem sabe dessas consultas se consiga extrair o nome de um
candidato capaz, ou pelo menos não incurso em algum artigo do Código Penal. Não
deve haver muitos países em que o eleitor é induzido a votar às cegas. É o caso
do Brasil, campeão da esbórnia partidário-eleitoral, nas eleições para
vereador, deputado federal e deputado estadual.situa-se bem acima da capacidade média do
sistema operacional do cérebro humano"
A esbórnia começa na quantidade de partidos com existência legal no país: 27. Vinte e sete! Do amontoado obeso e incongruente de partidos derramaram-se neste ano, pelos 5 563 municípios brasileiros, 348 047 candidatos a vereador (348 047!) – 1 224 no Rio de Janeiro (1 224!), 1 077 em São Paulo (1 077!), 1 030 em Belo Horizonte (1 030!). Haja ponto de exclamação para dar conta da magnitude dos números! E haja paciência e discernimento do eleitor para encontrar, nesse palheiro, a agulha salvadora do candidato mais de acordo com seu gosto. Da superlotação das listas partidárias resulta esse desafio para o olho e a atenção que é o entra-e-sai dos candidatos no horário eleitoral. Acresce que os partidos não ajudam, ao peneirar seus representantes, e então, a cada ano, temos o conhecido desfile de rostos que parecem herdados do portfólio do selecionador de elenco do saudoso Federico Fellini, ou do PowerPoint do doutor Cesare Lombroso.
As diabruras do sistema não terminam aí. O eleitor pensa que vota num nome, mas é engano; vota antes num partido. Vota em Fulano, mas acaba elegendo Sicrano. O 1,6 milhão de eleitores paulistas que votaram em Enéas Carneiro para deputado federal em 2002 acabou elegendo outros cinco candidatos do mesmo partido, um deles com o cacife de 200 votos. Inversamente, os 38 000 paulistas que votaram em Delfim Netto em 2006 não foram suficientes para elegê-lo, mas ajudaram outros candidatos do PMDB a eleger-se. São artimanhas do coeficiente eleitoral. O leitor o conhece? Devia conhecê-lo, pois é ele, com esse nome de aterrorizar vestibulando, que decide a parada. Façamos as apresentações. O quociente eleitoral é a divisão do total dos votos válidos (todos, menos os nulos) pelo número de cadeiras em jogo. Assim, suponhamos que no Rio de Janeiro haja 3,5 milhões de votos válidos. Como a Câmara de Vereadores local possui cinqüenta cadeiras, faz-se a divisão de 3,5 milhões por 50 e chega-se ao coeficiente eleitoral de 70.000. Cada partido obterá uma cadeira a cada 70.000 votos que venha a somar. Se o partido X somou 140.000 votos, terá duas cadeiras.
Simples, não? Bem... Dificilmente um partido obterá exatamente o dobro do coeficiente eleitoral. Digamos que obtenha 150.000 votos. Terá direito então, como resultado da divisão de 150.000 por 70.000, a 2,14 cadeiras. Que fazer desse 0,14 de cadeira? Aqui entra um fator novo nessa história – o cálculo de D’Hondt. D’Hon...??? Façamos as apresentações. Victor D’Hondt foi um jurista belga, criador do sistema pelo qual se distribuem as sobras no sistema proporcional. Funciona assim:… Não. As apresentações ficam por aqui. D’Hondt nos ultrapassa. O leitor que quiser beber da sapiência do belga que vá fazê-lo, com todo o respeito, em outra freguesia.
E assim chegamos a uma primeira e crucial conclusão: o sistema brasileiro de eleição proporcional situa-se bem acima da capacidade média do sistema operacional do cérebro humano. A segunda conclusão é que não se pode encarar a sério um sistema que não se compreende; se os parlamentos são o que são, no Brasil, em grande parte é pelo modo como são eleitos. A terceira conclusão não é conclusão, é um apelo: que se invente outro modelo. É a sobrevivência do regime representativo que está em jogo
Eleição de Enéas ressuscita reforma política
Autor(es):
Cristiane Jungblut
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O Globo -
06/10/2002
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BRASÍLIA e SÃO PAULO. O fato de o
inexpressivo Prona ter saído das eleições com uma bancada de seis deputados
graças à votação de Enéas Carneiro, que obteve 1,5 milhão de votos, reabriu
ontem no Congresso as discussões sobre a reforma política. Pelo atual sistema
eleitoral, os mais votados em cada partido acabam se tornando puxadores de
votos, garantindo com seu desempenho a eleição de colegas de partido ou
coligação que tiveram poucos votos. O desempenho de Enéas garantiu vaga para
Vanderlei Assis, que obteve apenas 275 votos.
A reação mais indignada foi a do presidente
do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), que considerou uma aberração o fato de a
eleição de Enéas permitir que outros cinco candidatos do partido assumam
cadeiras na Câmara dos Deputados. Para Tebet, a reforma política deve ser
prioridade no Congresso, em 2003. O relator da proposta de reforma política
na comissão especial da Câmara, deputado João Almeida (PSDB-BA), disse que a
aprovação da reforma será importante, inclusive, para a governabilidade do
próximo presidente.
João Almeida disse que o Brasil e a
Finlândia são os dois únicos países do mundo que usam o sistema proporcional
unipessoal, ou seja, o eleitor vota no candidato. A legislação eleitoral
impõe um cálculo complicado para definir a representação proporcional na
Câmara, levando em conta os votos do candidato, da legenda e o número de
vagas.
PT e PCdoB elegeram 20
Mas Almeida ressaltou que o fenômeno
Enéas poderia ocorrer em qualquer sistema.
— Não existe sistema eleitoral
perfeito ou imune a distorções. No sistema de listas partidárias, por
exemplo, o primeiro colocado, se for popular, também vai puxar votos para os
demais — disse o deputado, que defende a adoção do sistema de listas fechadas
(com os candidatos pré-estabelecidos) como forma de a campanha ser
partidária.
Mais enfático, Tebet não considera
correto um candidato que recebeu muitos votos não conseguir se eleger
enquanto outro que recebeu poucos votos garantir vaga na Câmara. O senador
Maguito Vilela (PMDB-GO), derrotado na eleição estadual, também defendeu em
plenário a aprovação da reforma política. Já o senador Roberto Freire
(PPS-PE) achou injustas as críticas ao Prona, que saltou de zero para seis
deputados:
— Isso está sendo discutido de uma
forma profundamente equivocada. Aqueles que defendem a lista partidária
fechada não podem criticar o Enéas.
O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ)
lembra que os próprios parlamentares aprovaram as atuais regras. Ele e vários
parlamentares defendem a adoção do chamado voto distrital misto.
O PT ficará com a vaga que o Prona
não vai preencher em São
Paulo, porque tinha apenas seis candidatos e elegeu sete
deputados federais, de acordo com o Código Eleitoral. Conforme o artigo 109,
os lugares não preenchidos serão ocupados pelo partido que obtiver a maior
média entre o número de votos válidos e o número de lugares obtidos na
eleição.
Levando em conta que 99,9% dos votos
já estavam apurados até ontem, o PT, em coligação com PCdoB, deve eleger 20
deputados. A coligação que reúne PSDB, PFL e PSD deve conquistar 18 ou 19
vagas.
COLABOROU Adauri Antunes Barbosa
Segundo mais votado no ES não se
elege
Ana Paula Macedo
BRASÍLIA. Se em São Paulo a votação
recorde do médico Enéas Carneiro, do Prona, fez com que cinco outros
candidatos do partido fossem eleitos deputados federais, no Espírito Santo o
fraco desempenho do PFL nas urnas tirou o mandato de José Carlos Fonseca, o
segundo mais votado no estado para ocupar uma das dez vagas na Câmara dos
Deputados.
O capixaba Zé Carlinhos, como é
conhecido no Congresso, recebeu 92.727 votos, exatos 6.633 votos a mais que
Marcelino Fraga, do PMDB, o terceiro colocado. E teve que assistir à eleição
do peemedebista, beneficiado pelo voto de legenda. O que atrapalhou Fonseca
foram os poucos votos dados ao PFL. O segundo candidato mais votado do
partido ficou em 25 lugar no ranking e o terceiro, em 37o lugar.
Na Bahia, PFL elege 19 dos 39
deputados
Já na Bahia, estado vizinho do
Espírito Santo, o mesmo PFL teve um resultado notável. Em boa parte graças ao
desempenho de Antonio Carlos Magalhães Neto e Fábio Souto nas urnas. O neto
do senador eleito Antonio Carlos Magalhães e o filho do governador eleito
Paulo Souto foram os dois candidatos mais votados para a Câmara dos
Deputados. Juntos somaram mais de 636 mil votos. E o PFL elegeu 19 dos 39
deputados da bancada baiana.
Nem sempre, entretanto, votações
recordes puxam mais eleitos. No Distrito Federal, o ex-senador José Roberto
Arruda teve a maior votação proporcional do país, com 25,52% dos votos. Mas
não puxou ninguém, foi o único deputado federal eleito do PFL. O deputado
Osório Adriano teve 23.240 mil votos mas não entrou.
Em
Minas Gerais,
a grande votação de Patrus Ananias e Virgílio Guimarães, os dois candidatos
mais votados para deputado federal, facilitou a eleição de mais nove
petistas. Patrus e Virgílio tiveram juntos 837.140 votos, o correspondente a
7,67% do total. Levaram com eles candidatos com 0,32% e 0,31% dos votos
válidos.
Campeões de votos no Pará, o
ex-senador Jader Barbalho e Wlad, com mais de 506 mil votos, ajudaram o PMDB
a fazer cinco dos 17 deputados federais do estado.
Voto denuncia despolitização
O cientista político Geraldo Tadeu
Monteiro, coordenador dos Programas de Estudos Políticos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, diz que o recorde de votos que levou Enéas Carneiro
e outros cinco candidatos do Prona à Câmara pode até ser encarado como uma
distorção, mas não do sistema de representação proporcional.
— Existem no mundo pelo menos 12
sistemas diferentes de repartição de votos e todos são imperfeitos. Nenhum
poderia prever uma votação dessa. Os sistemas atendem casos médios e
funcionou bem na maioria dos estados — diz.
Para o pesquisador, a estratégia de
Enéas de se lançar candidato a deputado federal, depois de três eleições
presidenciais, foi acertada e tinha o objetivo de formar uma bancada:
— Ele acabou denunciando sem querer
a despolitização do sistema partidário e eleitoral. É um paroxismo ele ter
uma votação extrema e levar consigo pessoas sem preparo político para
chegarem à Câmara. Mas isso também acontece em outros partidos.
Monteiro propõe a adoção do sistema
distrital majoritário uninominal, parecido com o da Inglaterra, para diminuir
distorções:
— O candidato escolheria um
distrito, uma parte da cidade de São Paulo, por exemplo. Além de ter um
número bem menor de eleitores, somente ele se elegeria.
