quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sistema Eleitoral Proporcional ou Distrital



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ELEIÇÕES PROPORCIONAIS
As coisas e seus lugares
Victor Gentilli
De um modo geral, o debate sobre a cobertura da mídia das primeiras eleições do século 21 caminhou bem. Tivemos as mais diferentes opiniões, mas todas concordavam em que houve avanço da imprensa, que a cobertura destas eleições, comparativamente a pleitos presidenciais passados, dava em boa medida sinais de melhora. Ninguém ousou achar que chegamos ao ponto ideal.
É certo que as eleições majoritárias tomaram conta do noticiário, reproduzindo os velhos vícios da cobertura política em nossa deformada estrutura midiática. Paulistas e cariocas, cujos jornais diários, embora locais, têm marca nacional forte, privilegiaram a disputa presidencial. Somente mais tarde é que acordaram para noticiar também as eleições para o governo estadual.
Nas demais regiões, os jornais geraram bom material sobre os pleitos estaduais e reproduziram, sem exceções, o noticiário das agências noticiosas vinculadas aos jornalões. Estados onde a imprensa é mais moderna tiveram noticiário mais isento e mais voltado para as necessidades de informação do cidadão. Nos locais onde a imprensa é mais atrasada (para usar um termo leve), os jornais tomaram uma surra do eleitorado: no Acre, onde houve proporcionalmente a vitória mais folgada de um governador, a imprensa local estava majoritariamente com o adversário derrotado. Os jornais O Rio Branco e A Gazeta fizeram campanha contra o governador Jorge Vianna e defenderam seu rival. Um terceiro jornal, menor que estes dois citados, o Página 24, por vício certamente, defendia o governo e atacava a oposição, jogando no time da não-isenção. Mas a realidade do Acre é quase de faroeste. O Rio Branco não é réu primário. Tornou-se conhecido ainda em 1989 ao dar a manchete "PT seqüestra Abílio Diniz" no dia do segundo turno daquelas eleições.
E as eleições proporcionais?
A maior evidência de que as eleições proporcionais foram relegadas a um segundo plano é o fato de que os jornais tiveram que explicar como elas funcionam depois de encerradas as apurações. Afinal, era preciso oferecer ao público as razões do fenômeno Enéas e companheiros, em especial o deputado de 274 votos. Isso em São Paulo.
Quer dizer, a pauta mais banal, aquela que explica ao leitor, ouvinte ou telespectador como funciona o voto para deputado estadual ou federal, sequer este dever de casa básico foi cumprido. Ora, desinformados, eleitores e jornalistas tiveram que achar um culpado. Nessas horas em que é fundamental distinguir essência e aparência, quem imagina que os jornais vão se dispor a esse esforço de raciocínio?
O risco de que o "efeito Enéas" provoque uma reforma política apressada e pouco refletida não é desprezível. Evidente: é o sistema eleitoral que está em jogo. O diabo é que o sistema é bom e precisa apenas de alguns ajustes. Se trocarmos nosso sistema proporcional (em que cada partido é representado na proporção dos votos obtidos pela legenda), corremos o risco de jogar o bebê fora com a água do banho.
A lógica do sistema proporcional é de uma simplicidade inegável. Cada partido será representado no parlamento na proporção de suas forças, expressas pela soma das votações dos candidatos do partido, acrescentada dos votos de legenda.
O exemplo da Europa
Ainda nos anos 50 e 60, os conservadores conseguiram mudar o sistema eleitoral nos países europeus. O exemplo francês é o mais famoso. O objetivo era evidente: beneficiar os conservadores e prejudicar os partidos de esquerda, socialista e comunista, ideológicos, de massas, representativos de idéias.
Simplificando, temos dois modelos para compor os parlamentos no mundo. O proporcional e o distrital. No voto proporcional, com exceção do Brasil, os partidos apresentam antecipadamente a lista de candidatos, e os eleitores votam nos partidos. Caso um partido obtenha 100% dos votos, todos os nomes da lista vão compor o parlamento, que terá 100 deputados de um único partido. Mas, caso um partido obtenha 40% e outro 60%, o primeiro elegerá 40% de seus deputados, e o segundo, 60%. Os primeiros da lista vão ocupando naturalmente as vagas. É o óbvio ululante: um sistema partidário com cerca de 30 partidos torna tudo isso um pouco mais complexo. Mas não torna mais injusto nem menos democrático. Vejamos:
Uma das diferenças do Brasil é que aqui não existem listas partidárias. Os mais votados de cada partido, depois de calculada a proporcionalidade, é que vão ocupar as cadeiras. Uma vantagem evidente (pouquíssimo lembrada, se é que é lembrada) é o enfraquecimento das burocracias partidárias, que são poderosíssimas onde o sistema de listas vigora. Mas uma desvantagem maior ainda é que, como vimos nestas e em outras eleições, o correligionário do mesmo partido deixa de ser adversário amigável para ser tornar o inimigo prioritário a ser combatido. Querer fortalecer partidos com esse sistema é complicado, convenhamos.
Outro problema do sistema brasileiro, este sim uma excrescência, é que o voto proporcional permite coligações de partidos. Ora, se mesmo em partidos com doutrina e ideologia claras, como o PT, é possível e factível que votemos num católico apostólico romano e terminemos por eleger um ateu, em coligações proporcionais este risco é muito maior.
As coligações proporcionais – as coisas precisam ser ditas como são – decorrem de pressões de partidos pequenos, que sempre se abrigaram em partidos maiores para eleger seus deputados. Aí, misturam-se dos picaretas que se colocam em leilão a agrupamentos sérios, mas de pequena expressão social. Caso do velho Partidão e do PCdoB, por exemplo, que, ainda na ditadura, indicavam alguns poucos nomes para compor as listas do MDB ou do PMDB e, com votação expressiva, elegiam seus deputados.
O quociente eleitoral
O problema é que o sistema proporcional se baseia no chamado quociente eleitoral. O quociente eleitoral é calculado após as apurações, somando-se o total de votos válidos e dividindo pelo número de cadeiras em disputa em cada parlamento. Nas nossas legislações, voto branco já foi considerado voto válido, elevando o quociente, e já deixou de ser, baixando o quociente. Cada ano muda a regulamentação do sistema.
No Espírito Santo, por exemplo, o PFL, que concorreu sozinho – e é um grande partido –, teve apenas um grande "puxador de votos": José Carlos da Fonseca Jr., que obteve mais de 90 mil sufrágios. Pois a soma de todos os votos dados aos candidatos do PFL no Espírito Santo, somados aos votos de legenda (dados apenas ao partido), não alcançaram o quociente eleitoral para eleger sequer um deputado federal.
O diabo é que o quociente eleitoral consegue preencher apenas algumas vagas, muitas vezes, menos da metade. A equação é um pouco mais complicada: as demais vagas são preenchidas por um sistema em que, distribuídos os candidatos, quem tem a maior sobra elege mais um. Se este partido elegeu, por exemplo, cinco deputados com o quociente, passa a seis. Faz-se a conta novamente e mais uma vez quem tem a maior sobra leva mais um. E assim por diante, até que se preencham todas as cadeiras. Este modelo de fórmula é chamado D’Hondt. O problema, no caso, é que os partidos que não atingem o quociente eleitoral não disputam sobras. Seria inegavelmente muito mais justo permitir que as sobras pudessem ser disputadas pelos partidos que não atingissem o quociente eleitoral, em vez de se permitirem as coligações proporcionais.
Evidente: um partido que obtivesse um número mínimo de votos não teria quase sobras a disputar. Mas um partido como o PFL capixaba poderia entrar na disputa com zero candidato eleito com quociente, mas com chances de ser dos primeiros a obter uma sobra.
Ora, se a lógica da eleição proporcional é permitir que um parlamento reproduza o desenho partidário da forma mais semelhante à mostrada pelas urnas, não faz sentido proibir que um partido que não alcançou o quociente não dispute sobras, permitindo coligações proporcionais. Em coligações proporcionais, quem disputa os quocientes eleitorais são as coligações, e não os partidos.
Ainda usando o caso do Espírito Santo: o PT obteve muito mais votos para deputado federal do que o PL. Dos 10 parlamentares que o Espírito Santo elegeu, dois são da coligação PT-PL. Elegeram-se os dois mais votados, a petista Iriny Lopes e um liberal evangélico. Perly Cipriano, fundador e ex-presidente regional do partido, com votação expressiva, não obteve legenda. Este caso difere daquele do PFL: o candidato obteve votação expressiva, mas o partido não atingiu o quociente. No caso PT-PL, é o preço a pagar pelo fato de o PT ter-se coligado com o PL para as eleições proporcionais no Espírito Santo. Apesar do maior número de votos do PT em relação ao PL, cada um elegeu um deputado, porque os liberais concentraram a campanha no nome mais forte. Eis a prova prática da injustiça das coligações proporcionais.
Voto distrital?
A tradição republicana brasileira nunca viu voto distrital. No voto distrital, cada partido indica um candidato para cada distrito eleitoral, e em cada distrito há uma eleição majoritária. É certo que este sistema torna o voto mais barato e diminui a influência do poder econômico. Não à toa que os conservadores repetem sempre esses argumentos.
Mas, retomemos o exemplo de um estado com dois partidos, em que um tenha 60% dos votos e o outro, 40%. Se estes votos forem distribuídos igualmente em todos os distritos, o partido "A" obteria 100% das cadeiras, e o partido "B", nenhuma. É apenas um exemplo, claro. Mas não há exemplo no mundo em que uma eleição distrital não exagere o poder do partido mais forte e diminua o do partido circunstancialmente mais fraco. Se democracia é alternância no poder, o sistema de voto distrital é muito mais estável e prejudica esta rotatividade, já que os pequenos têm dificuldade para crescer, enquanto os grandes são reforçados no parlamento.
Quando se implantou este sistema na Europa a idéia era exatamente esta. Os partidos de esquerda vinham crescendo, e o sistema distrital foi implantado antes que conquistassem a maioria. Se a esquerda tinha 40% dos votos, ficou com 20% das cadeiras. É justo?
No caso do voto distrital, temos outra discussão que nem a imprensa, nem os partidos, nem os cientistas políticos da onda jamais lembram. Quem faz a divisão dos distritos?
O IBGE? Os partidos? Deveríamos chamar observadores da ONU?
Qual o mínimo e máximo de eleitores que caberia a cada distrito? Com que critérios se estabeleceriam estes números? Cidades pequenas se uniriam num distrito? São Paulo se dividiria em vários? Respostas para a redação.
Mais uma vez o exemplo francês. Dividiram vários lugares em que a esquerda era forte e montaram distritos onde os conservadores eram majoritários. Assim é muito fácil. Mas é assim que se faz, sempre. No caso brasileiro, repito: quem faria a divisão, como se faria a divisão?
O caso brasileiro tem ainda mais e maiores complicações. Num de seus comentários radiofônicos, Arnaldo Jabor chegou a dizer que o sistema proporcional foi invenção da ditadura militar. Nada mais equivocado. A ditadura, é claro, beneficiou-se do sistema, mas apenas enquanto a Arena era majoritária. Depois das eleições de 1974, quem se beneficiou foi o MDB, o partido da oposição. A ditadura promoveu várias mudanças na legislação visando prejudicar o MDB. O famoso Pacote de Abril, de 1977, é apenas o conjunto de mudanças mais conhecido.
O limite dos estados
Um problema do sistema eleitoral brasileiro (e não exatamente do sistema proporcional) é o limite mínimo e máximo de deputados que cada estado pode ter. Com uma população ínfima em relação ao restante do país, o Acre elege oito deputados – o mínimo. Nenhum estado elege menos de oito. São Paulo, com população muito maior, elege um número proporcionalmente bem menor de deputados. Por isso, o voto no Acre vale muito mais do que o voto de São Paulo.
Esta é uma distorção a ser corrigida. Um grupo criado pelo PT para fazer um projeto de Constituição para ajudar no debate da Constituinte de 1987/88 propôs um sistema nacional, para além dos estados. Ora, por que o conservador de São Paulo pode votar no Enéas (ou no Delfim Netto) e o conservador dos demais estados não pode? Por que o eleitor partidário de São Paulo tem vários nomes de deputados federais para escolher, e em outros estados essa lista é muito mais reduzida?
Mas os temas da reforma política, que a imprensa sempre ignorou ou tratou marginalmente, são decisivos agora.
No entanto, se o Brasil não conseguiu realizar uma reforma política com a estabilidade do governo Fernando Henrique, será muito mais difícil fazê-la agora, quando o quadro político se apresenta muito mais polarizado.