Sistema eleitoral em debate
Renato Galeno
A eleição de Vanderlei Assis, do
Prona, como deputado federal em
São Paulo com apenas 275 votos trouxe à tona o debate sobre
o sistema eleitoral brasileiro. A discussão sobre a mudança do sistema
proporcional para o distrital ou a criação de um sistema misto volta à
discussão política. Porém, as diferenças entre o sistema eleitoral brasileiro
e o utilizado em outros países são mais profundas do que aparentam.
— O sistema eleitoral brasileiro é
uma mistura explosiva — garante a cientista política Lucia Hippolito.
No Brasil, o mecanismo do voto para
deputados e vereadores funciona da seguinte forma: a) de acordo com o total
das urnas, se chega ao número mínimo de votos para um partido ter um
deputado; b) definem-se os partidos que conseguiram atingir esse número; c)
proporcionalmente ao número de cada partido ou coligação, distribuem-se vagas
para os partidos; d) apontam-se os candidatos eleitos segundo a ordem de
votos dentro do partido.
Este é o sistema conhecido como
proporcional, com lista aberta. Outro sistema é o majoritário, ou distrital,
no qual todos os votos não dirigidos ao candidato vencedor são descartados.
Senadores são eleitos dessa forma.
Se vários países adotam o sistema
proporcional, o Brasil é único devido a outros fatores. Em primeiro lugar, o
país usa o sistema de lista aberta, no qual se vota nas pessoas. Mais
comumente, vota-se na chapa formada pelos próprios partidos (as listas
fechadas). A ordem é estabelecida por eles. Isso faz com que se incluam
candidatos populares, os puxadores de votos, mas também políticos
importantes.
A segunda diferença brasileira é a
existência de coligações, que fazem com que votos dados num partido
beneficiem outro.
Em terceiro lugar, nem todos os
votos são aproveitados, pois, depois de contado o quociente eleitoral, sobram
votos. Estes são distribuídos de maneira quase proporcional de acordo com o
método (o cálculo de Hondt). Na última eleição, seis deputados federais foram
eleitos com as sobras. Assim, sobras eleitorais acabam destinadas a um
candidato que não representa a vontade do eleitor.
— Só se fosse possível fazer com o
voto o que se faz com notas de dólar que são usadas para o pagamento de
seqüestros daria para saber onde o nosso voto vai parar — ironizou Lucia.
Porém, ela acredita que o voto
proporcional é mais democrático.
— O problema não é o sistema
proporcional, que assegura a representatividade das minorias. É com o sistema
brasileiro. Vivemos numa sociedade-espetáculo. Para manter a qualidade da
representação parlamentar, é preciso fechar as listas. E acabar com as
coligações.
‘Meus 275 votos foram sinceros’
SÃO PAULO. O médico homeopata
Vanderlei Assis, de 56 anos, conseguiu duas façanhas na eleição do último domingo.
Morando no Rio, elegeu-se deputado federal em São Paulo, com apenas
275 votos. Sem nenhum constrangimento, ele atribui a existência do seu
mandato ao seu guru político, Enéas Carneiro.
Adauri Antunes Barbosa
Depois de eleito, o senhor vai se
mudar para São Paulo?
VANDERLEI ASSIS: Sou obrigado,
agora, a estar em Brasília pelo menos boa parte do tempo. Pretendo também
estar em São Paulo,
na maioria das vezes, e algumas vezes no Rio. Com a ponte aérea é mais fácil.
Como morador do Rio, o senhor se acha
em condições de representar São Paulo?
ASSIS: São Paulo não é muito
diferente do Rio em termos dos aspectos problemáticos, não é mesmo? A função
de um deputado federal é ir lá, escutar os outros e dar seus palpites. É isso
que eu vou fazer: tentar fazer tudo o que é possível para o bem-estar do povo
de São Paulo, que eu vou representar em primeiro lugar, e o resto do Brasil,
porque os problemas de São Paulo são os problemas do Brasil. Acho que é tudo
uma coisa só, sabe?
O senhor não se sente constrangido
de ter sido eleito com tão poucos votos?
ASSIS: Não. Isso prova que o doutor
Enéas consegue fazer um deputado com 275 votos. O mérito é todo do doutor
Enéas. Muita gente que faz 20 mil, 30 mil, 50 mil votos, faz isso a custo de
empresários, de acordos, de presentinhos, compram votos. Eu não tenho
problema nenhum e garanto: meus 275 votos foram sinceros.
Tom indignado atraiu eleitor
A interpretação de que 1,5 milhão de
eleitores paulistas quiseram protestar ao votar em Enéas Carneiro
não é compartilhada pela historiadora Marly Silva da Motta, do Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc-FGV). Para
ela, uma grande parcela do eleitorado pode ter se identificado com o discurso
nacionalista e o tom indignado do candidato, independentemente de seu
conteúdo:
— Essa forma indignada, enraivecida
de se dirigir é partilhada por parte do eleitorado. A indignação é uma forma
clássica e impactante de fazer política. Rejeito essas avaliações de que o
eleitorado está cada vez mais despolitizado.
Marly considera fundamental a
comunicação de Enéas na televisão. De acordo com a pesquisadora, o fato de
ele ter priorizado a fixação do número 5656 também ajudou:
— Ele soube avaliar muito bem a
mensagem que deveria passar em seu pouco tempo na TV. Foi uma jogada de
marketing e percepção de um público que seria a base de seu eleitorado.
Marly compara o tom nacionalista e
raivoso do Prona com o movimento integralista dos anos 30, que atingiu
diversas classes sociais e estava longe de ser despolitizado. E acredita que
o fato de Enéas levar para a Câmara outros políticos inexpressivos pode
servir de aprendizado para os eleitores.
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O sistema majoritário uninominal para eleição dos
deputados federais nos Estados Unidos
Olivia Raposo da
Silva Telles*
No próximo dia 7
de novembro, o eleitorado norte-americano vai eleger a nova Câmara dos
Deputados (House of Representatives) e renovar um terço do Senado
federal. O sistema eleitoral para eleição dos deputados federais nos Estados
Unidos é majoritário uninominal, chamado erroneamente entre nós de sistema
distrital. Sendo assim, cada Estado é dividido em tantos distritos quantos são
os deputados a eleger, e cada distrito elege um único deputado. Para vencer a
eleição, basta obter a maioria simples. Os deputados federais nos Estados
Unidos são eleitos para exercer um mandato de dois anos, podendo se
recandidatar.
Muito se tem discutido no Brasil sobre as vantagens
e desvantagens desse sistema. Nos Estados Unidos, malgrado o sistema de governo
presidencial, procurou-se assegurar a formação na Câmara dos Deputados de
maiorias estáveis, por meio da instituição do sistema majoritário uninominal.
O número de deputados federais é fixado por lei e é
de 435 desde 1912. A
Constituição norte-americana de 1787 determina que cada um dos cinqüenta
Estados tem direito a pelo menos uma cadeira na Câmara; as restantes são
distribuídas entre os Estados proporcionalmente à sua população, de acordo com
um censo populacional realizado a cada dez anos.
Nos EUA o sistema majoritário uninominal padece de
um grave vício, que é o casuísmo no desenho dos distritos. Esse desenho é feito
pelo partido dominante na Assembléia Legislativa dos Estados de modo a
concentrar os eleitores do candidato do partido e dividir os eleitores do
candidato do partido adversário. Essa manobra, apelidada de gerrymandering,
tem ocorrido nos Estados Unidos no momento da redistritalização, que é feita a
cada dez anos com base nos resultados do censo decenal. Isso porque a Suprema
Corte consagrou, na primeira metade da década de 1960, o princípio "uma
pessoa, um voto", e seu corolário, a regra de que os distritos devem ter o
mesmo número de habitantes.
O termo gerrymandering surgiu em 1812,
quando o governador de Massachusetts era Elbridge Gerry e seu partido
controlava o legislativo estadual. Os legisladores da sua base de apoio
redesenharam as divisas dos distritos senatoriais do Condado de Essex, de modo
a forjar um distrito longo e estreito, esperando obter um número maior de
cadeiras. Gerry não apreciou o mapa mas sancionou a lei assim mesmo. O novo
formato do distrito lembrou ao chargista do jornal Boston Gazette uma
salamandra. O jornal passou então a chamar o resultado daquela
redistritalização de gerrymander, um trocadilho com o nome do
governador. O neologismo entrou definitivamente para o vocabulário político do
país, graças à repetição da prática ao longo desses quase duzentos anos.
A generalização do gerrymandering tem sido
objeto de duras críticas nos Estados Unidos e também fora do país. Em 2001, um
livro escrito pelo geógrafo Mark Monmonier1 demonstra como o sinuoso distrito desenhado em 1812 pelos
correligionários do então governador Elbridge Gerry é bem menos problemático em
sua forma, se não na intenção, do que as manipulações cartográficas encorajadas
pelo Departamento de Justiça na administração Bush, com a ajuda de sofisticados
programas de computador.
Em 2002, uma percuciente matéria publicada na
revista The Economist demonstrou, com expressivos exemplos, que enquanto
na maior parte das democracias os eleitores escolhem seus representantes, nos
Estados Unidos cada vez mais é o contrário que acontece: os representantes
desenham os distritos de forma a escolher seus eleitores. A crescente supressão
da concorrência eleitoral nas eleições legislativas tem levado, como expõe a
revista, a reeleições sucessivas e praticamente certas dos deputados, que se
perpetuam no poder pelo efeito combinado da redistritalização manipulada e da
maior facilidade para quem já está no cargo de levantar fundos de campanha.
Outros países em que vigora o sistema majoritário
uninominal não padecem do mesmo mal. É o caso da França, onde o desenho dos
distritos acompanha as divisões administrativas. Tal solução não é aplicável
aos Estados Unidos, em razão do referido princípio "uma pessoa, um voto"
e da regra de que os distritos devem ter todos o mesmo número de habitantes. Na
França, o problema é justamente esse: os distritos são "naturais" mas
por isso mesmo há distritos que são mais populosos do que outros.
Felizmente, como informa o Economist, alguns
Estados, como Iowa, têm buscado moralizar o sistema, transferindo a atribuição
de redesenhar os distritos a servidores públicos, que devem fazê-lo sem levar
em conta os titulares de mandato eletivo nem os mapas eleitorais. Cinco outros
Estados atribuíram a missão a comissões bipartidárias em que um membro
independente tem o voto de Minerva. E, de fato, esses Estados têm tido eleições
mais competitivas do que os demais. Só a pressão popular, conclui com razão a
revista, poderia levar os políticos a renunciar ao poder de redesenhar
distritos, o que se espera que aconteça até a próxima redistritalização, em
2010.
Em 2005, um editorial do jornal The New York
Times posicionou-se a favor de um projeto de lei de iniciativa de um
deputado federal do Tennessee, o democrata John Tanner, pelo qual a
redistritalização ficaria a cargo de comissões não partidárias por força de lei
federal, aplicável a todos os Estados. Nas palavras do jornal, nessas
maquinações partidárias, os eleitores são os que perdem; a aprovação dessa medida
iria aperfeiçoar grandemente a democracia americana.
No Brasil, em caso de eventual adoção de sistema
que exija a redistritalização periódica (seja ele majoritário ou proporcional),
a fixação do contorno dos distritos ou circunscrições teria forçosamente que
ficar a cargo da Justiça Eleitoral, e não do Poder Legislativo, federal ou
estadual.
__________
1Bushmanders & Bullwinkles – How Politicians Manipulate electronic
Maps and Census Data to Win Elections, The University
of Chicago Press, Chicago, 2001, 208 p.
______________
*Advogada (do
escritório Silva Telles Advogados), doutora pela Université de Paris I
(Panthéon-Sorbonne) e autora da pesquisa “Direito Eleitoral Comparado – Brasil,
Estados Unidos, França”, realizada sob os auspícios do IDPE (Instituto de
Direito Político e Eleitoral)
Comédia política no Texas
Por Paulo Leite 15/05/2003 às 14:15
Por Paulo Leite 15/05/2003 às 14:15
Para quem não
sabe - e guardadas as devidas proporções -, o Texas é para os Estados Unidos o
que a cidade de Itu é para o estado de São Paulo. Itu, claro, é aquela cidade
onde tudo é grande. O Texas tem a mesma fama, porque realmente é um estado
muito rico, principalmente por causa do petróleo, que Itu infelizmente não tem.
Mas se Itu gerou inúmeras piadas no Brasil, o Texas está sendo palco de uma
engraçadíssima farsa política, em que a polícia estadual (os famosos
"Texas Rangers") passou um dia inteiro caçando 53 deputados
fugitivos.
Vou tentar
explicar. A Casa dos Representantes do Texas (equivalente às Assembléias
Legislativas brasileiras) tem 150 deputados. 88 Republicanos, 62 Democratas. Os
deputados deveriam votar, numa sessão que começou nesta segunda-feira, 12 de
maio, vários projetos importantes. O mais polêmico trata de redivisão dos
distritos eleitorais do estado. E aí começou a confusão. Os distritos atuais
são altamente favoráveis para os Democratas, e não refletem a verdadeira
posição política do estado, que é hoje marcadamente conservador. Os
Republicanos elaboraram uma divisão distrital onde vai ser mais fácil eleger,
lógico, candidatos Republicanos. Sabendo que iriam perder a votação, os
Democratas desapareceram, para que não houvesse quorum na hora de iniciar a
sessão. Os regulamentos exigem a presença de pelo menos 100 deputados.
Para entender esta ópera, é preciso lembrar que o voto nos Estados Unidos é distrital. Quer dizer, nas eleições estaduais, você vota apenas nos candidatos de seu distrito, não do estado inteiro. Cada estado é dividido em vários distritos. Alguns são nitidamente Democratas, principalmente aqueles onde há uma grande população negra ou predominam outras minorias. Outros, mais conservadores, votam maciçamente nos candidatos Republicanos. Em princípio, é um bom sistema. Mas, como todo sistema político, acaba sendo manipulado.
Como os distritos são "desenhados" pelas próprias Assembléias Legislativas estaduais, e devem ser revistos de tempos em tempos para acompanhar fluxos populacionais e outros fatores, os partidos majoritários na época do redesenho acabam manipulando a formação dos distritos para favorecer seus candidatos. Assim, distritos que originalmente deveriam ser quadrados ou retângulos facilmente distinguíveis no mapa de cada estado, acabam tomando as formas mais esdrúxulas, afinando-se ou alargando-se conforme a necessidade de incluir mais eleitores Democratas ou Republicanos, que os dois partidos fazem exatamente a mesma coisa, quando chega a vez deles. Outra característica do sistema eleitoral americano é que os eleitores, ao tirarem o equivalente do Título de Eleitor, se registram como Democratas, Republicanos ou independentes. Por isso, fica fácil manipular a formação dos distritos.
E é justamente de manipulação que os Republicanos do Texas estão sendo acusados pelos 53 deputados Democratas fujões. Que, afinal, foram encontrados no vizinho estado de Oklahoma, onde os Texas Rangers não podem tocá-los (os regulamentos eleitorais do Texas - e de outros estados - permitem que o presidente da Assembléia chame a polícia para encontrar os deputados ausentes às sessões de votação e trazê-los na marra). Hospedados num Holiday Inn e jogando conversa fora num Denny's, os deputados riam dos guardas texanos, que olhavam para eles do estacionamento do restaurante, sem poder fazer nada.
Por enquanto, o líder Tom Craddick conseguiu reunir 95 deputados. Furioso, ele passou a terça-feira ora acusando a oposição de agir como crianças, ora como covardes. Alguns deputados Democratas que permaneceram na capital texana, Austin, estão achando tudo uma palhaçada, e prometem fazer de tudo para convencer mais 5 colegas a darem as caras. É que a redivisão dos distritos eleitorais não é o único assunto pendente na Assembléia, que se reúne apenas a cada dois anos (não seria ótimo se fosse assim no Brasil?).
Quem está se divertindo com a comédia (além dos espectadores das TVs a cabo) é o governador do Oklahoma, o Democrata Brad Henry. Sem querer meter a colher na briga dos outros, ele declarou somente que "não temos nada contra os deputados texanos virem a nosso estado para gastar um pouco de dinheiro
Para entender esta ópera, é preciso lembrar que o voto nos Estados Unidos é distrital. Quer dizer, nas eleições estaduais, você vota apenas nos candidatos de seu distrito, não do estado inteiro. Cada estado é dividido em vários distritos. Alguns são nitidamente Democratas, principalmente aqueles onde há uma grande população negra ou predominam outras minorias. Outros, mais conservadores, votam maciçamente nos candidatos Republicanos. Em princípio, é um bom sistema. Mas, como todo sistema político, acaba sendo manipulado.
Como os distritos são "desenhados" pelas próprias Assembléias Legislativas estaduais, e devem ser revistos de tempos em tempos para acompanhar fluxos populacionais e outros fatores, os partidos majoritários na época do redesenho acabam manipulando a formação dos distritos para favorecer seus candidatos. Assim, distritos que originalmente deveriam ser quadrados ou retângulos facilmente distinguíveis no mapa de cada estado, acabam tomando as formas mais esdrúxulas, afinando-se ou alargando-se conforme a necessidade de incluir mais eleitores Democratas ou Republicanos, que os dois partidos fazem exatamente a mesma coisa, quando chega a vez deles. Outra característica do sistema eleitoral americano é que os eleitores, ao tirarem o equivalente do Título de Eleitor, se registram como Democratas, Republicanos ou independentes. Por isso, fica fácil manipular a formação dos distritos.
E é justamente de manipulação que os Republicanos do Texas estão sendo acusados pelos 53 deputados Democratas fujões. Que, afinal, foram encontrados no vizinho estado de Oklahoma, onde os Texas Rangers não podem tocá-los (os regulamentos eleitorais do Texas - e de outros estados - permitem que o presidente da Assembléia chame a polícia para encontrar os deputados ausentes às sessões de votação e trazê-los na marra). Hospedados num Holiday Inn e jogando conversa fora num Denny's, os deputados riam dos guardas texanos, que olhavam para eles do estacionamento do restaurante, sem poder fazer nada.
Por enquanto, o líder Tom Craddick conseguiu reunir 95 deputados. Furioso, ele passou a terça-feira ora acusando a oposição de agir como crianças, ora como covardes. Alguns deputados Democratas que permaneceram na capital texana, Austin, estão achando tudo uma palhaçada, e prometem fazer de tudo para convencer mais 5 colegas a darem as caras. É que a redivisão dos distritos eleitorais não é o único assunto pendente na Assembléia, que se reúne apenas a cada dois anos (não seria ótimo se fosse assim no Brasil?).
Quem está se divertindo com a comédia (além dos espectadores das TVs a cabo) é o governador do Oklahoma, o Democrata Brad Henry. Sem querer meter a colher na briga dos outros, ele declarou somente que "não temos nada contra os deputados texanos virem a nosso estado para gastar um pouco de dinheiro
O sistema eleitoral norte-americano e a eleição
presidencial
Elaborado em 08.2008.
João Francisco Neto
Meste e Doutorando em Direito Financeiro
pela Faculdade de Direito da USP
SUMÁRIO: 1) Introdução. 2) Origens do Colégio
Eleitoral. 3) A Evolução Histórica dos Partidos Políticos. 4) O Processo
Eleitoral Atual. 4.1) A Indicação dos Candidatos pelos Partidos. 4.2) A Escolha
dos Delegados nos Estados. 4.3) Os Superdelegados. 4.4) A Seleção das Pessoas
que Atuarão como Delegados Partidários no Colégio Eleitoral. 4.5) A Eleição para
Presidente e Vice-Presidente. 5) O Sufrágio: A Evolução Histórica e as
Condições Atuais. 6) O Financiamento de Campanha. 7) Argumentos Pró e Contra o
Sistema Norte-Americano. 7.1) Argumentos Favoráveis ao Sistema. 7.2) Argumentos
Contrários ao Sistema. 8) Conclusão. Referências Bibliográficas.
1)
INTRODUÇÃO
Nos EUA o Presidente e o
Vice-Presidente da República são escolhidos por meio de eleição indireta,
realizada pelo Colégio Eleitoral, de acordo com o procedimento fixado pelo
artigo 2º da Constituição norte-americana, de 1787. Desde então, esse
dispositivo sofreu apenas três alterações, por meio das seguintes Emendas
constitucionais: Emendas XII (1804), XXII (1951) e XXIII (1961) [01].
O sistema político é federativo, e
prevê elevada autonomia para cada um dos 50 Estados.
Não há uma totalização nacional dos
votos dos eleitores na apuração das votações: a apuração é feita por Estados.
Os partidos políticos escolhem seus
candidatos por meio de eleições primárias, realizadas nos Estados, sagrando-se
vitorioso o candidato que obtiver o maior número de delegados nessas eleições
primárias. Se o presidente disputa um segundo mandato, em geral não se realizam
primárias para escolha do candidato. Normalmente a disputa pela indicação da
candidatura é bastante acirrada e quase tão envolvente quanto a própria corrida
presidencial.
A eleição presidencial é sempre
realizada na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira do mês de
novembro. Nesse dia, os eleitores votam em delegados que, por sua vez,
integrarão o Colégio Eleitoral e ficarão comprometidos a votar no candidato de
seu partido.
O número de delegados por Estado é
fixado de acordo com a sua bancada na Câmara dos Representantes e no Senado. No
total são 538 delegados: 435 (equivalente ao número de deputados federais),
mais 100 (igual ao número de senadores), mais 3 delegados (representantes do
Distrito de Colúmbia). O número de delegados poderá variar de acordo com o
censo realizado a cada dez anos, quando poderá haver uma redefinição da
representação na Câmara; o número de senadores é fixo: dois por Estado.