Roberto Pompeu de Toledo
O doutor D’Hondt e você
"O sistema brasileiro de eleição proporcional
situa-se bem acima da capacidade média do
sistema operacional do cérebro humano"
E lá vamos nós, outra vez. Não deve haver muitos países no mundo em que o eleitor é convidado a pinçar numa lista de extensão oceânica um candidato do qual, se não é seu parente, teve apenas escassas referências, e designá-lo para exercer uma função que sabe de antemão caracterizar-se, na melhor das hipóteses, pela inocuidade, e, na pior, por oferecer posição vantajosa para a prática de ilícitos. É o que estamos convidados a fazer – aliás, intimados, já que o voto é obrigatório – na eleição para vereador. Em quem devo votar? Você tem alguma indicação? Na véspera da eleição, estabelece-se uma aflita corrente em que se faz a ronda dos conhecidos. Quem sabe dessas consultas se consiga extrair o nome de um candidato capaz, ou pelo menos não incurso em algum artigo do Código Penal. Não deve haver muitos países em que o eleitor é induzido a votar às cegas. É o caso do Brasil, campeão da esbórnia partidário-eleitoral, nas eleições para vereador, deputado federal e deputado estadual.
A esbórnia começa na quantidade de partidos com existência legal no país: 27. Vinte e sete! Do amontoado obeso e incongruente de partidos derramaram-se neste ano, pelos 5 563 municípios brasileiros, 348 047 candidatos a vereador (348 047!) – 1 224 no Rio de Janeiro (1 224!), 1 077 em São Paulo (1 077!), 1 030 em Belo Horizonte (1 030!). Haja ponto de exclamação para dar conta da magnitude dos números! E haja paciência e discernimento do eleitor para encontrar, nesse palheiro, a agulha salvadora do candidato mais de acordo com seu gosto. Da superlotação das listas partidárias resulta esse desafio para o olho e a atenção que é o entra-e-sai dos candidatos no horário eleitoral. Acresce que os partidos não ajudam, ao peneirar seus representantes, e então, a cada ano, temos o conhecido desfile de rostos que parecem herdados do portfólio do selecionador de elenco do saudoso Federico Fellini, ou do PowerPoint do doutor Cesare Lombroso.
As diabruras do sistema não terminam aí. O eleitor pensa que vota num nome, mas é engano; vota antes num partido. Vota em Fulano, mas acaba elegendo Sicrano. O 1,6 milhão de eleitores paulistas que votaram em Enéas Carneiro para deputado federal em 2002 acabou elegendo outros cinco candidatos do mesmo partido, um deles com o cacife de 200 votos. Inversamente, os 38 000 paulistas que votaram em Delfim Netto em 2006 não foram suficientes para elegê-lo, mas ajudaram outros candidatos do PMDB a eleger-se. São artimanhas do coeficiente eleitoral. O leitor o conhece? Devia conhecê-lo, pois é ele, com esse nome de aterrorizar vestibulando, que decide a parada. Façamos as apresentações. O quociente eleitoral é a divisão do total dos votos válidos (todos, menos os nulos) pelo número de cadeiras em jogo. Assim, suponhamos que no Rio de Janeiro haja 3,5 milhões de votos válidos. Como a Câmara de Vereadores local possui cinqüenta cadeiras, faz-se a divisão de 3,5 milhões por 50 e chega-se ao coeficiente eleitoral de 70.000. Cada partido obterá uma cadeira a cada 70.000 votos que venha a somar. Se o partido X somou 140.000 votos, terá duas cadeiras.
Simples, não? Bem... Dificilmente um partido obterá exatamente o dobro do coeficiente eleitoral. Digamos que obtenha 150.000 votos. Terá direito então, como resultado da divisão de 150.000 por 70.000, a 2,14 cadeiras. Que fazer desse 0,14 de cadeira? Aqui entra um fator novo nessa história – o cálculo de D’Hondt. D’Hon...??? Façamos as apresentações. Victor D’Hondt foi um jurista belga, criador do sistema pelo qual se distribuem as sobras no sistema proporcional. Funciona assim:… Não. As apresentações ficam por aqui. D’Hondt nos ultrapassa. O leitor que quiser beber da sapiência do belga que vá fazê-lo, com todo o respeito, em outra freguesia.
E assim chegamos a uma primeira e crucial conclusão: o sistema brasileiro de eleição proporcional situa-se bem acima da capacidade média do sistema operacional do cérebro humano. A segunda conclusão é que não se pode encarar a sério um sistema que não se compreende; se os parlamentos são o que são, no Brasil, em grande parte é pelo modo como são eleitos. A terceira conclusão não é conclusão, é um apelo: que se invente outro modelo. É a sobrevivência do regime representativo que está em jogo
Eleição de Enéas ressuscita reforma política
Autor(es): Cristiane Jungblut
O Globo - 06/10/2002

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O fato de o inexpressivo Prona ter saído das eleições com uma bancada de seis deputados graças à votação de Enéas Carneiro, que obteve 1,5 milhão de votos, reabriu ontem no Congresso as discussões sobre a reforma política. Pelo atual sistema eleitoral, os mais votados em cada partido acabam se tornando puxadores de votos, garantindo com seu desempenho a eleição de colegas de partido ou coligação que tiveram poucos votos. O desempenho de Enéas garantiu vaga para Vanderlei Assis, que obteve apenas 275 votos.
A reação mais indignada foi a do presidente do Senado, Ramez Tebet (PMDB-MS), que considerou uma aberração o fato de a eleição de Enéas permitir que outros cinco candidatos do partido assumam cadeiras na Câmara dos Deputados. Para Tebet, a reforma política deve ser prioridade no Congresso, em 2003. O relator da proposta de reforma política na comissão especial da Câmara, deputado João Almeida (PSDB-BA), disse que a aprovação da reforma será importante, inclusive, para a governabilidade do próximo presidente.
João Almeida disse que o Brasil e a Finlândia são os dois únicos países do mundo que usam o sistema proporcional unipessoal, ou seja, o eleitor vota no candidato. A legislação eleitoral impõe um cálculo complicado para definir a representação proporcional na Câmara, levando em conta os votos do candidato, da legenda e o número de vagas.
PT e PCdoB elegeram 20
Mas Almeida ressaltou que o fenômeno Enéas poderia ocorrer em qualquer sistema.
— Não existe sistema eleitoral perfeito ou imune a distorções. No sistema de listas partidárias, por exemplo, o primeiro colocado, se for popular, também vai puxar votos para os demais — disse o deputado, que defende a adoção do sistema de listas fechadas (com os candidatos pré-estabelecidos) como forma de a campanha ser partidária.
Mais enfático, Tebet não considera correto um candidato que recebeu muitos votos não conseguir se eleger enquanto outro que recebeu poucos votos garantir vaga na Câmara. O senador Maguito Vilela (PMDB-GO), derrotado na eleição estadual, também defendeu em plenário a aprovação da reforma política. Já o senador Roberto Freire (PPS-PE) achou injustas as críticas ao Prona, que saltou de zero para seis deputados:
— Isso está sendo discutido de uma forma profundamente equivocada. Aqueles que defendem a lista partidária fechada não podem criticar o Enéas.
O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) lembra que os próprios parlamentares aprovaram as atuais regras. Ele e vários parlamentares defendem a adoção do chamado voto distrital misto.
O PT ficará com a vaga que o Prona não vai preencher em São Paulo, porque tinha apenas seis candidatos e elegeu sete deputados federais, de acordo com o Código Eleitoral. Conforme o artigo 109, os lugares não preenchidos serão ocupados pelo partido que obtiver a maior média entre o número de votos válidos e o número de lugares obtidos na eleição.
Levando em conta que 99,9% dos votos já estavam apurados até ontem, o PT, em coligação com PCdoB, deve eleger 20 deputados. A coligação que reúne PSDB, PFL e PSD deve conquistar 18 ou 19 vagas.
COLABOROU Adauri Antunes Barbosa
Segundo mais votado no ES não se elege
Ana Paula Macedo
BRASÍLIA. Se em São Paulo a votação recorde do médico Enéas Carneiro, do Prona, fez com que cinco outros candidatos do partido fossem eleitos deputados federais, no Espírito Santo o fraco desempenho do PFL nas urnas tirou o mandato de José Carlos Fonseca, o segundo mais votado no estado para ocupar uma das dez vagas na Câmara dos Deputados.
O capixaba Zé Carlinhos, como é conhecido no Congresso, recebeu 92.727 votos, exatos 6.633 votos a mais que Marcelino Fraga, do PMDB, o terceiro colocado. E teve que assistir à eleição do peemedebista, beneficiado pelo voto de legenda. O que atrapalhou Fonseca foram os poucos votos dados ao PFL. O segundo candidato mais votado do partido ficou em 25 lugar no ranking e o terceiro, em 37o lugar.
Na Bahia, PFL elege 19 dos 39 deputados
Já na Bahia, estado vizinho do Espírito Santo, o mesmo PFL teve um resultado notável. Em boa parte graças ao desempenho de Antonio Carlos Magalhães Neto e Fábio Souto nas urnas. O neto do senador eleito Antonio Carlos Magalhães e o filho do governador eleito Paulo Souto foram os dois candidatos mais votados para a Câmara dos Deputados. Juntos somaram mais de 636 mil votos. E o PFL elegeu 19 dos 39 deputados da bancada baiana.
Nem sempre, entretanto, votações recordes puxam mais eleitos. No Distrito Federal, o ex-senador José Roberto Arruda teve a maior votação proporcional do país, com 25,52% dos votos. Mas não puxou ninguém, foi o único deputado federal eleito do PFL. O deputado Osório Adriano teve 23.240 mil votos mas não entrou.
Em Minas Gerais, a grande votação de Patrus Ananias e Virgílio Guimarães, os dois candidatos mais votados para deputado federal, facilitou a eleição de mais nove petistas. Patrus e Virgílio tiveram juntos 837.140 votos, o correspondente a 7,67% do total. Levaram com eles candidatos com 0,32% e 0,31% dos votos válidos.
Campeões de votos no Pará, o ex-senador Jader Barbalho e Wlad, com mais de 506 mil votos, ajudaram o PMDB a fazer cinco dos 17 deputados federais do estado.
Voto denuncia despolitização
O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, coordenador dos Programas de Estudos Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diz que o recorde de votos que levou Enéas Carneiro e outros cinco candidatos do Prona à Câmara pode até ser encarado como uma distorção, mas não do sistema de representação proporcional.
— Existem no mundo pelo menos 12 sistemas diferentes de repartição de votos e todos são imperfeitos. Nenhum poderia prever uma votação dessa. Os sistemas atendem casos médios e funcionou bem na maioria dos estados — diz.
Para o pesquisador, a estratégia de Enéas de se lançar candidato a deputado federal, depois de três eleições presidenciais, foi acertada e tinha o objetivo de formar uma bancada:
— Ele acabou denunciando sem querer a despolitização do sistema partidário e eleitoral. É um paroxismo ele ter uma votação extrema e levar consigo pessoas sem preparo político para chegarem à Câmara. Mas isso também acontece em outros partidos.
Monteiro propõe a adoção do sistema distrital majoritário uninominal, parecido com o da Inglaterra, para diminuir distorções:
— O candidato escolheria um distrito, uma parte da cidade de São Paulo, por exemplo. Além de ter um número bem menor de eleitores, somente ele se elegeria.
Sistema eleitoral em debate
Renato Galeno
A eleição de Vanderlei Assis, do Prona, como deputado federal em São Paulo com apenas 275 votos trouxe à tona o debate sobre o sistema eleitoral brasileiro. A discussão sobre a mudança do sistema proporcional para o distrital ou a criação de um sistema misto volta à discussão política. Porém, as diferenças entre o sistema eleitoral brasileiro e o utilizado em outros países são mais profundas do que aparentam.
— O sistema eleitoral brasileiro é uma mistura explosiva — garante a cientista política Lucia Hippolito.
No Brasil, o mecanismo do voto para deputados e vereadores funciona da seguinte forma: a) de acordo com o total das urnas, se chega ao número mínimo de votos para um partido ter um deputado; b) definem-se os partidos que conseguiram atingir esse número; c) proporcionalmente ao número de cada partido ou coligação, distribuem-se vagas para os partidos; d) apontam-se os candidatos eleitos segundo a ordem de votos dentro do partido.
Este é o sistema conhecido como proporcional, com lista aberta. Outro sistema é o majoritário, ou distrital, no qual todos os votos não dirigidos ao candidato vencedor são descartados. Senadores são eleitos dessa forma.
Se vários países adotam o sistema proporcional, o Brasil é único devido a outros fatores. Em primeiro lugar, o país usa o sistema de lista aberta, no qual se vota nas pessoas. Mais comumente, vota-se na chapa formada pelos próprios partidos (as listas fechadas). A ordem é estabelecida por eles. Isso faz com que se incluam candidatos populares, os puxadores de votos, mas também políticos importantes.
A segunda diferença brasileira é a existência de coligações, que fazem com que votos dados num partido beneficiem outro.
Em terceiro lugar, nem todos os votos são aproveitados, pois, depois de contado o quociente eleitoral, sobram votos. Estes são distribuídos de maneira quase proporcional de acordo com o método (o cálculo de Hondt). Na última eleição, seis deputados federais foram eleitos com as sobras. Assim, sobras eleitorais acabam destinadas a um candidato que não representa a vontade do eleitor.
— Só se fosse possível fazer com o voto o que se faz com notas de dólar que são usadas para o pagamento de seqüestros daria para saber onde o nosso voto vai parar — ironizou Lucia.
Porém, ela acredita que o voto proporcional é mais democrático.
— O problema não é o sistema proporcional, que assegura a representatividade das minorias. É com o sistema brasileiro. Vivemos numa sociedade-espetáculo. Para manter a qualidade da representação parlamentar, é preciso fechar as listas. E acabar com as coligações.
‘Meus 275 votos foram sinceros’
SÃO PAULO. O médico homeopata Vanderlei Assis, de 56 anos, conseguiu duas façanhas na eleição do último domingo. Morando no Rio, elegeu-se deputado federal em São Paulo, com apenas 275 votos. Sem nenhum constrangimento, ele atribui a existência do seu mandato ao seu guru político, Enéas Carneiro.
Adauri Antunes Barbosa
Depois de eleito, o senhor vai se mudar para São Paulo?
VANDERLEI ASSIS: Sou obrigado, agora, a estar em Brasília pelo menos boa parte do tempo. Pretendo também estar em São Paulo, na maioria das vezes, e algumas vezes no Rio. Com a ponte aérea é mais fácil.
Como morador do Rio, o senhor se acha em condições de representar São Paulo?
ASSIS: São Paulo não é muito diferente do Rio em termos dos aspectos problemáticos, não é mesmo? A função de um deputado federal é ir lá, escutar os outros e dar seus palpites. É isso que eu vou fazer: tentar fazer tudo o que é possível para o bem-estar do povo de São Paulo, que eu vou representar em primeiro lugar, e o resto do Brasil, porque os problemas de São Paulo são os problemas do Brasil. Acho que é tudo uma coisa só, sabe?
O senhor não se sente constrangido de ter sido eleito com tão poucos votos?
ASSIS: Não. Isso prova que o doutor Enéas consegue fazer um deputado com 275 votos. O mérito é todo do doutor Enéas. Muita gente que faz 20 mil, 30 mil, 50 mil votos, faz isso a custo de empresários, de acordos, de presentinhos, compram votos. Eu não tenho problema nenhum e garanto: meus 275 votos foram sinceros.