2)
ORIGENS DO COLÉGIO ELEITORAL
Para melhor compreender as razões da
existência do Colégio Eleitoral [02], é necessário, ainda que
brevemente, examinar o contexto histórico e os problemas que os Founding
Fathers, reunidos na Convenção da Filadélfia, tentavam solucionar para uma
jovem nação que:
i) era composta por treze Estados,
ciosos de seus direitos e prerrogativas, e que alimentavam suspeitas sobre
qualquer governo nacional centralizado;
ii) era habitada por 4 milhões de
pessoas, espalhadas ao longo da imensa costa atlântica, desprovida de rede de
transportes e de comunicação, tanto assim que seria totalmente impraticável a
realização de uma campanha eleitoral nacional;
iii) ainda sob influência da classe
política britânica, acreditava que os partidos políticos fossem um mal; e
iv) acreditava que um homem honrado
não deveria fazer campanha para obter um cargo público, segundo o ditado
corrente à época: "O cargo deve procurar o homem; porém, o homem não deve
procurar o cargo".
A questão que se punha então era a
seguinte: como escolher um presidente sem a participação de partidos políticos,
sem realização de campanha nacional e sem abalar o delicado equilíbrio
existente entre a Presidência e o Congresso, por um lado, e entre os Estados e
o Governo Central, por outro [03] ?
A Convenção Constitucional apreciou
diversos métodos de escolha de um presidente.
A primeira idéia, a de que o
presidente pudesse ser eleito apenas pelo Congresso Nacional, foi logo
rejeitada.
A segunda proposta foi a de que a
escolha fosse feita pelas assembléias estaduais. Essa idéia também foi
afastada, sob o temor de que um presidente tão vinculado às assembléias
estaduais poderia permitir o enfraquecimento da autoridade federal e, assim,
comprometer todo o conceito de federação.
A terceira proposta foi a de que o
presidente pudesse ser escolhido por meio de votação popular direta. A eleição
direta foi rejeitada pelos constituintes não somente porque duvidavam da
inteligência do povo, mas também porque temiam que, sem informação suficiente
sobre os candidatos de fora do Estado, as pessoas escolhessem, naturalmente, um
favorito de seu próprio Estado ou região. Na pior das hipóteses, nenhum
presidente emergiria com apoio popular suficiente para governar todo o país.
Por outro lado, a tendência era que a escolha do presidente fosse sempre
decidida pelos Estados maiores e mais populosos, relegando os pequenos Estados
a um papel sem importância.
Finalmente, o Comitê dos Onze (Committee
of Eleven) da Convenção Constitucional propôs o modelo de eleição indireta,
a ser realizada pelo Colégio Eleitoral. A idéia fundamental era a de que a
escolha fosse feita pelos indivíduos mais sábios e preparados de cada Estado,
com base no mérito, e independentemente do Estado de origem.
Muitos historiadores afirmam que o
Colégio Eleitoral foi criado como uma espécie de "freio" à democracia
direta. Alguns dos Founding Fathers, especialmente os mais elitistas,
como Alexander Hamilton, temiam que uma regra da maioria, ou seja, da massa
popular (mob rule), pudesse facilitar o surgimento de candidatos
demagogos [04].
Os framers americanos, muitos
dos quais versados em filosofia e adeptos das idéias do Iluminismo [05],
iniciaram os trabalhos de elaboração da Constituição baseados nos ideais
enumerados por John Locke, em sua obra "Dois Tratados sobre o
Governo". Foi proposto um modelo de Colégio Eleitoral que se assemelhava
ao sistema de Assembléias Centuriais da República Romana. Segundo o sistema
romano, os cidadãos adultos (somente homens), de conformidade com sua riqueza,
eram divididos em grupos de 100 (chamados de "centúrias"). A cada um
desses grupos era atribuído o direito de proferir apenas um voto, a favor ou
contra, as propostas apresentadas pelo Senado Romano. No Colégio Eleitoral
americano, os Estados desempenhariam o papel dos grupos centuriais, embora não
fosse aplicado aqui o critério de riqueza. O número de votos por Estados seria
determinado de acordo com o tamanho da representação no Congresso.
Chegou-se então a um modelo de eleição
indireta, com forte participação dos Estados, representados no Colégio
Eleitoral de acordo com a sua bancada parlamentar no Congresso, e, como queriam
os convencionais, sem votação direta do povo.
3) A
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
A princípio, os Fundadores opunham-se
à existência de partidos políticos, sob a alegação que eles tendiam a se
constituir em facções que acabariam por manipular a independência do voto dos
eleitores. Como não vislumbravam, e nem desejavam, nenhum papel para os
partidos políticos, os framers montaram uma série de arranjos
constitucionais para isolar a nova república da influência de partidos e
facções políticas, por meio da separação de poderes entre executivo,
legislativo e judiciário, pelo federalismo, e pela eleição indireta do
Presidente da República.
Contudo, já por volta do início do
século XIX, os partidos políticos haviam se tornado uma das mais importantes
instituições políticas norte-americanas, e muitos dos Fundadores acabaram por
se filiar a eles. Desde os anos 1850, quando se deu a formação do Partido
Republicano, a cena política americana tem sido dominada por dois importantes
partidos políticos: o Democrata e o Republicano.
Ao longo da História americana sempre
houve dois partidos políticos principais. O início se deu com os Federalistas
[06] e os Anti-Federalistas [07], a partir de 1796.
De forma breve, os Federalistas foram
criados por Alexander Hamilton, de Nova York, e seus seguidores. Eles advogavam
um poder central forte, presidido pelas classes mais educadas. Inclinavam-se
pelos Federalistas os grandes comerciantes, industriais e exportadores da costa
leste e das áreas urbanas. Hamilton achava que a nova nação poderia
beneficiar-se, caso mantivesse vínculos estreitos com a Inglaterra. Os
Federalistas apoiavam a ratificação da Constituição.
Já os Anti-Federalistas eram
comandados por Thomas Jefferson, um aristocrático produtor rural da Virgínia.
Ele considerava que a agricultura deveria ser a base da economia americana. Era
apoiado pela classe média e pelos pequenos agricultores. Mais tarde, quando se
tornou Presidente, esse Partido veio a ser conhecido como Partido Republicano
Democrático. Jefferson, que considerava que o melhor governo seria o governo
mínimo, apoiava a idéia de um governo central fraco e governos estaduais
autônomos. O Partido apoiava os ideais da Revolução Francesa. Em virtude dos
esforços do Partido Republicano Democrático para enfraquecer os Federalistas,
em 1824 esse último partido deixou de existir.
No curso das eleições de 1828, o
Partido Republicano Democrático dividiu-se em duas facções: uma delas formou o
Partido Republicano Nacional, que foi absorvido pelo Partido Whig, em 1834; a
outra facção deu origem ao atual Partido Democrata. Daí então que se afirma que
o Partido Democrata atual tem origem no chamado "Jeffersonian Republic
Party", como também era conhecido o Partido Republicano Democrático.
A princípio, o Partido Democrata era
apoiado por grupos tão diversos quantos proprietários rurais do Sul e
trabalhadores imigrantes do Norte. O Partido oponente era o Whig (partido
protecionista), fundado em 1833 por Henry Clay, dispersou-se por volta de 1853.
Já o Partido Republicano tem origem
numa coalizão formada em 1854 por facções oriundas dos Partidos Whig, Free-Soil
e Know-Nothing. Os primeiros Republicanos uniram-se contra idéia de expansão da
escravatura para os territórios do Oeste.
A Guerra Civil e o período da
reconstrução que se seguiu serviram para solidificar a estrutura do Partido
Republicano. A maioria dos soldados que lutaram pelos Estados do Norte era
composta por republicanos, e, após o término da Guerra de Secessão, pelo menos
uma geração seguinte de republicanos continuou vangloriando-se do seu fervor
patriótico, ao mesmo tempo em que acusava os Democratas de traidores e amigos
dos Estados do Sul.
Os Democratas recusaram-se a aceitar a
necessidade de conceder mais poder ao Governo Central para fazer frente aos
esforços da Guerra Civil (1860-1865), que havia se iniciado durante o governo
de Abraham Lincoln, do Partido Republicano. Os Democratas resistiam fortemente
aos propósitos do Governo (Republicano) de aumentar impostos para financiar a
guerra. Eram contrários também à abolição da escravatura.
Os republicanos passaram então a acusar
os Democratas de deslealdade e fizeram disso um slogan de campanhas políticas,
utilizado pelo restante do século XIX. Os Democratas só foram conseguir maioria
na Câmara em 1874 e conquistar a Presidência da República novamente apenas em
1884.
Esse quadro só veio a se alterar com o
advento da Grande Depressão [08], nos anos 1930, com a derrota do
sonho americano de prosperidade ilimitada, naufragou também a confiança
americana no Partido Republicano. O desastre econômico e as enormes taxas de
desemprego que se seguiram arrasaram todas as propostas do Partido Republicano,
que se opunha ferreamente à política do New Deal. Os Democratas
utilizaram-se intensamente dessa situação e conseguiram manter-se no poder por
um longo período, com os Presidentes Franklin D. Roosevelt (1933-1945) e Harry
Truman.(1945-1953).
No aspecto político-partidário, os
reflexos da Depressão americana foram duradouros, sentidos há bem pouco tempo:
de 1932 a
1980, os Republicanos tiveram o controle do Congresso por apenas 4 anos, ao
passo que ganharam a Presidência da República somente em 4 eleições: 1952,
1956, 1968 e 1972. Com o advento da Era Reagan, o Partido Republicano
experimentou uma espécie de renascimento.
4) O
PROCESSO ELEITORAL ATUAL
4.1
A
INDICAÇÃO DOS CANDIDATOS PELOS PARTIDOS
O longo processo eleitoral para a
Presidência da República nos Estados Unidos inicia-se quando um político
declara ao partido sua intenção de participar do processo de indicação do
candidato. Em geral esse postulante a candidato monta um comitê, onde testa
suas chances na disputa e, após a inscrição na agência federal reguladora FEC (Federal
Election Comission), poderá iniciar a arrecadação de fundos para a sua
campanha eleitoral. Declarada formalmente sua intenção de participar da
indicação, poderá então dar início à campanha. Normalmente, a campanha se
inicia pelos Estados considerados cruciais para a disputa.
O processo de indicação dos candidatos
não está incluído na Constituição, ficando a cargo dos Estados e dos
regulamentos dos próprios partidos políticos.
Durante a temporada das eleições
primárias, que se inicia em janeiro e se estende até junho, os candidatos dos
dois principais partidos políticos – Democrata e Republicano – lutam para obter
a indicação para concorrer à eleição para Presidente da República.
Nesse procedimento, os eleitores dos
50 Estados escolhem delegados partidários, que apoiarão um determinado
candidato. Para a escolha desses delegados os Estados utilizam-se de eleições
primárias ou caucus (prévias), que diferem em seus procedimentos
[09].
Nos caucus, os eleitores
reúnem-se em casas, escolas ou outros edifícios públicos, localizados em
diversos distritos pelo território do Estado. Lá, em meio a discussões sobre os
candidatos e temas eleitorais, elegem os delegados para as convenções dos
condados. Essas convenções, por sua vez, elegem delegados para as convenções
estaduais, de onde sairão os delegados nacionais.