Tom indignado atraiu eleitor
A interpretação de que 1,5 milhão de eleitores paulistas quiseram protestar ao votar em Enéas Carneiro não é compartilhada pela historiadora Marly Silva da Motta, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc-FGV). Para ela, uma grande parcela do eleitorado pode ter se identificado com o discurso nacionalista e o tom indignado do candidato, independentemente de seu conteúdo:
— Essa forma indignada, enraivecida de se dirigir é partilhada por parte do eleitorado. A indignação é uma forma clássica e impactante de fazer política. Rejeito essas avaliações de que o eleitorado está cada vez mais despolitizado.
Marly considera fundamental a comunicação de Enéas na televisão. De acordo com a pesquisadora, o fato de ele ter priorizado a fixação do número 5656 também ajudou:
— Ele soube avaliar muito bem a mensagem que deveria passar em seu pouco tempo na TV. Foi uma jogada de marketing e percepção de um público que seria a base de seu eleitorado.
Marly compara o tom nacionalista e raivoso do Prona com o movimento integralista dos anos 30, que atingiu diversas classes sociais e estava longe de ser despolitizado. E acredita que o fato de Enéas levar para a Câmara outros políticos inexpressivos pode servir de aprendizado para os eleitores.
O sistema eleitoral norte-americano e a eleição presidencial
Elaborado em 08.2008.
João Francisco Neto
Meste e Doutorando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP
SUMÁRIO: 1) Introdução. 2) Origens do Colégio Eleitoral. 3) A Evolução Histórica dos Partidos Políticos. 4) O Processo Eleitoral Atual. 4.1) A Indicação dos Candidatos pelos Partidos. 4.2) A Escolha dos Delegados nos Estados. 4.3) Os Superdelegados. 4.4) A Seleção das Pessoas que Atuarão como Delegados Partidários no Colégio Eleitoral. 4.5) A Eleição para Presidente e Vice-Presidente. 5) O Sufrágio: A Evolução Histórica e as Condições Atuais. 6) O Financiamento de Campanha. 7) Argumentos Pró e Contra o Sistema Norte-Americano. 7.1) Argumentos Favoráveis ao Sistema. 7.2) Argumentos Contrários ao Sistema. 8) Conclusão. Referências Bibliográficas.


1) INTRODUÇÃO
Nos EUA o Presidente e o Vice-Presidente da República são escolhidos por meio de eleição indireta, realizada pelo Colégio Eleitoral, de acordo com o procedimento fixado pelo artigo 2º da Constituição norte-americana, de 1787. Desde então, esse dispositivo sofreu apenas três alterações, por meio das seguintes Emendas constitucionais: Emendas XII (1804), XXII (1951) e XXIII (1961) [01].
O sistema político é federativo, e prevê elevada autonomia para cada um dos 50 Estados.
Não há uma totalização nacional dos votos dos eleitores na apuração das votações: a apuração é feita por Estados.
Os partidos políticos escolhem seus candidatos por meio de eleições primárias, realizadas nos Estados, sagrando-se vitorioso o candidato que obtiver o maior número de delegados nessas eleições primárias. Se o presidente disputa um segundo mandato, em geral não se realizam primárias para escolha do candidato. Normalmente a disputa pela indicação da candidatura é bastante acirrada e quase tão envolvente quanto a própria corrida presidencial.
A eleição presidencial é sempre realizada na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira do mês de novembro. Nesse dia, os eleitores votam em delegados que, por sua vez, integrarão o Colégio Eleitoral e ficarão comprometidos a votar no candidato de seu partido.
O número de delegados por Estado é fixado de acordo com a sua bancada na Câmara dos Representantes e no Senado. No total são 538 delegados: 435 (equivalente ao número de deputados federais), mais 100 (igual ao número de senadores), mais 3 delegados (representantes do Distrito de Colúmbia). O número de delegados poderá variar de acordo com o censo realizado a cada dez anos, quando poderá haver uma redefinição da representação na Câmara; o número de senadores é fixo: dois por Estado.


2) ORIGENS DO COLÉGIO ELEITORAL
Para melhor compreender as razões da existência do Colégio Eleitoral [02], é necessário, ainda que brevemente, examinar o contexto histórico e os problemas que os Founding Fathers, reunidos na Convenção da Filadélfia, tentavam solucionar para uma jovem nação que:
i) era composta por treze Estados, ciosos de seus direitos e prerrogativas, e que alimentavam suspeitas sobre qualquer governo nacional centralizado;
ii) era habitada por 4 milhões de pessoas, espalhadas ao longo da imensa costa atlântica, desprovida de rede de transportes e de comunicação, tanto assim que seria totalmente impraticável a realização de uma campanha eleitoral nacional;
iii) ainda sob influência da classe política britânica, acreditava que os partidos políticos fossem um mal; e
iv) acreditava que um homem honrado não deveria fazer campanha para obter um cargo público, segundo o ditado corrente à época: "O cargo deve procurar o homem; porém, o homem não deve procurar o cargo".
A questão que se punha então era a seguinte: como escolher um presidente sem a participação de partidos políticos, sem realização de campanha nacional e sem abalar o delicado equilíbrio existente entre a Presidência e o Congresso, por um lado, e entre os Estados e o Governo Central, por outro [03] ?
A Convenção Constitucional apreciou diversos métodos de escolha de um presidente.
A primeira idéia, a de que o presidente pudesse ser eleito apenas pelo Congresso Nacional, foi logo rejeitada.
A segunda proposta foi a de que a escolha fosse feita pelas assembléias estaduais. Essa idéia também foi afastada, sob o temor de que um presidente tão vinculado às assembléias estaduais poderia permitir o enfraquecimento da autoridade federal e, assim, comprometer todo o conceito de federação.
A terceira proposta foi a de que o presidente pudesse ser escolhido por meio de votação popular direta. A eleição direta foi rejeitada pelos constituintes não somente porque duvidavam da inteligência do povo, mas também porque temiam que, sem informação suficiente sobre os candidatos de fora do Estado, as pessoas escolhessem, naturalmente, um favorito de seu próprio Estado ou região. Na pior das hipóteses, nenhum presidente emergiria com apoio popular suficiente para governar todo o país. Por outro lado, a tendência era que a escolha do presidente fosse sempre decidida pelos Estados maiores e mais populosos, relegando os pequenos Estados a um papel sem importância.
Finalmente, o Comitê dos Onze (Committee of Eleven) da Convenção Constitucional propôs o modelo de eleição indireta, a ser realizada pelo Colégio Eleitoral. A idéia fundamental era a de que a escolha fosse feita pelos indivíduos mais sábios e preparados de cada Estado, com base no mérito, e independentemente do Estado de origem.
Muitos historiadores afirmam que o Colégio Eleitoral foi criado como uma espécie de "freio" à democracia direta. Alguns dos Founding Fathers, especialmente os mais elitistas, como Alexander Hamilton, temiam que uma regra da maioria, ou seja, da massa popular (mob rule), pudesse facilitar o surgimento de candidatos demagogos [04].
Os framers americanos, muitos dos quais versados em filosofia e adeptos das idéias do Iluminismo [05], iniciaram os trabalhos de elaboração da Constituição baseados nos ideais enumerados por John Locke, em sua obra "Dois Tratados sobre o Governo". Foi proposto um modelo de Colégio Eleitoral que se assemelhava ao sistema de Assembléias Centuriais da República Romana. Segundo o sistema romano, os cidadãos adultos (somente homens), de conformidade com sua riqueza, eram divididos em grupos de 100 (chamados de "centúrias"). A cada um desses grupos era atribuído o direito de proferir apenas um voto, a favor ou contra, as propostas apresentadas pelo Senado Romano. No Colégio Eleitoral americano, os Estados desempenhariam o papel dos grupos centuriais, embora não fosse aplicado aqui o critério de riqueza. O número de votos por Estados seria determinado de acordo com o tamanho da representação no Congresso.
Chegou-se então a um modelo de eleição indireta, com forte participação dos Estados, representados no Colégio Eleitoral de acordo com a sua bancada parlamentar no Congresso, e, como queriam os convencionais, sem votação direta do povo.


3) A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
A princípio, os Fundadores opunham-se à existência de partidos políticos, sob a alegação que eles tendiam a se constituir em facções que acabariam por manipular a independência do voto dos eleitores. Como não vislumbravam, e nem desejavam, nenhum papel para os partidos políticos, os framers montaram uma série de arranjos constitucionais para isolar a nova república da influência de partidos e facções políticas, por meio da separação de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, pelo federalismo, e pela eleição indireta do Presidente da República.
Contudo, já por volta do início do século XIX, os partidos políticos haviam se tornado uma das mais importantes instituições políticas norte-americanas, e muitos dos Fundadores acabaram por se filiar a eles. Desde os anos 1850, quando se deu a formação do Partido Republicano, a cena política americana tem sido dominada por dois importantes partidos políticos: o Democrata e o Republicano.
Ao longo da História americana sempre houve dois partidos políticos principais. O início se deu com os Federalistas [06] e os Anti-Federalistas [07], a partir de 1796.
De forma breve, os Federalistas foram criados por Alexander Hamilton, de Nova York, e seus seguidores. Eles advogavam um poder central forte, presidido pelas classes mais educadas. Inclinavam-se pelos Federalistas os grandes comerciantes, industriais e exportadores da costa leste e das áreas urbanas. Hamilton achava que a nova nação poderia beneficiar-se, caso mantivesse vínculos estreitos com a Inglaterra. Os Federalistas apoiavam a ratificação da Constituição.
Já os Anti-Federalistas eram comandados por Thomas Jefferson, um aristocrático produtor rural da Virgínia. Ele considerava que a agricultura deveria ser a base da economia americana. Era apoiado pela classe média e pelos pequenos agricultores. Mais tarde, quando se tornou Presidente, esse Partido veio a ser conhecido como Partido Republicano Democrático. Jefferson, que considerava que o melhor governo seria o governo mínimo, apoiava a idéia de um governo central fraco e governos estaduais autônomos. O Partido apoiava os ideais da Revolução Francesa. Em virtude dos esforços do Partido Republicano Democrático para enfraquecer os Federalistas, em 1824 esse último partido deixou de existir.
No curso das eleições de 1828, o Partido Republicano Democrático dividiu-se em duas facções: uma delas formou o Partido Republicano Nacional, que foi absorvido pelo Partido Whig, em 1834; a outra facção deu origem ao atual Partido Democrata. Daí então que se afirma que o Partido Democrata atual tem origem no chamado "Jeffersonian Republic Party", como também era conhecido o Partido Republicano Democrático.
A princípio, o Partido Democrata era apoiado por grupos tão diversos quantos proprietários rurais do Sul e trabalhadores imigrantes do Norte. O Partido oponente era o Whig (partido protecionista), fundado em 1833 por Henry Clay, dispersou-se por volta de 1853.
Já o Partido Republicano tem origem numa coalizão formada em 1854 por facções oriundas dos Partidos Whig, Free-Soil e Know-Nothing. Os primeiros Republicanos uniram-se contra idéia de expansão da escravatura para os territórios do Oeste.
A Guerra Civil e o período da reconstrução que se seguiu serviram para solidificar a estrutura do Partido Republicano. A maioria dos soldados que lutaram pelos Estados do Norte era composta por republicanos, e, após o término da Guerra de Secessão, pelo menos uma geração seguinte de republicanos continuou vangloriando-se do seu fervor patriótico, ao mesmo tempo em que acusava os Democratas de traidores e amigos dos Estados do Sul.
Os Democratas recusaram-se a aceitar a necessidade de conceder mais poder ao Governo Central para fazer frente aos esforços da Guerra Civil (1860-1865), que havia se iniciado durante o governo de Abraham Lincoln, do Partido Republicano. Os Democratas resistiam fortemente aos propósitos do Governo (Republicano) de aumentar impostos para financiar a guerra. Eram contrários também à abolição da escravatura.
Os republicanos passaram então a acusar os Democratas de deslealdade e fizeram disso um slogan de campanhas políticas, utilizado pelo restante do século XIX. Os Democratas só foram conseguir maioria na Câmara em 1874 e conquistar a Presidência da República novamente apenas em 1884.
Esse quadro só veio a se alterar com o advento da Grande Depressão [08], nos anos 1930, com a derrota do sonho americano de prosperidade ilimitada, naufragou também a confiança americana no Partido Republicano. O desastre econômico e as enormes taxas de desemprego que se seguiram arrasaram todas as propostas do Partido Republicano, que se opunha ferreamente à política do New Deal. Os Democratas utilizaram-se intensamente dessa situação e conseguiram manter-se no poder por um longo período, com os Presidentes Franklin D. Roosevelt (1933-1945) e Harry Truman.(1945-1953).
No aspecto político-partidário, os reflexos da Depressão americana foram duradouros, sentidos há bem pouco tempo: de 1932 a 1980, os Republicanos tiveram o controle do Congresso por apenas 4 anos, ao passo que ganharam a Presidência da República somente em 4 eleições: 1952, 1956, 1968 e 1972. Com o advento da Era Reagan, o Partido Republicano experimentou uma espécie de renascimento.