Nos caucus democratas não há
votação por cédulas; as decisões se dão por grupos de pessoas que se aglutinam
em torno de determinados candidatos, para, publicamente, manifestar sua
preferência.
Nos caucus do partido
republicano os eleitores participam de uma votação secreta, cujo resultado
definirá os candidatos escolhidos.
Todavia, esses procedimentos podem
diferir de um Estado para o outro, uma vez que a Constituição atribuiu aos
Estados o poder de fixar as normas eleitorais.
Nas eleições primárias permite-se que
todos os eleitores registrados no Estado votem diretamente em seu candidato
preferido. Todavia, existem três tipos de primárias: 1º) primárias fechadas,
nas quais os eleitores só podem participar da escolha do partido em que estão
registrados; 2º) primárias abertas, em que os eleitores podem votar na escolha
de qualquer partido; podendo fazendo, no entanto, em apenas uma primária; e 3º)
primárias em que os eleitores podem votar nos candidatos dos dois partidos.
Essas últimas são mais raras.
O intrincado processo eleitoral
americano contempla alguns fatos curiosos: os pequenos Estados de Iowa (3
milhões de habitantes) e de New Hampshire (1,3 milhão) têm leis que asseguram
que suas primárias sejam realizadas em primeiro lugar. Os dois Estados têm um
acordo e, tradicionalmente, o primeiro caucus ocorre em Iowa [10].
O fato de serem os primeiros atrai a
atenção do noticiário, em proporção bem mais significativa do que normalmente
seria, em vista do tamanho desses Estados. Por outro lado, o fato de um
candidato conseguir amealhar um grande número de delegados que lhe garanta
antecipadamente a indicação tornará irrelevantes as disputas nos demais
Estados.
Grande parte das primárias é realizada
após o dia 5 de fevereiro, até o início de março, no dia em que se convencionou
denominar de "Super Terça-Feira". Nesse dias são realizadas primárias
num grande número de Estados, de diversas regiões do país e com perfis
econômicos e sociais diferenciados. Para os candidatos à corrida presidencial
norte-americana, a "Super Terça" representa o primeiro teste
eleitoral nacional. Neste ano de 2008, na "Super Terça", que ocorreu
no dia 5 de março, participaram 24 Estados, dentre os quais a Califórnia,
Illinois, Nova York e Nova Jersey.
4.2
A
ESCOLHA DOS DELEGADOS NOS ESTADOS
O número de delegados por Estado é
determinado pela soma do número de senadores (2) mais a bancada de deputados
federais, que varia conforme a população, apurada por censos deceniais.
A partir da XXIII Emenda (1961), o
Distrito de Colúmbia passou a ter direito a indicar um numero de delegados, em
quantidade nunca inferior à do Estado menos populoso. Atualmente o Distrito de
Colúmbia conta com três delegados.
Segundo a Constituição, os delegados
serão indicados na forma prevista pela Assembléia Estadual. Desta feita, há
quatro procedimentos principais:
1º) Indicação direta pelo Legislativo
Estadual: a Assembléia Legislativa Estadual indica os delegados, sem o voto
popular. Era o sistema adotado por mais de um quatro dos Estados até as
eleições de 1824. A
Carolina do Sul adotou esse método até o ano de 1860. Atualmente não é mais
utilizado.
2º) O vencedor leva tudo (winner-takes-all):
o Estado realiza uma votação popular e o partido que obtiver a maioria dos
votos indica todos os delegados daquele Estado. É o sistema adotado hoje por
quase todos os Estados. Apenas dois não o adotam (Maine e Nebraska). Esse
método permite que um candidato que tenha mais votos populares em todo o país
possa não ser eleito, se perder nos Estados com mais delegados. Isso já ocorreu
três vezes desde 1787, a
última delas na eleição de 2000.
3º) Por distritos eleitorais: A
Assembléia Estadual divide o Estado em distritos eleitorais, atribuindo a cada
um deles um delegado. O partido do candidato vencedor em determinado distrito
indica o respectivo delegado. Esse sistema, que foi adotado por alguns Estados
até 1824, hoje não é mais utilizado.
4º) Método Maine: por esse modelo os
votos populares são apurados em 1 distrito senatorial e em diversos distritos
congressuais. O "distrito senatorial" corresponde ao Estado inteiro.
O partido vencedor indica os dois delegados, que correspondem ao número de Senadores.
Os "distritos congressuais" correspondem aos distritos pelos quais
são eleitos os Deputados. O partido vencedor indica o respectivo delegado. Esse
sistema é adotado apenas por dois Estados: Maine (desde 1972) e Nebraska (desde
1996).
4.3 OS SUPERDELEGADOS
Diferentemente dos delegados
convencionais, os chamados "superdelegados" não são escolhidos na nas
prévias e nas primárias de cada Estado. A maioria dos superdelegados tem
assento automático, baseado tão-somente na sua condição dentro do partido, ou
mesmo em virtude de ser um antigo líder partidário, ou ainda, uma autoridade
eleita.
Em inglês, a sigla utilizada para
designar os superdelegados é "PLEO" (Party Leaders and Elected
Officials). Alguns são escolhidos durante o processo das primárias. A
principal característica dos superdelegados é que eles são livres para apoiar
qualquer um dos candidatos do Partido.
O Partido Democrata não utiliza o
termo "superdelegado", mais empregado pela própria mídia. Esses
delegados não-comprometidos (unpledged) podem ser de duas categorias:
1ª) Superdelegados que têm assento com
na sua condição de dirigente partidário ou ocupante de cargo eletivo (Cláusula
9.A do Regulamento do Partido Democrata); e
2ª) Superdelegados selecionados pelas
diretivas estaduais do Partido Democrata, e que não necessitam ser dirigentes
do partido ou ocupar função eletiva (Cláusula 9.B).
O Partido Republicano também indica
alguns dirigentes partidários para exercer a função de delegados, sem
necessidade de aprovação nas prévias ou primárias, porém o termo
"superdelegado" é mais aplicado apenas ao Partido Democrata.
Na Convenção Nacional do Partido
Democrata de 2008 o número de superdelegados será de aproximadamente 20% do
total de delegados. Sempre que os candidatos conseguem um número expressivo de
delegados durante a campanha, de forma que não se pode antecipadamente
vislumbrar o candidato vencedor, a autuação dos superdelegados reveste-se de
uma maior importância.
Na eleição presidencial de 1984,
concorriam pela indicação pelo Partido Democrata Gary Hart e Walter Mondale.
Nas eleições primárias ambos conseguiram importantes vitórias, de forma que
Mondale encerrou o processo com uma pequena margem de vantagem. Entretanto, com
o apoio de quase todos os superdelegados, obteve a indicação para a
candidatura.
Ao contrário, nas eleições de 2004, o
pré-candidato Howard Dean obteve a liderança de votos pelo Partido Democrata,
com base no apoio de superdelegados, antes mesmo da realização da primeira
prévia. Todavia, depois de uma sucessão de vitórias em prévias e primárias,
John Kerry obteve a indicação.
O tema da escolha dos superdelegados
não é pacífico, principalmente dentro do Partido Democrata, tanto que várias
alterações têm sido feitas ao longo das últimas décadas.
Já em 1968, a Convenção Nacional
do Partido Democrata fez alterações no processo de escolha dos delegados, que
era baseada nos trabalhos da Comissão McGovern-Fraser. O propósito dessas
alterações era tornar a composição do quadro de delegados à convenção menos
sujeita ao controle dos líderes partidários.
O Partido Democrata constituiu uma
Comissão, presidida pelo então Governador do Estado da Carolina do Norte, Jim
Hunt. A Comissão Hunt propôs que a Direção Nacional do Partido Democrata
reservasse alguns cargos de delegados para membros do Partido ocupantes de
cargos no Congresso Nacional e Presidentes e Vice das Executivas Estaduais. De
acordo com a proposição da Comissão Hunt, esses superdelegados seriam 30% do
total de delegados, mas, quando foi finalmente implementada nas eleições de
1984, esse número caiu para 14%. Esse índice têm gradativamente aumentado, e
hoje alcança a cifra de 20%.
Nas eleições de 1984, apenas os
presidentes e vice das executivas estaduais tinham o direito assegurado ao
status de superdelegado. As vagas remanescentes seriam preenchidas de maneiras:
os membros do Partido, ocupantes de cargos no Congresso Nacional, ficariam com
60% das vagas, e, as demais seriam atribuídas às executivas estaduais, que
poderiam então indicar, prioritariamente, os governadores dos Estados e os
prefeitos das grandes cidades.
Em 1988, esse processo sofreu uma
simplificação: aos ocupantes de cargos no Congresso Nacional foi permitida a
indicação de 80% do total de superdelegados. Tinham assento assegurado nessa
condição todos os membros da Executiva Nacional e todos os Governadores
Democratas, bem como os líderes notáveis do Partido, passando a valer, essa
última condição apenas a partir de 1996.
A partir de 1992, passaram a ser
admitidos na condição de superdelegados outros líderes partidários estaduais e
ocupantes de cargos eletivos, não incluídos nas categorias já mencionadas.
E, finalmente, a partir de 1996, foi
garantida a condição de superdelegados a todos os membros do Partido Democrata
que fossem ocupantes de cargos no Congresso Nacional.
O termo "superdelegado" foi
forjado como crítica aos delegados não-compromissados, uma vez que esses
delegados teriam mais poder do que outros, por conta de sua ampla liberdade de
escolha na votação para indicar o candidato do partido.
O Partido Democrata tem sofrido
acusações de conduzir o seu processo de indicação de forma não-democrática, já
que os superdelegados são escolhidos independentemente de suas preferências
eleitorais e não estão obrigados a apoiar o candidato escolhido pelos eleitores.
Atualmente, no Partido Democrata, o
número de superdelegados é de 796 membros e o de delegados compromissados de
3.438, o que perfaz um total de 4.234 delegados aptos a votarem na Convenção
Nacional do Partido. Para obter a indicação do Partido Democrata para concorrer
à eleição presidencial, o candidato deve obter o voto de 2.118 delegados.
Relativamente à disputa atual, segundo
fontes da impressa, o candidato Barack Obama, tendo conseguido 2.156 delegados
a seu favor, assegurou o direito à indicação para concorrer à eleição para
Presidente da República, pelo Partido Democrata.
Pelo Partido Republicano já havia sido
assegurado ao candidato John McCain o direito de obter a indicação para
concorrer pela eleição presidencial, tendo obtido os votos de 1.266 delegados,
de um total de 2.380.
4.4
A
SELEÇÃO DAS PESSOAS QUE ATUARÃO COMO DELEGADOS PARTIDÁRIOS NO COLÉGIO ELEITORAL
As pessoas que exercerão a função de
Delegado [11] no Colégio Eleitoral são selecionadas de acordo com as
leis estaduais e as regras dos partidos políticos. Esses critérios podem sofrer
variações de acordo com o Estado.