4) O PROCESSO ELEITORAL ATUAL
4.1 A INDICAÇÃO DOS CANDIDATOS PELOS PARTIDOS
O longo processo eleitoral para a Presidência da República nos Estados Unidos inicia-se quando um político declara ao partido sua intenção de participar do processo de indicação do candidato. Em geral esse postulante a candidato monta um comitê, onde testa suas chances na disputa e, após a inscrição na agência federal reguladora FEC (Federal Election Comission), poderá iniciar a arrecadação de fundos para a sua campanha eleitoral. Declarada formalmente sua intenção de participar da indicação, poderá então dar início à campanha. Normalmente, a campanha se inicia pelos Estados considerados cruciais para a disputa.
O processo de indicação dos candidatos não está incluído na Constituição, ficando a cargo dos Estados e dos regulamentos dos próprios partidos políticos.
Durante a temporada das eleições primárias, que se inicia em janeiro e se estende até junho, os candidatos dos dois principais partidos políticos – Democrata e Republicano – lutam para obter a indicação para concorrer à eleição para Presidente da República.
Nesse procedimento, os eleitores dos 50 Estados escolhem delegados partidários, que apoiarão um determinado candidato. Para a escolha desses delegados os Estados utilizam-se de eleições primárias ou caucus (prévias), que diferem em seus procedimentos [09].
Nos caucus, os eleitores reúnem-se em casas, escolas ou outros edifícios públicos, localizados em diversos distritos pelo território do Estado. Lá, em meio a discussões sobre os candidatos e temas eleitorais, elegem os delegados para as convenções dos condados. Essas convenções, por sua vez, elegem delegados para as convenções estaduais, de onde sairão os delegados nacionais.
Nos caucus democratas não há votação por cédulas; as decisões se dão por grupos de pessoas que se aglutinam em torno de determinados candidatos, para, publicamente, manifestar sua preferência.
Nos caucus do partido republicano os eleitores participam de uma votação secreta, cujo resultado definirá os candidatos escolhidos.
Todavia, esses procedimentos podem diferir de um Estado para o outro, uma vez que a Constituição atribuiu aos Estados o poder de fixar as normas eleitorais.
Nas eleições primárias permite-se que todos os eleitores registrados no Estado votem diretamente em seu candidato preferido. Todavia, existem três tipos de primárias: 1º) primárias fechadas, nas quais os eleitores só podem participar da escolha do partido em que estão registrados; 2º) primárias abertas, em que os eleitores podem votar na escolha de qualquer partido; podendo fazendo, no entanto, em apenas uma primária; e 3º) primárias em que os eleitores podem votar nos candidatos dos dois partidos. Essas últimas são mais raras.
O intrincado processo eleitoral americano contempla alguns fatos curiosos: os pequenos Estados de Iowa (3 milhões de habitantes) e de New Hampshire (1,3 milhão) têm leis que asseguram que suas primárias sejam realizadas em primeiro lugar. Os dois Estados têm um acordo e, tradicionalmente, o primeiro caucus ocorre em Iowa [10].
O fato de serem os primeiros atrai a atenção do noticiário, em proporção bem mais significativa do que normalmente seria, em vista do tamanho desses Estados. Por outro lado, o fato de um candidato conseguir amealhar um grande número de delegados que lhe garanta antecipadamente a indicação tornará irrelevantes as disputas nos demais Estados.
Grande parte das primárias é realizada após o dia 5 de fevereiro, até o início de março, no dia em que se convencionou denominar de "Super Terça-Feira". Nesse dias são realizadas primárias num grande número de Estados, de diversas regiões do país e com perfis econômicos e sociais diferenciados. Para os candidatos à corrida presidencial norte-americana, a "Super Terça" representa o primeiro teste eleitoral nacional. Neste ano de 2008, na "Super Terça", que ocorreu no dia 5 de março, participaram 24 Estados, dentre os quais a Califórnia, Illinois, Nova York e Nova Jersey.
4.2 A ESCOLHA DOS DELEGADOS NOS ESTADOS
O número de delegados por Estado é determinado pela soma do número de senadores (2) mais a bancada de deputados federais, que varia conforme a população, apurada por censos deceniais.
A partir da XXIII Emenda (1961), o Distrito de Colúmbia passou a ter direito a indicar um numero de delegados, em quantidade nunca inferior à do Estado menos populoso. Atualmente o Distrito de Colúmbia conta com três delegados.
Segundo a Constituição, os delegados serão indicados na forma prevista pela Assembléia Estadual. Desta feita, há quatro procedimentos principais:
1º) Indicação direta pelo Legislativo Estadual: a Assembléia Legislativa Estadual indica os delegados, sem o voto popular. Era o sistema adotado por mais de um quatro dos Estados até as eleições de 1824. A Carolina do Sul adotou esse método até o ano de 1860. Atualmente não é mais utilizado.
2º) O vencedor leva tudo (winner-takes-all): o Estado realiza uma votação popular e o partido que obtiver a maioria dos votos indica todos os delegados daquele Estado. É o sistema adotado hoje por quase todos os Estados. Apenas dois não o adotam (Maine e Nebraska). Esse método permite que um candidato que tenha mais votos populares em todo o país possa não ser eleito, se perder nos Estados com mais delegados. Isso já ocorreu três vezes desde 1787, a última delas na eleição de 2000.
3º) Por distritos eleitorais: A Assembléia Estadual divide o Estado em distritos eleitorais, atribuindo a cada um deles um delegado. O partido do candidato vencedor em determinado distrito indica o respectivo delegado. Esse sistema, que foi adotado por alguns Estados até 1824, hoje não é mais utilizado.
4º) Método Maine: por esse modelo os votos populares são apurados em 1 distrito senatorial e em diversos distritos congressuais. O "distrito senatorial" corresponde ao Estado inteiro. O partido vencedor indica os dois delegados, que correspondem ao número de Senadores. Os "distritos congressuais" correspondem aos distritos pelos quais são eleitos os Deputados. O partido vencedor indica o respectivo delegado. Esse sistema é adotado apenas por dois Estados: Maine (desde 1972) e Nebraska (desde 1996).
4.3 OS SUPERDELEGADOS
Diferentemente dos delegados convencionais, os chamados "superdelegados" não são escolhidos na nas prévias e nas primárias de cada Estado. A maioria dos superdelegados tem assento automático, baseado tão-somente na sua condição dentro do partido, ou mesmo em virtude de ser um antigo líder partidário, ou ainda, uma autoridade eleita.
Em inglês, a sigla utilizada para designar os superdelegados é "PLEO" (Party Leaders and Elected Officials). Alguns são escolhidos durante o processo das primárias. A principal característica dos superdelegados é que eles são livres para apoiar qualquer um dos candidatos do Partido.
O Partido Democrata não utiliza o termo "superdelegado", mais empregado pela própria mídia. Esses delegados não-comprometidos (unpledged) podem ser de duas categorias:
1ª) Superdelegados que têm assento com na sua condição de dirigente partidário ou ocupante de cargo eletivo (Cláusula 9.A do Regulamento do Partido Democrata); e
2ª) Superdelegados selecionados pelas diretivas estaduais do Partido Democrata, e que não necessitam ser dirigentes do partido ou ocupar função eletiva (Cláusula 9.B).
O Partido Republicano também indica alguns dirigentes partidários para exercer a função de delegados, sem necessidade de aprovação nas prévias ou primárias, porém o termo "superdelegado" é mais aplicado apenas ao Partido Democrata.
Na Convenção Nacional do Partido Democrata de 2008 o número de superdelegados será de aproximadamente 20% do total de delegados. Sempre que os candidatos conseguem um número expressivo de delegados durante a campanha, de forma que não se pode antecipadamente vislumbrar o candidato vencedor, a autuação dos superdelegados reveste-se de uma maior importância.
Na eleição presidencial de 1984, concorriam pela indicação pelo Partido Democrata Gary Hart e Walter Mondale. Nas eleições primárias ambos conseguiram importantes vitórias, de forma que Mondale encerrou o processo com uma pequena margem de vantagem. Entretanto, com o apoio de quase todos os superdelegados, obteve a indicação para a candidatura.
Ao contrário, nas eleições de 2004, o pré-candidato Howard Dean obteve a liderança de votos pelo Partido Democrata, com base no apoio de superdelegados, antes mesmo da realização da primeira prévia. Todavia, depois de uma sucessão de vitórias em prévias e primárias, John Kerry obteve a indicação.
O tema da escolha dos superdelegados não é pacífico, principalmente dentro do Partido Democrata, tanto que várias alterações têm sido feitas ao longo das últimas décadas.
Já em 1968, a Convenção Nacional do Partido Democrata fez alterações no processo de escolha dos delegados, que era baseada nos trabalhos da Comissão McGovern-Fraser. O propósito dessas alterações era tornar a composição do quadro de delegados à convenção menos sujeita ao controle dos líderes partidários.
O Partido Democrata constituiu uma Comissão, presidida pelo então Governador do Estado da Carolina do Norte, Jim Hunt. A Comissão Hunt propôs que a Direção Nacional do Partido Democrata reservasse alguns cargos de delegados para membros do Partido ocupantes de cargos no Congresso Nacional e Presidentes e Vice das Executivas Estaduais. De acordo com a proposição da Comissão Hunt, esses superdelegados seriam 30% do total de delegados, mas, quando foi finalmente implementada nas eleições de 1984, esse número caiu para 14%. Esse índice têm gradativamente aumentado, e hoje alcança a cifra de 20%.
Nas eleições de 1984, apenas os presidentes e vice das executivas estaduais tinham o direito assegurado ao status de superdelegado. As vagas remanescentes seriam preenchidas de maneiras: os membros do Partido, ocupantes de cargos no Congresso Nacional, ficariam com 60% das vagas, e, as demais seriam atribuídas às executivas estaduais, que poderiam então indicar, prioritariamente, os governadores dos Estados e os prefeitos das grandes cidades.
Em 1988, esse processo sofreu uma simplificação: aos ocupantes de cargos no Congresso Nacional foi permitida a indicação de 80% do total de superdelegados. Tinham assento assegurado nessa condição todos os membros da Executiva Nacional e todos os Governadores Democratas, bem como os líderes notáveis do Partido, passando a valer, essa última condição apenas a partir de 1996.
A partir de 1992, passaram a ser admitidos na condição de superdelegados outros líderes partidários estaduais e ocupantes de cargos eletivos, não incluídos nas categorias já mencionadas.
E, finalmente, a partir de 1996, foi garantida a condição de superdelegados a todos os membros do Partido Democrata que fossem ocupantes de cargos no Congresso Nacional.
O termo "superdelegado" foi forjado como crítica aos delegados não-compromissados, uma vez que esses delegados teriam mais poder do que outros, por conta de sua ampla liberdade de escolha na votação para indicar o candidato do partido.
O Partido Democrata tem sofrido acusações de conduzir o seu processo de indicação de forma não-democrática, já que os superdelegados são escolhidos independentemente de suas preferências eleitorais e não estão obrigados a apoiar o candidato escolhido pelos eleitores.
Atualmente, no Partido Democrata, o número de superdelegados é de 796 membros e o de delegados compromissados de 3.438, o que perfaz um total de 4.234 delegados aptos a votarem na Convenção Nacional do Partido. Para obter a indicação do Partido Democrata para concorrer à eleição presidencial, o candidato deve obter o voto de 2.118 delegados.
Relativamente à disputa atual, segundo fontes da impressa, o candidato Barack Obama, tendo conseguido 2.156 delegados a seu favor, assegurou o direito à indicação para concorrer à eleição para Presidente da República, pelo Partido Democrata.
Pelo Partido Republicano já havia sido assegurado ao candidato John McCain o direito de obter a indicação para concorrer pela eleição presidencial, tendo obtido os votos de 1.266 delegados, de um total de 2.380.
4.4 A SELEÇÃO DAS PESSOAS QUE ATUARÃO COMO DELEGADOS PARTIDÁRIOS NO COLÉGIO ELEITORAL
As pessoas que exercerão a função de Delegado [11] no Colégio Eleitoral são selecionadas de acordo com as leis estaduais e as regras dos partidos políticos. Esses critérios podem sofrer variações de acordo com o Estado.
Em geral, os partidos políticos indicam pessoas que integrem seus quadros dirigentes, ou que ocupem cargos políticos, ou antigos membros do Congresso, ou ainda, em recompensa por serviços prestados ao partido ou que tenham afinidades políticas com o candidato que disputará a eleição.
Não há muitos requisitos legais para se exercer a função de delegado, ficando, como já apontado, a critério dos Estados o poder para a fixação das normas. Entretanto, a Constituição Federal indica a única limitação, em seu art. II, seção 1: não poderá ser nomeado exercer as funções de delegado nenhum Senador, Deputado Federal, ou pessoa que exerça cargo de confiança no governo dos Estados Unidos.
No Estado da Califórnia há a exigência de que a pessoa indicada para exercer as funções de delegado seja um eleitor regularmente inscrito no condado de sua residência, porém não há nenhuma restrição acerca obrigatoriedade de filiação partidária.
Num ano de eleição geral, a convenção partidária que apontar os candidatos a Presidente da República e a Vice deverá selecionar também seus candidatos a delegados no Colégio Eleitoral. Os nomes e os dados desses candidatos a delegados constarão de uma lista, a ser entregue à Secretaria de Estado, dentro um prazo nunca superior aos 30 dias seguintes ao do término da Convenção Estadual.
Como se vê, na eventualidade de o candidato sagrar-se vitorioso na eleição realizada no âmbito do Estado, as pessoas previamente indicados pelo partido político é que serão os delegados no Colégio Eleitoral. Haverá tantos delegados quantos forem os representantes parlamentares de determinado Estado. Por exemplo, no Estado da Califórnia, que detém 53 representantes na Câmara e 2 senadores, cada partido deverá indicar o nome de 55 pessoas que poderão atuar como delegados perante o Colégio Eleitoral, na eventualidade de o partido vencer as eleições naquele Estado.
Importante esclarecer alguns pontos: uma coisa é exercer a função de delegado na convenção partidária que escolherá o candidato do partido para concorrer à eleição presidencial, e outra coisa é exercer a função de delegado no Colégio Eleitoral. Em inglês, o delegado à convenção partidária é denominado de "delegate", e, o delegado ao Colégio Eleitoral, "elector".
Isso significa que os delegados obtidos por um pré-candidato à indicação partidária não tem nada a ver com os delegados escolhidos para atuar no Colégio Eleitoral. Daí que, no caso dos candidatos independentes, não há delegados à convenção partidária, uma vez que o candidato, sendo independente, obviamente não é filiado a nenhum partido.
Entretanto, os candidatos independentes, na eventualidade de ganharem a eleição em determinado Estado, terão direito a todos os delegados previstos para aquele Estado (os Electors, que atuarão no Colégio Eleitoral). Assim, se porventura um candidato independente obtiver a maioria dos votos do Estado da Califórnia, terá direito à totalidade dos 55 delegados no Colégio Eleitoral, segundo a regra do winner-takes-all ("o vencedor leva tudo").
Para tanto, no prazo de até 70 dias antes das eleições gerais, realizadas em novembro, o candidato independente a Presidente da República deverá preencher e entregar na Secretaria de Estado sua lista de delegados, que escolhidos, na eventualidade desse candidato ganhar a eleição no Estado.
4.5 A ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE
A eleição presidencial é realizada sempre na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro. Em 2008 ocorrerá em 4 de novembro.
O Colégio Eleitoral é formado pelos delegados indicados por cada um dos 50 Estados e pelo Distrito de Colúmbia. Atualmente são 538 delegados.
Cada um dos delegados tem direito a um voto para Presidente e a um voto para Vice. Os votos são dados separadamente. Tanto o Presidente quanto o Vice devem ser eleitos por maioria absoluta, ou seja, o candidato eleito deve receber pelo menos 270, dos 538 possíveis.
O Colégio Eleitoral não chega a se reunir; os votos dos delegados são enviados ao Senado pelo correio. Em sessão conjunta do Senado e da Câmara, o presidente do Senado (cargo ocupado pelo Vice-Presidente) faz a contagem dos votos e divulga o resultado.
Os candidatos que obtiverem a maioria absoluta são eleitos. Caso nenhum candidato a Presidente obtenha a maioria absoluta, a Câmara dos Deputados escolherá o Presidente dentre os três mais votados. A escolha também será por maioria absoluta. Nessa fase, cada Estado, representado por sua bancada parlamentar deverá depositar um único voto. Assim, a Califórnia, com 53 deputados federais, terá direito a um único voto. A maioria absoluta será alcançada pelo candidato que obtiver 26 votos, dos 50 possíveis. Nessa fase, é grane a possibilidade serem eleitos Presidente e Vice de partidos diferentes.
O Distrito de Colúmbia não participa dessa votação, haja vista que, embora, pela XXIII, tenha sido agraciado com a participação no Colégio Eleitoral, não tem representação parlamentar no Congresso.
Caso nenhum dos candidatos a Vice-Presidente consiga a maioria absoluta [12], o Senado, por maioria absoluta, escolherá o Vice-Presidente dentre os dois candidatos mais votados.
Antes da XII Emenda (1804) o sistema era diferente: cada delegado tinha direito a dois votos para Presidente. O mais votado era eleito, e o segundo colocado era eleito para Vice. Os problemas ocorridos nas eleições de 1796 e 1800 [13] levaram à aprovação da XII Emenda.
A Constituição não vincula expressamente o voto dos delegados à vontade dos partidos, já que, a princípio, foram concebidos como agentes livres, pois nem havia partidos políticos. Assim, é possível que um delegado de um partido vote em candidato de outro partido, ou mesmo que não vote em ninguém. Segundo Marcelo Passamani Machado ("Sistema Eleitoral Norte-Americano"), isso já ocorreu 158 vezes. Esses votos sempre foram aceitos, à exceção da eleição de 1872.
Caso nenhum candidato tenha conseguido a maioria absoluta, seja no Colégio Eleitoral, seja na Câmara dos Deputados, no dia 20 de janeiro do ano subseqüente ao da eleição, o Vice-Presidente eleito assumirá na condição de Presidente, até que a Câmara chegue a uma decisão. Caso não tenha sido eleito também o Vice-Presidente, o presidente da Câmara dos Deputados atuará como Presidente da República, até que a Câmara tenha condições de votar e eleger o Presidente. Se porventura o Presidente da República tiver sido eleito, mas não o Vice, o Presidente então indicará o Vice, ficando esta decisão para ser ratificada pelo Congresso.


5) O SUFRÁGIO: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E AS CONDIÇÕES ATUAIS
O exercício do voto é facultativo nos EUA. Há a proibição de discriminação com base na raça (XV Emenda, de 1870), sexo (XIX Emenda, de 1920), na condição financeira – poll taxes – (XXIV Emenda, de 1964) e por idade (XXVI Emenda, de 1971). A idade mínima para votar é de 18 anos.
Originalmente, a Constituição previa um grau limitado de participação popular no processo eleitoral, ao exigir que os membros da Câmara dos Representantes fossem eleitos por delegados que tivessem as qualificações exigidas pelas Assembléias Estaduais, e que os senadores fossem eleitos pelas próprias Assembléias Estaduais, e, ainda, que os delegados à eleição para Presidente fossem escolhidos de uma forma tal que esse processo fosse dirigido pelos Legislativos Estaduais.
Antes da Guerra Civil (1860-1865), por ação dos Estados, o direito de voto estava assegurado apenas aos cidadãos brancos, do sexo masculino, com idade igual ou superior a 21 anos, e a alguns cidadãos negros, nos Estados que não mantinham a escravidão.
Após a Guerra Civil, o Congresso e os Estados, por meio de uma série de emendas e leis, gradualmente estenderam essa franquia. Daí que:
i) pela XV Emenda (1870), foi garantido o direito ao voto, independentemente de raça, cor, ou prévia condição de servidão;
ii) pela XVII Emenda (1913), foi assegurada a votação direta para Senador;
iii) pela XIX Emenda (1920), foi estendido o direito de voto às mulheres; iv) pela XXIII Emenda (1961), concedeu-se o direito de voto aos cidadãos do Distrito de Colúmbia;
v) pela XXIV Emenda, ficou proibido o pagamento de qualquer taxa, como pré-requisito para o exercício do voto nas eleições federais; e
vi) pela XXVI Emenda, foi estendido o direito de voto aos cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos.
Desde 1957, o Congresso tem aprovado leis para eliminar a discriminação racial no processo eleitoral, dentre as quais as mais notáveis são chamadas Leis de Direitos Civis ("Civil Rights Acts") de 1957, 1960 e 1964. Desde 1965 o Congresso aprovou a Lei dos Direitos de Voto ("Voting Rights Act"), que suspendeu, por um período estabelecido, a aplicação de todos os testes e mecanismos similares, que eram utilizados para discriminar os grupos raciais minoritários, particularmente os negros, que, diante dos obstáculos forjados, ficavam impedidos de votar. Em 1970, o Congresso estendeu por mais um período a suspensão dos testes que haviam sido proibidos em 1965, ao mesmo tempo em que reduziu as exigências, impostas pelos Estados, relativamente ao domicílio, como pré-requisito para votas nas eleições presidenciais.
As implicações raciais em relação ao processo eleitoral vinham se arrastando nos Estados Unidos desde o final do séc. XVIII. Em meio aos trabalhos da Convenção da Filadélfia (1787), os representantes sulistas, embora não tivessem nenhuma intenção de permitir que seus escravos votassem, gostariam que eles fossem, numericamente, levados em conta para aumentar a representação da bancada parlamentar no Congresso, evitando, assim, a dominação política dos Estados do Norte, mais populosos.
Assim, desejavam criar um sistema eleitoral que não fosse baseado na votação individual, mas sim na representação parlamentar, o que traria mais poder ao Sul. Os convencionais que representavam os Estados do Norte, ainda que contrariados pela possibilidade do aumento de poder político do Sul, concordaram com a medida. Porém, foi adotado um compromisso, denominado de "Compromisso dos 3/5" ("3/5 Compromise"), por meio do qual o escravo, para os propósitos de definição do tamanho da representação política, seria contado como se valesse 3/5 de uma pessoa.
Dos 55 participantes da Convenção Constitucional da Filadélfia, 25 eram proprietários de escravos, nos Estados do Sul; o próprio Thomas Jefferson era detentor de um grande número de escravos.
Após o acordo que resultou no "3/5 Compromise", os convencionais, constrangidos diante da possibilidade de ter de lançar a expressão "escravo" no texto da Constituição, resolveram que a redação constitucional faria menção a "pessoas livres" e a "mais três quintos de todas as outras pessoas". Obviamente que, de forma ainda que um tanto arrevesada, ficaria subentendido que, se alguém fosse uma "outra pessoa", obviamente não seria uma "pessoa livre", mas sim um escravo.
Quanto ao sufrágio passivo, podem ser candidatos os membros dos partidos, bem como os independentes.
Os requisitos para se candidatar ao cargo de Presidente da República nos Estados Unidos são: a) ser cidadão americano nato; b) ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos de idade; c) ser residente nos Estados Unidos por pelo menos 14 (quatorze) anos.
Os requisitos para a Vice-Presidência são os mesmos para Presidente, e, além disso, o candidato a vice não pode ser proveniente do mesmo Estado do Presidente.
O candidato ao cargo à Câmara dos Deputados deve ter pelo menos 25 (vinte e cinco) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 7 (sete) anos e ser residente legal no mesmo Estado para o qual concorrerá a uma cadeira no Parlamento.
Para o Senado, o candidato deve ter pelo menos 30 (trinta) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 9 (nove) anos e ser residente legal no Estado que deseja representar.
De acordo com a XXII Emenda à Constituição dos EUA (ratificada em 1951), é vedado a qualquer candidato ser eleito Presidente da República por mais de duas vezes. Todavia, a Constituição não impõe nenhuma limitação em relação à reeleição sucessiva aos cargos de deputados e senadores.


6) O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Nas eleições americanas poderá haver tanto financiamento público quanto privado (hard money e soft money) Porém, o candidato deverá optar por apenas um deles.
Desde 1976, os candidatos às eleições presidenciais podem habilitar-se ao sistema de financiamento público, por meio do qual o governo disponibiliza recursos para as campanhas.
Até as eleições de 2000, em geral, os candidatos participavam desse sistema, recebendo recursos governamentais, comprometendo-se a não gastar mais do que um valor especificado.
Todavia, em virtude da limitação dos gastos a serem financiados por fundos públicos, esse sistema tem sido deixado de lado. A partir das eleições de 2000, tem havido uma tendência no sentido de os principais candidatos renunciarem ao financiamento público para as eleições primárias, somente recebendo recursos públicos para as eleições gerais.
Os gastos são elevados: em 2004, a campanha para reeleição Presidente George W. Bush captou, de recursos privados, 270 milhões de dólares; seu adversário, o democrata John Kerry, arrecadou 235 milhões de dólares.
O levantamento de fundos para campanhas políticas é regulado por lei federal. Em geral, um candidato a Presidente da República deve estruturar sua campanha mediante a abertura de um comitê político, que será registrado perante uma agência federal denominada de "Federal Election Comission" (FEC). A despeito do nome, essa comissão supervisiona apenas o aspecto legal do financiamento das campanhas políticas, e não as eleições propriamente ditas, que ficam a cargo dos Estados, ainda que sejam eleições aos cargos federais.
Assim que obtiver o registro na Comissão Eleitoral, candidato pode iniciar o levantamento de fundos para sua campanha política. Esses fundos deverão ser informados à FEC, quinzenalmente, ou mensalmente. Atualmente esses dados são manipulados por meio de planilhas eletrônicas, e estão disponíveis ao público na internet, na página eletrônica da FEC (www.fec.gov). Além disso, diversas organizações mantêm sites na internet para monitorar as contribuições e os gastos de campanhas declarados pelos candidatos.
O financiamento privado das campanhas pelo denominado método hard money tem as seguintes características: as doações devem ser diretas aos candidatos que concorrem às eleições federais; devem ser devidamente declaradas pelo candidato, mediante a divulgação dos nomes dos doadores; há limites para esse tipo de doação; gastos superiores a 200 dólares devem ser declarados.
Já o financiamento de campanha denominado de soft law apresenta a seguinte configuração: são doações indiretas às campanhas dos candidatos; não-reguladas por lei e que só podem ser utilizadas na realização de atividades cívicas, tais como comitê de registro de eleitores, atividades exercidas nos edifícios do partido e para fazer frente aos gastos administrativos em apoio apenas aos candidatos às eleições locais e estaduais, vedada a utilização para os candidatos aos cargos federais..


7) ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA O SISTEMA NORTE-AMERICANO
7.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SISTEMA
O Presidente é eleito com apoio difundido por todo o território do país, desta forma, contribuindo então para a coesão da Nação.
O sistema respeita o Federalismo, uma vez que cada Estado escolha o processo como indica seus delegados.
Isola os problemas relacionados às fraudes, bem como ameniza os efeitos de catástrofes naturais (o processo realiza ao longo do ano).
Aponta para a estabilização política da nação, na medida em que fortalece o sistema bi-partidário. Em toda a história americana, o sistema de Colégio Eleitoral tem tornado mais difícil a vitória de um candidato de um partido minoritário, ou de um terceiro partido na corrida presidencial. O sistema de dois partidos impõe uma dose de moderação na política americana, na em que desencoraja movimentos extremistas, já que um candidato extremista poderia até conquistas os votos de alguns Estados, mas provavelmente não seriam suficientes para conquistar a Presidência da República.
Mantém um sistema federativo de governo e de representação. Trata-se de importante aspecto do federalismo americano a inclusão dos 50 Estados na escolha do Presidente. Esse sistema confere a cada Estado um número de votos eleitorais equivalente ao número total de seus membros no Congresso Nacional.
O Colégio Eleitoral força os candidatos a manter contato fora dos grandes centros populacionais e fazer campanha em lugares que seriam ignorados num sistema de eleição direta.
Por outro lado, o Colégio Eleitoral também torna muito menos provável a eleição de um candidato com base estritamente regional, uma vez que nenhuma região dos Estados Unidos, sozinha, reúne votos eleitorais suficientes para determinar a eleição de um presidente.
Ainda, em relação ao sistema federativo americano, os redatores da Constituição vislumbraram na divisão de poder entre os governos estaduais e o nacional uma salvaguarda importante das liberdades individuais. Porém, atualmente a tendência nos Estados Unidos é que o governo federal assuma, a cada vez mais, o poder em áreas que tradicionalmente eram de responsabilidade dos Estados. Assim, uma eventual supressão do sistema do Colégio Eleitoral arruinaria um dos principais pilares de uma estrutura política que, a despeito das críticas, tem resistido e superado os desafios no decorrer de mais de 220 anos.
7.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA
O sistema do colégio eleitoral atribui pesos diferentes para os votos: segundo o desenho atual, os votos dos Estados menores "valem" mais. Um eleitor dos Estados de Montana ou Dakota do Norte "vale" matematicamente muito mais que um voto de um eleitor dos Estados maiores, como Califórnia ou Texas.
O Modelo "Winner-takes-all" – o vencedor leva tudo - cria uma uniformidade local que, na verdade, não existe, uma vez que o candidato derrotado, mesmo tendo uma percentagem dos votos, não tem direito a nenhum delegado.
Esse sistema dificulta o surgimento de um terceiro partido. Na verdade, a base do sistema aponta para o bipartidarismo, já que, com um terceiro partido forte, ficaria muito difícil satisfazer a exigência da maioria absoluta para eleição do Presidente [14].
Há o risco de se eleger um presidente "minoritário", ou seja, que tenha tido menos votos populares, mas tenha sido vitorioso no Colégio Eleitoral.
Há também a possibilidade da ocorrência do chamado faithless elector (delegado infiel). É o caso de um delegado comprometido com um candidato, mas que, no Colégio Eleitoral, vota em outro candidato. Todavia, os votos desses delegados nunca chegaram a alterar o resultado final de nenhuma eleição.
Em geral, nas democracias vigora a regra que a maioria delibera; todavia, nas eleições presidenciais americanas nem sempre quem obtém a maioria dos votos populares será o vencedor. Este será aquele que obtiver a maioria dos votos dos delegados no Colégio Eleitoral. É o que ocorreu na eleição de 2000, em que o candidato Al Gore, embora tenha obtido cerca de 500 mil votos a mais, perdeu a eleição para George W. Bush, em face dos problemas de contagem de votos no Estado da Flórida [15].
Como regra, os eleitores votam em seus candidatos a presidente; nos Estados Unidos, o voto é dado aos delegados do Colégio Eleitoral nos Estados.