Em geral, os partidos políticos
indicam pessoas que integrem seus quadros dirigentes, ou que ocupem cargos
políticos, ou antigos membros do Congresso, ou ainda, em recompensa por
serviços prestados ao partido ou que tenham afinidades políticas com o
candidato que disputará a eleição.
Não há muitos requisitos legais para
se exercer a função de delegado, ficando, como já apontado, a critério dos
Estados o poder para a fixação das normas. Entretanto, a Constituição Federal
indica a única limitação, em seu art. II, seção 1: não poderá ser nomeado
exercer as funções de delegado nenhum Senador, Deputado Federal, ou pessoa que
exerça cargo de confiança no governo dos Estados Unidos.
No Estado da Califórnia há a exigência
de que a pessoa indicada para exercer as funções de delegado seja um eleitor
regularmente inscrito no condado de sua residência, porém não há nenhuma
restrição acerca obrigatoriedade de filiação partidária.
Num ano de eleição geral, a convenção
partidária que apontar os candidatos a Presidente da República e a Vice deverá
selecionar também seus candidatos a delegados no Colégio Eleitoral. Os nomes e
os dados desses candidatos a delegados constarão de uma lista, a ser entregue à
Secretaria de Estado, dentro um prazo nunca superior aos 30 dias seguintes ao
do término da Convenção Estadual.
Como se vê, na eventualidade de o
candidato sagrar-se vitorioso na eleição realizada no âmbito do Estado, as
pessoas previamente indicados pelo partido político é que serão os delegados no
Colégio Eleitoral. Haverá tantos delegados quantos forem os representantes
parlamentares de determinado Estado. Por exemplo, no Estado da Califórnia, que
detém 53 representantes na Câmara e 2 senadores, cada partido deverá indicar o
nome de 55 pessoas que poderão atuar como delegados perante o Colégio
Eleitoral, na eventualidade de o partido vencer as eleições naquele Estado.
Importante esclarecer alguns pontos:
uma coisa é exercer a função de delegado na convenção partidária que escolherá
o candidato do partido para concorrer à eleição presidencial, e outra coisa é
exercer a função de delegado no Colégio Eleitoral. Em inglês, o delegado à
convenção partidária é denominado de "delegate", e, o delegado ao
Colégio Eleitoral, "elector".
Isso significa que os delegados
obtidos por um pré-candidato à indicação partidária não tem nada a ver com os
delegados escolhidos para atuar no Colégio Eleitoral. Daí que, no caso dos
candidatos independentes, não há delegados à convenção partidária, uma vez que
o candidato, sendo independente, obviamente não é filiado a nenhum partido.
Entretanto, os candidatos
independentes, na eventualidade de ganharem a eleição em determinado Estado,
terão direito a todos os delegados previstos para aquele Estado (os Electors,
que atuarão no Colégio Eleitoral). Assim, se porventura um candidato
independente obtiver a maioria dos votos do Estado da Califórnia, terá direito
à totalidade dos 55 delegados no Colégio Eleitoral, segundo a regra do winner-takes-all
("o vencedor leva tudo").
Para tanto, no prazo de até 70 dias
antes das eleições gerais, realizadas em novembro, o candidato independente a
Presidente da República deverá preencher e entregar na Secretaria de Estado sua
lista de delegados, que escolhidos, na eventualidade desse candidato ganhar a
eleição no Estado.
4.5
A
ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE
A eleição presidencial é realizada
sempre na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro. Em
2008 ocorrerá em 4 de novembro.
O Colégio Eleitoral é formado pelos
delegados indicados por cada um dos 50 Estados e pelo Distrito de Colúmbia.
Atualmente são 538 delegados.
Cada um dos delegados tem direito a um
voto para Presidente e a um voto para Vice. Os votos são dados separadamente.
Tanto o Presidente quanto o Vice devem ser eleitos por maioria absoluta, ou
seja, o candidato eleito deve receber pelo menos 270, dos 538 possíveis.
O Colégio Eleitoral não chega a se
reunir; os votos dos delegados são enviados ao Senado pelo correio. Em sessão
conjunta do Senado e da Câmara, o presidente do Senado (cargo ocupado pelo
Vice-Presidente) faz a contagem dos votos e divulga o resultado.
Os candidatos que obtiverem a maioria
absoluta são eleitos. Caso nenhum candidato a Presidente obtenha a maioria
absoluta, a Câmara dos Deputados escolherá o Presidente dentre os três mais
votados. A escolha também será por maioria absoluta. Nessa fase, cada Estado,
representado por sua bancada parlamentar deverá depositar um único voto. Assim,
a Califórnia, com 53 deputados federais, terá direito a um único voto. A
maioria absoluta será alcançada pelo candidato que obtiver 26 votos, dos 50
possíveis. Nessa fase, é grane a possibilidade serem eleitos Presidente e Vice
de partidos diferentes.
O Distrito de Colúmbia não participa
dessa votação, haja vista que, embora, pela XXIII, tenha sido agraciado com a
participação no Colégio Eleitoral, não tem representação parlamentar no
Congresso.
Caso nenhum dos candidatos a
Vice-Presidente consiga a maioria absoluta [12], o Senado, por
maioria absoluta, escolherá o Vice-Presidente dentre os dois candidatos mais
votados.
Antes da XII Emenda (1804) o sistema
era diferente: cada delegado tinha direito a dois votos para Presidente. O mais
votado era eleito, e o segundo colocado era eleito para Vice. Os problemas
ocorridos nas eleições de 1796 e 1800 [13] levaram à aprovação da
XII Emenda.
A Constituição não vincula
expressamente o voto dos delegados à vontade dos partidos, já que, a princípio,
foram concebidos como agentes livres, pois nem havia partidos políticos. Assim,
é possível que um delegado de um partido vote em candidato de outro partido, ou
mesmo que não vote em ninguém. Segundo Marcelo Passamani Machado
("Sistema Eleitoral Norte-Americano"), isso já ocorreu 158 vezes.
Esses votos sempre foram aceitos, à exceção da eleição de 1872.
Caso nenhum candidato tenha conseguido
a maioria absoluta, seja no Colégio Eleitoral, seja na Câmara dos Deputados, no
dia 20 de janeiro do ano subseqüente ao da eleição, o Vice-Presidente eleito
assumirá na condição de Presidente, até que a Câmara chegue a uma decisão. Caso
não tenha sido eleito também o Vice-Presidente, o presidente da Câmara dos
Deputados atuará como Presidente da República, até que a Câmara tenha condições
de votar e eleger o Presidente. Se porventura o Presidente da República tiver
sido eleito, mas não o Vice, o Presidente então indicará o Vice, ficando esta
decisão para ser ratificada pelo Congresso.
5) O
SUFRÁGIO: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E AS CONDIÇÕES ATUAIS
O exercício do voto é facultativo nos
EUA. Há a proibição de discriminação com base na raça (XV Emenda, de 1870),
sexo (XIX Emenda, de 1920), na condição financeira – poll taxes – (XXIV
Emenda, de 1964) e por idade (XXVI Emenda, de 1971). A idade mínima para votar
é de 18 anos.
Originalmente, a Constituição previa
um grau limitado de participação popular no processo eleitoral, ao exigir que
os membros da Câmara dos Representantes fossem eleitos por delegados que
tivessem as qualificações exigidas pelas Assembléias Estaduais, e que os
senadores fossem eleitos pelas próprias Assembléias Estaduais, e, ainda, que os
delegados à eleição para Presidente fossem escolhidos de uma forma tal que esse
processo fosse dirigido pelos Legislativos Estaduais.
Antes da Guerra Civil (1860-1865), por
ação dos Estados, o direito de voto estava assegurado apenas aos cidadãos
brancos, do sexo masculino, com idade igual ou superior a 21 anos, e a alguns
cidadãos negros, nos Estados que não mantinham a escravidão.
Após a Guerra Civil, o Congresso e os
Estados, por meio de uma série de emendas e leis, gradualmente estenderam essa
franquia. Daí que:
i) pela XV Emenda (1870), foi
garantido o direito ao voto, independentemente de raça, cor, ou prévia condição
de servidão;
ii) pela XVII Emenda (1913), foi
assegurada a votação direta para Senador;
iii) pela XIX Emenda (1920), foi
estendido o direito de voto às mulheres; iv) pela XXIII Emenda (1961),
concedeu-se o direito de voto aos cidadãos do Distrito de Colúmbia;
v) pela XXIV Emenda, ficou proibido o
pagamento de qualquer taxa, como pré-requisito para o exercício do voto nas
eleições federais; e
vi) pela XXVI Emenda, foi estendido o
direito de voto aos cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos.
Desde 1957, o Congresso tem aprovado
leis para eliminar a discriminação racial no processo eleitoral, dentre as
quais as mais notáveis são chamadas Leis de Direitos Civis ("Civil
Rights Acts") de 1957, 1960 e 1964. Desde 1965 o Congresso aprovou a
Lei dos Direitos de Voto ("Voting Rights Act"), que suspendeu,
por um período estabelecido, a aplicação de todos os testes e mecanismos
similares, que eram utilizados para discriminar os grupos raciais minoritários,
particularmente os negros, que, diante dos obstáculos forjados, ficavam
impedidos de votar. Em 1970, o Congresso estendeu por mais um período a
suspensão dos testes que haviam sido proibidos em 1965, ao mesmo tempo em que
reduziu as exigências, impostas pelos Estados, relativamente ao domicílio, como
pré-requisito para votas nas eleições presidenciais.
As implicações raciais em relação ao
processo eleitoral vinham se arrastando nos Estados Unidos desde o final do
séc. XVIII. Em meio aos trabalhos da Convenção da Filadélfia (1787), os
representantes sulistas, embora não tivessem nenhuma intenção de permitir que
seus escravos votassem, gostariam que eles fossem, numericamente, levados em
conta para aumentar a representação da bancada parlamentar no Congresso,
evitando, assim, a dominação política dos Estados do Norte, mais populosos.
Assim, desejavam criar um sistema
eleitoral que não fosse baseado na votação individual, mas sim na representação
parlamentar, o que traria mais poder ao Sul. Os convencionais que representavam
os Estados do Norte, ainda que contrariados pela possibilidade do aumento de
poder político do Sul, concordaram com a medida. Porém, foi adotado um
compromisso, denominado de "Compromisso dos 3/5" ("3/5
Compromise"), por meio do qual o escravo, para os propósitos de
definição do tamanho da representação política, seria contado como se valesse
3/5 de uma pessoa.
Dos 55 participantes da Convenção
Constitucional da Filadélfia, 25 eram proprietários de escravos, nos Estados do
Sul; o próprio Thomas Jefferson era detentor de um grande número de escravos.
Após o acordo que resultou no "3/5
Compromise", os convencionais, constrangidos diante da possibilidade
de ter de lançar a expressão "escravo" no texto da Constituição,
resolveram que a redação constitucional faria menção a "pessoas
livres" e a "mais três quintos de todas as outras pessoas".