8) CONCLUSÃO
Na prática, os Estados Unidos não têm um único sistema eleitoral, mas dois: um para o Presidente da República e outro para os membros do Congresso, e ambos contribuem para a descentralização do poder.
A eleição presidencial não é uma eleição "nacional" em que vence o candidato que obtiver a maioria dos votos populares em toda a nação. É uma eleição federal que outorga a Presidência da República ao candidato que obtiver a maioria (270) dos votos dos 538 delegados do Colégio Eleitoral.

 
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O sistema majoritário uninominal para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos

Olivia Raposo da Silva Telles*

No próximo dia 7 de novembro, o eleitorado norte-americano vai eleger a nova Câmara dos Deputados (House of Representatives) e renovar um terço do Senado federal. O sistema eleitoral para eleição dos deputados federais nos Estados Unidos é majoritário uninominal, chamado erroneamente entre nós de sistema distrital. Sendo assim, cada Estado é dividido em tantos distritos quantos são os deputados a eleger, e cada distrito elege um único deputado. Para vencer a eleição, basta obter a maioria simples. Os deputados federais nos Estados Unidos são eleitos para exercer um mandato de dois anos, podendo se recandidatar.

Muito se tem discutido no Brasil sobre as vantagens e desvantagens desse sistema. Nos Estados Unidos, malgrado o sistema de governo presidencial, procurou-se assegurar a formação na Câmara dos Deputados de maiorias estáveis, por meio da instituição do sistema majoritário uninominal.

O número de deputados federais é fixado por lei e é de 435 desde 1912. A Constituição norte-americana de 1787 determina que cada um dos cinqüenta Estados tem direito a pelo menos uma cadeira na Câmara; as restantes são distribuídas entre os Estados proporcionalmente à sua população, de acordo com um censo populacional realizado a cada dez anos.

Nos EUA o sistema majoritário uninominal padece de um grave vício, que é o casuísmo no desenho dos distritos. Esse desenho é feito pelo partido dominante na Assembléia Legislativa dos Estados de modo a concentrar os eleitores do candidato do partido e dividir os eleitores do candidato do partido adversário. Essa manobra, apelidada de gerrymandering, tem ocorrido nos Estados Unidos no momento da redistritalização, que é feita a cada dez anos com base nos resultados do censo decenal. Isso porque a Suprema Corte consagrou, na primeira metade da década de 1960, o princípio "uma pessoa, um voto", e seu corolário, a regra de que os distritos devem ter o mesmo número de habitantes.

O termo gerrymandering surgiu em 1812, quando o governador de Massachusetts era Elbridge Gerry e seu partido controlava o legislativo estadual. Os legisladores da sua base de apoio redesenharam as divisas dos distritos senatoriais do Condado de Essex, de modo a forjar um distrito longo e estreito, esperando obter um número maior de cadeiras. Gerry não apreciou o mapa mas sancionou a lei assim mesmo. O novo formato do distrito lembrou ao chargista do jornal Boston Gazette uma salamandra. O jornal passou então a chamar o resultado daquela redistritalização de gerrymander, um trocadilho com o nome do governador. O neologismo entrou definitivamente para o vocabulário político do país, graças à repetição da prática ao longo desses quase duzentos anos.

A generalização do gerrymandering tem sido objeto de duras críticas nos Estados Unidos e também fora do país. Em 2001, um livro escrito pelo geógrafo Mark Monmonier1 demonstra como o sinuoso distrito desenhado em 1812 pelos correligionários do então governador Elbridge Gerry é bem menos problemático em sua forma, se não na intenção, do que as manipulações cartográficas encorajadas pelo Departamento de Justiça na administração Bush, com a ajuda de sofisticados programas de computador.

Em 2002, uma percuciente matéria publicada na revista The Economist demonstrou, com expressivos exemplos, que enquanto na maior parte das democracias os eleitores escolhem seus representantes, nos Estados Unidos cada vez mais é o contrário que acontece: os representantes desenham os distritos de forma a escolher seus eleitores. A crescente supressão da concorrência eleitoral nas eleições legislativas tem levado, como expõe a revista, a reeleições sucessivas e praticamente certas dos deputados, que se perpetuam no poder pelo efeito combinado da redistritalização manipulada e da maior facilidade para quem já está no cargo de levantar fundos de campanha.

Outros países em que vigora o sistema majoritário uninominal não padecem do mesmo mal. É o caso da França, onde o desenho dos distritos acompanha as divisões administrativas. Tal solução não é aplicável aos Estados Unidos, em razão do referido princípio "uma pessoa, um voto" e da regra de que os distritos devem ter todos o mesmo número de habitantes. Na França, o problema é justamente esse: os distritos são "naturais" mas por isso mesmo há distritos que são mais populosos do que outros.

Felizmente, como informa o Economist, alguns Estados, como Iowa, têm buscado moralizar o sistema, transferindo a atribuição de redesenhar os distritos a servidores públicos, que devem fazê-lo sem levar em conta os titulares de mandato eletivo nem os mapas eleitorais. Cinco outros Estados atribuíram a missão a comissões bipartidárias em que um membro independente tem o voto de Minerva. E, de fato, esses Estados têm tido eleições mais competitivas do que os demais. Só a pressão popular, conclui com razão a revista, poderia levar os políticos a renunciar ao poder de redesenhar distritos, o que se espera que aconteça até a próxima redistritalização, em 2010.

Em 2005, um editorial do jornal The New York Times posicionou-se a favor de um projeto de lei de iniciativa de um deputado federal do Tennessee, o democrata John Tanner, pelo qual a redistritalização ficaria a cargo de comissões não partidárias por força de lei federal, aplicável a todos os Estados. Nas palavras do jornal, nessas maquinações partidárias, os eleitores são os que perdem; a aprovação dessa medida iria aperfeiçoar grandemente a democracia americana.

No Brasil, em caso de eventual adoção de sistema que exija a redistritalização periódica (seja ele majoritário ou proporcional), a fixação do contorno dos distritos ou circunscrições teria forçosamente que ficar a cargo da Justiça Eleitoral, e não do Poder Legislativo, federal ou estadual.

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1Bushmanders & Bullwinkles – How Politicians Manipulate electronic Maps and Census Data to Win Elections, The University of Chicago Press, Chicago, 2001, 208 p.

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*Advogada (do escritório Silva Telles Advogados), doutora pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne) e autora da pesquisa “Direito Eleitoral Comparado – Brasil, Estados Unidos, França”, realizada sob os auspícios do IDPE (Instituto de Direito Político e Eleitoral)
Comédia política no Texas
Por Paulo Leite 15/05/2003 às 14:15
Para quem não sabe - e guardadas as devidas proporções -, o Texas é para os Estados Unidos o que a cidade de Itu é para o estado de São Paulo. Itu, claro, é aquela cidade onde tudo é grande. O Texas tem a mesma fama, porque realmente é um estado muito rico, principalmente por causa do petróleo, que Itu infelizmente não tem. Mas se Itu gerou inúmeras piadas no Brasil, o Texas está sendo palco de uma engraçadíssima farsa política, em que a polícia estadual (os famosos "Texas Rangers") passou um dia inteiro caçando 53 deputados fugitivos.
Vou tentar explicar. A Casa dos Representantes do Texas (equivalente às Assembléias Legislativas brasileiras) tem 150 deputados. 88 Republicanos, 62 Democratas. Os deputados deveriam votar, numa sessão que começou nesta segunda-feira, 12 de maio, vários projetos importantes. O mais polêmico trata de redivisão dos distritos eleitorais do estado. E aí começou a confusão. Os distritos atuais são altamente favoráveis para os Democratas, e não refletem a verdadeira posição política do estado, que é hoje marcadamente conservador. Os Republicanos elaboraram uma divisão distrital onde vai ser mais fácil eleger, lógico, candidatos Republicanos. Sabendo que iriam perder a votação, os Democratas desapareceram, para que não houvesse quorum na hora de iniciar a sessão. Os regulamentos exigem a presença de pelo menos 100 deputados.

Para entender esta ópera, é preciso lembrar que o voto nos Estados Unidos é distrital. Quer dizer, nas eleições estaduais, você vota apenas nos candidatos de seu distrito, não do estado inteiro. Cada estado é dividido em vários distritos. Alguns são nitidamente Democratas, principalmente aqueles onde há uma grande população negra ou predominam outras minorias. Outros, mais conservadores, votam maciçamente nos candidatos Republicanos. Em princípio, é um bom sistema. Mas, como todo sistema político, acaba sendo manipulado.

Como os distritos são "desenhados" pelas próprias Assembléias Legislativas estaduais, e devem ser revistos de tempos em tempos para acompanhar fluxos populacionais e outros fatores, os partidos majoritários na época do redesenho acabam manipulando a formação dos distritos para favorecer seus candidatos. Assim, distritos que originalmente deveriam ser quadrados ou retângulos facilmente distinguíveis no mapa de cada estado, acabam tomando as formas mais esdrúxulas, afinando-se ou alargando-se conforme a necessidade de incluir mais eleitores Democratas ou Republicanos, que os dois partidos fazem exatamente a mesma coisa, quando chega a vez deles. Outra característica do sistema eleitoral americano é que os eleitores, ao tirarem o equivalente do Título de Eleitor, se registram como Democratas, Republicanos ou independentes. Por isso, fica fácil manipular a formação dos distritos.

E é justamente de manipulação que os Republicanos do Texas estão sendo acusados pelos 53 deputados Democratas fujões. Que, afinal, foram encontrados no vizinho estado de Oklahoma, onde os Texas Rangers não podem tocá-los (os regulamentos eleitorais do Texas - e de outros estados - permitem que o presidente da Assembléia chame a polícia para encontrar os deputados ausentes às sessões de votação e trazê-los na marra). Hospedados num Holiday Inn e jogando conversa fora num Denny's, os deputados riam dos guardas texanos, que olhavam para eles do estacionamento do restaurante, sem poder fazer nada.

Por enquanto, o líder Tom Craddick conseguiu reunir 95 deputados. Furioso, ele passou a terça-feira ora acusando a oposição de agir como crianças, ora como covardes. Alguns deputados Democratas que permaneceram na capital texana, Austin, estão achando tudo uma palhaçada, e prometem fazer de tudo para convencer mais 5 colegas a darem as caras. É que a redivisão dos distritos eleitorais não é o único assunto pendente na Assembléia, que se reúne apenas a cada dois anos (não seria ótimo se fosse assim no Brasil?).