Obviamente que, de forma ainda que um tanto arrevesada, ficaria subentendido
que, se alguém fosse uma "outra pessoa", obviamente não seria uma
"pessoa livre", mas sim um escravo.
Quanto ao sufrágio passivo, podem ser
candidatos os membros dos partidos, bem como os independentes.
Os requisitos para se candidatar ao
cargo de Presidente da República nos Estados Unidos são: a) ser cidadão
americano nato; b) ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos de idade; c) ser
residente nos Estados Unidos por pelo menos 14 (quatorze) anos.
Os requisitos para a Vice-Presidência
são os mesmos para Presidente, e, além disso, o candidato a vice não pode ser
proveniente do mesmo Estado do Presidente.
O candidato ao cargo à Câmara dos
Deputados deve ter pelo menos 25 (vinte e cinco) anos de idade, ser cidadão
americano há pelo menos 7 (sete) anos e ser residente legal no mesmo Estado
para o qual concorrerá a uma cadeira no Parlamento.
Para o Senado, o candidato deve ter
pelo menos 30 (trinta) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 9
(nove) anos e ser residente legal no Estado que deseja representar.
De acordo com a XXII Emenda à
Constituição dos EUA (ratificada em 1951), é vedado a qualquer candidato ser
eleito Presidente da República por mais de duas vezes. Todavia, a Constituição
não impõe nenhuma limitação em relação à reeleição sucessiva aos cargos de
deputados e senadores.
6) O
FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Nas eleições americanas poderá haver
tanto financiamento público quanto privado (hard money e soft money)
Porém, o candidato deverá optar por apenas um deles.
Desde 1976, os candidatos às eleições
presidenciais podem habilitar-se ao sistema de financiamento público, por meio
do qual o governo disponibiliza recursos para as campanhas.
Até as eleições de 2000, em geral, os
candidatos participavam desse sistema, recebendo recursos governamentais,
comprometendo-se a não gastar mais do que um valor especificado.
Todavia, em virtude da limitação dos
gastos a serem financiados por fundos públicos, esse sistema tem sido deixado
de lado. A partir das eleições de 2000, tem havido uma tendência no sentido de
os principais candidatos renunciarem ao financiamento público para as eleições
primárias, somente recebendo recursos públicos para as eleições gerais.
Os gastos são elevados: em 2004, a campanha para
reeleição Presidente George W. Bush captou, de recursos privados, 270 milhões
de dólares; seu adversário, o democrata John Kerry, arrecadou 235 milhões de
dólares.
O levantamento de fundos para campanhas
políticas é regulado por lei federal. Em geral, um candidato a Presidente da
República deve estruturar sua campanha mediante a abertura de um comitê
político, que será registrado perante uma agência federal denominada de "Federal
Election Comission" (FEC). A despeito do nome, essa comissão
supervisiona apenas o aspecto legal do financiamento das campanhas políticas, e
não as eleições propriamente ditas, que ficam a cargo dos Estados, ainda que
sejam eleições aos cargos federais.
Assim que obtiver o registro na
Comissão Eleitoral, candidato pode iniciar o levantamento de fundos para sua
campanha política. Esses fundos deverão ser informados à FEC, quinzenalmente,
ou mensalmente. Atualmente esses dados são manipulados por meio de planilhas
eletrônicas, e estão disponíveis ao público na internet, na página eletrônica
da FEC (www.fec.gov). Além disso, diversas organizações mantêm sites na
internet para monitorar as contribuições e os gastos de campanhas declarados
pelos candidatos.
O financiamento privado das campanhas
pelo denominado método hard money tem as seguintes características: as
doações devem ser diretas aos candidatos que concorrem às eleições federais;
devem ser devidamente declaradas pelo candidato, mediante a divulgação dos
nomes dos doadores; há limites para esse tipo de doação; gastos superiores a
200 dólares devem ser declarados.
Já o financiamento de campanha
denominado de soft law apresenta a seguinte configuração: são doações
indiretas às campanhas dos candidatos; não-reguladas por lei e que só podem ser
utilizadas na realização de atividades cívicas, tais como comitê de registro de
eleitores, atividades exercidas nos edifícios do partido e para fazer frente
aos gastos administrativos em apoio apenas aos candidatos às eleições locais e
estaduais, vedada a utilização para os candidatos aos cargos federais..
7)
ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA O SISTEMA NORTE-AMERICANO
7.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SISTEMA
O Presidente é eleito com apoio
difundido por todo o território do país, desta forma, contribuindo então para a
coesão da Nação.
O sistema respeita o Federalismo, uma
vez que cada Estado escolha o processo como indica seus delegados.
Isola os problemas relacionados às
fraudes, bem como ameniza os efeitos de catástrofes naturais (o processo
realiza ao longo do ano).
Aponta para a estabilização política
da nação, na medida em que fortalece o sistema bi-partidário. Em toda a
história americana, o sistema de Colégio Eleitoral tem tornado mais difícil a
vitória de um candidato de um partido minoritário, ou de um terceiro partido na
corrida presidencial. O sistema de dois partidos impõe uma dose de moderação na
política americana, na em que desencoraja movimentos extremistas, já que um
candidato extremista poderia até conquistas os votos de alguns Estados, mas provavelmente
não seriam suficientes para conquistar a Presidência da República.
Mantém um sistema federativo de
governo e de representação. Trata-se de importante aspecto do federalismo
americano a inclusão dos 50 Estados na escolha do Presidente. Esse sistema
confere a cada Estado um número de votos eleitorais equivalente ao número total
de seus membros no Congresso Nacional.
O Colégio Eleitoral força os
candidatos a manter contato fora dos grandes centros populacionais e fazer
campanha em lugares que seriam ignorados num sistema de eleição direta.
Por outro lado, o Colégio Eleitoral
também torna muito menos provável a eleição de um candidato com base
estritamente regional, uma vez que nenhuma região dos Estados Unidos, sozinha,
reúne votos eleitorais suficientes para determinar a eleição de um presidente.
Ainda, em relação ao sistema
federativo americano, os redatores da Constituição vislumbraram na divisão de
poder entre os governos estaduais e o nacional uma salvaguarda importante das
liberdades individuais. Porém, atualmente a tendência nos Estados Unidos é que
o governo federal assuma, a cada vez mais, o poder em áreas que
tradicionalmente eram de responsabilidade dos Estados. Assim, uma eventual
supressão do sistema do Colégio Eleitoral arruinaria um dos principais pilares
de uma estrutura política que, a despeito das críticas, tem resistido e
superado os desafios no decorrer de mais de 220 anos.
7.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA
O sistema do colégio eleitoral atribui
pesos diferentes para os votos: segundo o desenho atual, os votos dos Estados
menores "valem" mais. Um eleitor dos Estados de Montana ou Dakota do
Norte "vale" matematicamente muito mais que um voto de um eleitor dos
Estados maiores, como Califórnia ou Texas.
O Modelo "Winner-takes-all"
– o vencedor leva tudo - cria uma uniformidade local que, na verdade, não
existe, uma vez que o candidato derrotado, mesmo tendo uma percentagem dos
votos, não tem direito a nenhum delegado.
Esse sistema dificulta o surgimento de
um terceiro partido. Na verdade, a base do sistema aponta para o
bipartidarismo, já que, com um terceiro partido forte, ficaria muito difícil
satisfazer a exigência da maioria absoluta para eleição do Presidente [14].
Há o risco de se eleger um presidente
"minoritário", ou seja, que tenha tido menos votos populares, mas
tenha sido vitorioso no Colégio Eleitoral.
Há também a possibilidade da
ocorrência do chamado faithless elector (delegado infiel). É o caso de
um delegado comprometido com um candidato, mas que, no Colégio Eleitoral, vota
em outro candidato. Todavia, os votos desses delegados nunca chegaram a alterar
o resultado final de nenhuma eleição.
Em geral, nas democracias vigora a
regra que a maioria delibera; todavia, nas eleições presidenciais americanas
nem sempre quem obtém a maioria dos votos populares será o vencedor. Este será
aquele que obtiver a maioria dos votos dos delegados no Colégio Eleitoral. É o
que ocorreu na eleição de 2000, em que o candidato Al Gore, embora tenha obtido
cerca de 500 mil votos a mais, perdeu a eleição para George W. Bush, em face
dos problemas de contagem de votos no Estado da Flórida [15].
Como regra, os eleitores votam em seus
candidatos a presidente; nos Estados Unidos, o voto é dado aos delegados do
Colégio Eleitoral nos Estados.
8)
CONCLUSÃO
Na prática, os Estados Unidos não têm
um único sistema eleitoral, mas dois: um para o Presidente da República e outro
para os membros do Congresso, e ambos contribuem para a descentralização do
poder.
A eleição presidencial não é uma
eleição "nacional" em que vence o candidato que obtiver a maioria dos
votos populares em toda a nação. É uma eleição federal que outorga a
Presidência da República ao candidato que obtiver a maioria (270) dos votos dos
538 delegados do Colégio Eleitoral.
c
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|
Reforma
política e voto distrital
Autor:
Ricardo Caldas em 22/10/2006 21:00:10
“O erro de muitos políticos é
esquecerem que foram eleitos; ficam achando que foram ungidos.”
Claude Pepper (1900-1989)
Os políticos brasileiros estão cometendo o erro previsto pelo antigo político norte-americano, natural da Flórida, que foi deputado federal e senador por várias décadas de se acharem “ungidos” e não eleitos. Como chegamos a tal situação, a ponto de os deputados federais acreditarem que não devem mais explicações ao eleitorado e a dançarem no plenário pela perspectiva de não terem mandatos cassados pelo plenário?
Como pode a credibilidade da classe política ter chegado a um ponto tão baixo? Recente sondagem promovida pelos alunos do Curso de Ciência Política do Instituto de Ciência Política da UnB revelou realidade impressionante: 90% do eleitorado do Distrito Federal não confia na classe política. Se transpusermos essa pesquisa para o plano nacional, certamente os números não seriam significativamente diferentes.
Claude Pepper (1900-1989)
Os políticos brasileiros estão cometendo o erro previsto pelo antigo político norte-americano, natural da Flórida, que foi deputado federal e senador por várias décadas de se acharem “ungidos” e não eleitos. Como chegamos a tal situação, a ponto de os deputados federais acreditarem que não devem mais explicações ao eleitorado e a dançarem no plenário pela perspectiva de não terem mandatos cassados pelo plenário?
Como pode a credibilidade da classe política ter chegado a um ponto tão baixo? Recente sondagem promovida pelos alunos do Curso de Ciência Política do Instituto de Ciência Política da UnB revelou realidade impressionante: 90% do eleitorado do Distrito Federal não confia na classe política. Se transpusermos essa pesquisa para o plano nacional, certamente os números não seriam significativamente diferentes.
Há, essencialmente, duas explicações
para a degeneração da classe política brasileira. A primeira é histórica, de
vertente cultural, e está diretamente relacionada à excessiva tolerância
herdada dos colonizadores portugueses e sua corte com a família imperial e os
excessos cometidos pelos governantes. Essa herança gerou uma sociedade civil
apática, com pouca tradição associativa que não conseguiu impor limites de
conduta e de ética ao rei ou aos poderes constituídos. Na expressão de alguns
autores, tivemos no Brasil um Estado antes de ter uma sociedade civil.
Uma segunda explicação é de cunho mais institucional e está relacionada com falhas no funcionamento das nossas instituições de representação, como a Câmara dos Deputados — no DF, a Câmara Legislativa, que padece do mesmo mal — e o Senado Federal, e das instituições de controle, notadamente, mas não apenas, o Poder Judiciário.
Nesse breve artigo, vamos nos concentrar no segundo aspecto. Veremos o que pode ser feito quase que imediatamente do ponto de vista de reforma das nossas instituições, no que ficou conhecido, em geral, como reforma política. Primeiramente, não se deve confundir reforma política com reforma eleitoral, pois essa última significa essencialmente mudanças nas regras do jogo (nos mecanismos que governam as eleições), enquanto a primeira (a reforma política) está relacionada com mudanças no sistema político como um todo.
As reformas políticas no Brasil, que têm tentado mudar tal sistema, foram rechaçadas pela própria classe política. Tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados já promoveram, por meio de comissões especiais, debates a respeito do tema.
O sistema eleitoral misto foi o escolhido pela Comissão Especial da Reforma Política do Senado Federal para integrar o seu rol de mudanças. No entanto, a Câmara optou pelo sistema eleitoral proporcional de lista fechada, muito semelhante ao nosso atual, o de lista aberta. Com o simples fechamento das listas, a Câmara acredita que fortalecerá os partidos políticos sem que as minorias percam representação política, fato que é associado ao sistema majoritário.
O sistema de listas não dá força aos partidos políticos, ao contrário, os enfraquece. Além disso, cria partidos políticos que não passam de meras legendas de aluguel. A baixa identificação partidária por parte da população corrobora nosso argumento de que os partidos políticos brasileiros ainda não encontraram seu verdadeiro papel de protagonista no sistema democrático. Esse papel ainda é desempenhado por figuras carismáticas e personalistas, com pouco ou nenhum compromisso com um programa partidário de governo.
Acreditamos que um sistema político baseado no voto distrital teria inúmeras vantagens. Pelo fato de a campanha ser realizada em um espaço geograficamente menor, haveria aumento da proximidade do eleitor com o eleito, com redução do custo de campanhas, haveria uma redução do abuso do poder econômico e se poderia controlar melhor os deputados eleitos. Caso o deputado eleito estivesse decepcionando as bases eleitorais, ou seja, o seu distrito, os eleitores do distrito poderiam, mediante um número estipulado de assinaturas, convocar nova eleição naquele distrito. Essa ação é conhecida como recall.
Não se ignora aqui as dificuldades que tais propostas encontrariam no Congresso. O nosso parlamento é avesso a mudanças nas estruturas do sistema eleitoral e partidário. Propostas que visam ao fortalecimento dos partidos políticos parece serem vistas com muita desconfiança ou má-fé pelos parlamentares. Talvez porque acreditam que o fortalecimento dos partidos políticos significaria o enfraquecimento do poder político individual. Essas barreiras político-culturais talvez sejam os maiores obstáculos a qualquer reforma política a ser implantada no Brasil. O que nos leva a um pensamento pessimista, porém lógico. Como esperar que parlamentares extraídos de um sistema político desestruturado possam estar compromissados em modificar algo em que são eles os maiores beneficiados? Parece o mesmo que pedir às raposas que tomem conta do galinheiro.
Talvez as únicas forças capazes de se interpor frente ao imobilismo do Congresso em aprovar uma reforma política sejam as pressões populares e da mídia. Mas mesmo essas variáveis parecem não estar conseguindo dar o impulso necessário. Os recentes casos de corrupção como o mensalão e o valerioduto, sanguessugas, dossiê, etc. propiciaram ambiente favorável para que uma reforma do sistema político ocorresse, da mesma forma que o caso Collor nos anos 90. Infelizmente, a reforma política não ocorreu. Faltou liderança política do presidente e organização da sociedade para tal. Resta saber se na próxima legislatura (2007-2011) a sorte da reforma política pode ser mudada.
Uma segunda explicação é de cunho mais institucional e está relacionada com falhas no funcionamento das nossas instituições de representação, como a Câmara dos Deputados — no DF, a Câmara Legislativa, que padece do mesmo mal — e o Senado Federal, e das instituições de controle, notadamente, mas não apenas, o Poder Judiciário.
Nesse breve artigo, vamos nos concentrar no segundo aspecto. Veremos o que pode ser feito quase que imediatamente do ponto de vista de reforma das nossas instituições, no que ficou conhecido, em geral, como reforma política. Primeiramente, não se deve confundir reforma política com reforma eleitoral, pois essa última significa essencialmente mudanças nas regras do jogo (nos mecanismos que governam as eleições), enquanto a primeira (a reforma política) está relacionada com mudanças no sistema político como um todo.
As reformas políticas no Brasil, que têm tentado mudar tal sistema, foram rechaçadas pela própria classe política. Tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados já promoveram, por meio de comissões especiais, debates a respeito do tema.
O sistema eleitoral misto foi o escolhido pela Comissão Especial da Reforma Política do Senado Federal para integrar o seu rol de mudanças. No entanto, a Câmara optou pelo sistema eleitoral proporcional de lista fechada, muito semelhante ao nosso atual, o de lista aberta. Com o simples fechamento das listas, a Câmara acredita que fortalecerá os partidos políticos sem que as minorias percam representação política, fato que é associado ao sistema majoritário.
O sistema de listas não dá força aos partidos políticos, ao contrário, os enfraquece. Além disso, cria partidos políticos que não passam de meras legendas de aluguel. A baixa identificação partidária por parte da população corrobora nosso argumento de que os partidos políticos brasileiros ainda não encontraram seu verdadeiro papel de protagonista no sistema democrático. Esse papel ainda é desempenhado por figuras carismáticas e personalistas, com pouco ou nenhum compromisso com um programa partidário de governo.
Acreditamos que um sistema político baseado no voto distrital teria inúmeras vantagens. Pelo fato de a campanha ser realizada em um espaço geograficamente menor, haveria aumento da proximidade do eleitor com o eleito, com redução do custo de campanhas, haveria uma redução do abuso do poder econômico e se poderia controlar melhor os deputados eleitos. Caso o deputado eleito estivesse decepcionando as bases eleitorais, ou seja, o seu distrito, os eleitores do distrito poderiam, mediante um número estipulado de assinaturas, convocar nova eleição naquele distrito. Essa ação é conhecida como recall.
Não se ignora aqui as dificuldades que tais propostas encontrariam no Congresso. O nosso parlamento é avesso a mudanças nas estruturas do sistema eleitoral e partidário. Propostas que visam ao fortalecimento dos partidos políticos parece serem vistas com muita desconfiança ou má-fé pelos parlamentares. Talvez porque acreditam que o fortalecimento dos partidos políticos significaria o enfraquecimento do poder político individual. Essas barreiras político-culturais talvez sejam os maiores obstáculos a qualquer reforma política a ser implantada no Brasil. O que nos leva a um pensamento pessimista, porém lógico. Como esperar que parlamentares extraídos de um sistema político desestruturado possam estar compromissados em modificar algo em que são eles os maiores beneficiados? Parece o mesmo que pedir às raposas que tomem conta do galinheiro.
Talvez as únicas forças capazes de se interpor frente ao imobilismo do Congresso em aprovar uma reforma política sejam as pressões populares e da mídia. Mas mesmo essas variáveis parecem não estar conseguindo dar o impulso necessário. Os recentes casos de corrupção como o mensalão e o valerioduto, sanguessugas, dossiê, etc. propiciaram ambiente favorável para que uma reforma do sistema político ocorresse, da mesma forma que o caso Collor nos anos 90. Infelizmente, a reforma política não ocorreu. Faltou liderança política do presidente e organização da sociedade para tal. Resta saber se na próxima legislatura (2007-2011) a sorte da reforma política pode ser mudada.
Ricardo Caldas é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Everaldo Moraes - Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Fonte: Correio Brasiliense
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Voto proporcional e voto distrital No Brasil, adotamos o sistema proporcional para eleger deputados federais, deputados estaduais/distritais e vereadores.
Funciona assim: cada estado tem uma bancada com um número determinado de deputados. Os candidatos concorrem em todo o estado. Apura-se quantos votos cada partido teve, e são atribuídas cadeiras a esses partidos, proporcionalmente ao número de votos. São eleitos os mais votados de cada legenda partidária até que se preencha o número de cadeiras atribuídas ao seu partido. A isso, chama-se sistema proporcional.
Na maioria dos países, adota-se o voto distrital. O país ou o estado (se houver) é dividido em distritos eleitorais: regiões com aproximadamente a mesma população. Cada distrito elege um deputado e, assim, completam-se as vagas no parlamento e nas câmaras estaduais.
Alguns raros países (a Alemanha, por exemplo) têm o sistema misto. Parte dos deputados é eleita pelo sistema distrital, e as demais vagas são ocupadas por deputados eleitos pelo sistema proporcional, podendo ser votados em todo o país.
Nos estados maiores, como no caso do Brasil, o número de votos de que o candidato precisa para eleger-se no sistema proporcional é tão grande (porque o colégio eleitoral é todo o estado) que ele não pode contar apenas com o contato direto com seus eleitores; os grandes veículos de comunicação tornam-se absolutamente indispensáveis e o conhecimento direto é quase impossível.
Nesse quadro, é pequena a representatividade dos deputados e a sua legitimidade é discutível para falar e votar em nome de seus eleitores, exprimindo a vontade deles.
O sistema distrital assegura identidade entre eleitores e deputados, dando a legitimidade indispensável ao parlamentarismo. O deputado é diretamente fiscalizado por seus eleitores, que moram no seu distrito. Por outro lado, a qualquer momento, o deputado pode ter de concorrer a uma nova eleição e, por isso, está sempre prestando contas de sua atuação.
Dentro do sistema do voto distrital, a eleição pode ser feita pelo processo de maioria absoluta ou não, ou seja, pode haver vários candidatos no distrito e será eleito o mais votado ou pode-se exigir a maioria absoluta: depois da eleição, os dois mais votados disputam em um segundo turno.
O voto distrital dificulta a radicalização política, já que, pelo sistema distrital, o candidato precisa ter maioria em seu distrito. Em qualquer comunidade, dificilmente a maioria é radical, e, assim, a política do país tende a criar e fortalecer lideranças mais estáveis e menos passionais.
Mas, por outro lado, o voto distrital pode criar legisladores que estejam sempre voltados aos problemas locais, relegando assuntos internacionais ou que não dizem respeito ao seu distrito e criando uma continuidade de cargo, com as mesmas pessoas nos mesmos cargos por várias eleições seguidas.
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