Quem está se divertindo com a comédia (além dos espectadores das TVs a cabo) é o governador do Oklahoma, o Democrata Brad Henry. Sem querer meter a colher na briga dos outros, ele declarou somente que "não temos nada contra os deputados texanos virem a nosso estado para gastar um pouco de dinheiro
O sistema eleitoral norte-americano e a eleição presidencial
Elaborado em 08.2008.
João Francisco Neto
Meste e Doutorando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP
SUMÁRIO: 1) Introdução. 2) Origens do Colégio Eleitoral. 3) A Evolução Histórica dos Partidos Políticos. 4) O Processo Eleitoral Atual. 4.1) A Indicação dos Candidatos pelos Partidos. 4.2) A Escolha dos Delegados nos Estados. 4.3) Os Superdelegados. 4.4) A Seleção das Pessoas que Atuarão como Delegados Partidários no Colégio Eleitoral. 4.5) A Eleição para Presidente e Vice-Presidente. 5) O Sufrágio: A Evolução Histórica e as Condições Atuais. 6) O Financiamento de Campanha. 7) Argumentos Pró e Contra o Sistema Norte-Americano. 7.1) Argumentos Favoráveis ao Sistema. 7.2) Argumentos Contrários ao Sistema. 8) Conclusão. Referências Bibliográficas.


1) INTRODUÇÃO
Nos EUA o Presidente e o Vice-Presidente da República são escolhidos por meio de eleição indireta, realizada pelo Colégio Eleitoral, de acordo com o procedimento fixado pelo artigo 2º da Constituição norte-americana, de 1787. Desde então, esse dispositivo sofreu apenas três alterações, por meio das seguintes Emendas constitucionais: Emendas XII (1804), XXII (1951) e XXIII (1961) [01].
O sistema político é federativo, e prevê elevada autonomia para cada um dos 50 Estados.
Não há uma totalização nacional dos votos dos eleitores na apuração das votações: a apuração é feita por Estados.
Os partidos políticos escolhem seus candidatos por meio de eleições primárias, realizadas nos Estados, sagrando-se vitorioso o candidato que obtiver o maior número de delegados nessas eleições primárias. Se o presidente disputa um segundo mandato, em geral não se realizam primárias para escolha do candidato. Normalmente a disputa pela indicação da candidatura é bastante acirrada e quase tão envolvente quanto a própria corrida presidencial.
A eleição presidencial é sempre realizada na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira do mês de novembro. Nesse dia, os eleitores votam em delegados que, por sua vez, integrarão o Colégio Eleitoral e ficarão comprometidos a votar no candidato de seu partido.
O número de delegados por Estado é fixado de acordo com a sua bancada na Câmara dos Representantes e no Senado. No total são 538 delegados: 435 (equivalente ao número de deputados federais), mais 100 (igual ao número de senadores), mais 3 delegados (representantes do Distrito de Colúmbia). O número de delegados poderá variar de acordo com o censo realizado a cada dez anos, quando poderá haver uma redefinição da representação na Câmara; o número de senadores é fixo: dois por Estado.


2) ORIGENS DO COLÉGIO ELEITORAL
Para melhor compreender as razões da existência do Colégio Eleitoral [02], é necessário, ainda que brevemente, examinar o contexto histórico e os problemas que os Founding Fathers, reunidos na Convenção da Filadélfia, tentavam solucionar para uma jovem nação que:
i) era composta por treze Estados, ciosos de seus direitos e prerrogativas, e que alimentavam suspeitas sobre qualquer governo nacional centralizado;
ii) era habitada por 4 milhões de pessoas, espalhadas ao longo da imensa costa atlântica, desprovida de rede de transportes e de comunicação, tanto assim que seria totalmente impraticável a realização de uma campanha eleitoral nacional;
iii) ainda sob influência da classe política britânica, acreditava que os partidos políticos fossem um mal; e
iv) acreditava que um homem honrado não deveria fazer campanha para obter um cargo público, segundo o ditado corrente à época: "O cargo deve procurar o homem; porém, o homem não deve procurar o cargo".
A questão que se punha então era a seguinte: como escolher um presidente sem a participação de partidos políticos, sem realização de campanha nacional e sem abalar o delicado equilíbrio existente entre a Presidência e o Congresso, por um lado, e entre os Estados e o Governo Central, por outro [03] ?
A Convenção Constitucional apreciou diversos métodos de escolha de um presidente.
A primeira idéia, a de que o presidente pudesse ser eleito apenas pelo Congresso Nacional, foi logo rejeitada.
A segunda proposta foi a de que a escolha fosse feita pelas assembléias estaduais. Essa idéia também foi afastada, sob o temor de que um presidente tão vinculado às assembléias estaduais poderia permitir o enfraquecimento da autoridade federal e, assim, comprometer todo o conceito de federação.
A terceira proposta foi a de que o presidente pudesse ser escolhido por meio de votação popular direta. A eleição direta foi rejeitada pelos constituintes não somente porque duvidavam da inteligência do povo, mas também porque temiam que, sem informação suficiente sobre os candidatos de fora do Estado, as pessoas escolhessem, naturalmente, um favorito de seu próprio Estado ou região. Na pior das hipóteses, nenhum presidente emergiria com apoio popular suficiente para governar todo o país. Por outro lado, a tendência era que a escolha do presidente fosse sempre decidida pelos Estados maiores e mais populosos, relegando os pequenos Estados a um papel sem importância.
Finalmente, o Comitê dos Onze (Committee of Eleven) da Convenção Constitucional propôs o modelo de eleição indireta, a ser realizada pelo Colégio Eleitoral. A idéia fundamental era a de que a escolha fosse feita pelos indivíduos mais sábios e preparados de cada Estado, com base no mérito, e independentemente do Estado de origem.
Muitos historiadores afirmam que o Colégio Eleitoral foi criado como uma espécie de "freio" à democracia direta. Alguns dos Founding Fathers, especialmente os mais elitistas, como Alexander Hamilton, temiam que uma regra da maioria, ou seja, da massa popular (mob rule), pudesse facilitar o surgimento de candidatos demagogos [04].
Os framers americanos, muitos dos quais versados em filosofia e adeptos das idéias do Iluminismo [05], iniciaram os trabalhos de elaboração da Constituição baseados nos ideais enumerados por John Locke, em sua obra "Dois Tratados sobre o Governo". Foi proposto um modelo de Colégio Eleitoral que se assemelhava ao sistema de Assembléias Centuriais da República Romana. Segundo o sistema romano, os cidadãos adultos (somente homens), de conformidade com sua riqueza, eram divididos em grupos de 100 (chamados de "centúrias"). A cada um desses grupos era atribuído o direito de proferir apenas um voto, a favor ou contra, as propostas apresentadas pelo Senado Romano. No Colégio Eleitoral americano, os Estados desempenhariam o papel dos grupos centuriais, embora não fosse aplicado aqui o critério de riqueza. O número de votos por Estados seria determinado de acordo com o tamanho da representação no Congresso.
Chegou-se então a um modelo de eleição indireta, com forte participação dos Estados, representados no Colégio Eleitoral de acordo com a sua bancada parlamentar no Congresso, e, como queriam os convencionais, sem votação direta do povo.


3) A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS
A princípio, os Fundadores opunham-se à existência de partidos políticos, sob a alegação que eles tendiam a se constituir em facções que acabariam por manipular a independência do voto dos eleitores. Como não vislumbravam, e nem desejavam, nenhum papel para os partidos políticos, os framers montaram uma série de arranjos constitucionais para isolar a nova república da influência de partidos e facções políticas, por meio da separação de poderes entre executivo, legislativo e judiciário, pelo federalismo, e pela eleição indireta do Presidente da República.
Contudo, já por volta do início do século XIX, os partidos políticos haviam se tornado uma das mais importantes instituições políticas norte-americanas, e muitos dos Fundadores acabaram por se filiar a eles. Desde os anos 1850, quando se deu a formação do Partido Republicano, a cena política americana tem sido dominada por dois importantes partidos políticos: o Democrata e o Republicano.
Ao longo da História americana sempre houve dois partidos políticos principais. O início se deu com os Federalistas [06] e os Anti-Federalistas [07], a partir de 1796.
De forma breve, os Federalistas foram criados por Alexander Hamilton, de Nova York, e seus seguidores. Eles advogavam um poder central forte, presidido pelas classes mais educadas. Inclinavam-se pelos Federalistas os grandes comerciantes, industriais e exportadores da costa leste e das áreas urbanas. Hamilton achava que a nova nação poderia beneficiar-se, caso mantivesse vínculos estreitos com a Inglaterra. Os Federalistas apoiavam a ratificação da Constituição.
Já os Anti-Federalistas eram comandados por Thomas Jefferson, um aristocrático produtor rural da Virgínia. Ele considerava que a agricultura deveria ser a base da economia americana. Era apoiado pela classe média e pelos pequenos agricultores. Mais tarde, quando se tornou Presidente, esse Partido veio a ser conhecido como Partido Republicano Democrático. Jefferson, que considerava que o melhor governo seria o governo mínimo, apoiava a idéia de um governo central fraco e governos estaduais autônomos. O Partido apoiava os ideais da Revolução Francesa. Em virtude dos esforços do Partido Republicano Democrático para enfraquecer os Federalistas, em 1824 esse último partido deixou de existir.
No curso das eleições de 1828, o Partido Republicano Democrático dividiu-se em duas facções: uma delas formou o Partido Republicano Nacional, que foi absorvido pelo Partido Whig, em 1834; a outra facção deu origem ao atual Partido Democrata. Daí então que se afirma que o Partido Democrata atual tem origem no chamado "Jeffersonian Republic Party", como também era conhecido o Partido Republicano Democrático.
A princípio, o Partido Democrata era apoiado por grupos tão diversos quantos proprietários rurais do Sul e trabalhadores imigrantes do Norte. O Partido oponente era o Whig (partido protecionista), fundado em 1833 por Henry Clay, dispersou-se por volta de 1853.
Já o Partido Republicano tem origem numa coalizão formada em 1854 por facções oriundas dos Partidos Whig, Free-Soil e Know-Nothing. Os primeiros Republicanos uniram-se contra idéia de expansão da escravatura para os territórios do Oeste.
A Guerra Civil e o período da reconstrução que se seguiu serviram para solidificar a estrutura do Partido Republicano. A maioria dos soldados que lutaram pelos Estados do Norte era composta por republicanos, e, após o término da Guerra de Secessão, pelo menos uma geração seguinte de republicanos continuou vangloriando-se do seu fervor patriótico, ao mesmo tempo em que acusava os Democratas de traidores e amigos dos Estados do Sul.
Os Democratas recusaram-se a aceitar a necessidade de conceder mais poder ao Governo Central para fazer frente aos esforços da Guerra Civil (1860-1865), que havia se iniciado durante o governo de Abraham Lincoln, do Partido Republicano. Os Democratas resistiam fortemente aos propósitos do Governo (Republicano) de aumentar impostos para financiar a guerra. Eram contrários também à abolição da escravatura.
Os republicanos passaram então a acusar os Democratas de deslealdade e fizeram disso um slogan de campanhas políticas, utilizado pelo restante do século XIX. Os Democratas só foram conseguir maioria na Câmara em 1874 e conquistar a Presidência da República novamente apenas em 1884.
Esse quadro só veio a se alterar com o advento da Grande Depressão [08], nos anos 1930, com a derrota do sonho americano de prosperidade ilimitada, naufragou também a confiança americana no Partido Republicano. O desastre econômico e as enormes taxas de desemprego que se seguiram arrasaram todas as propostas do Partido Republicano, que se opunha ferreamente à política do New Deal. Os Democratas utilizaram-se intensamente dessa situação e conseguiram manter-se no poder por um longo período, com os Presidentes Franklin D. Roosevelt (1933-1945) e Harry Truman.(1945-1953).
No aspecto político-partidário, os reflexos da Depressão americana foram duradouros, sentidos há bem pouco tempo: de 1932 a 1980, os Republicanos tiveram o controle do Congresso por apenas 4 anos, ao passo que ganharam a Presidência da República somente em 4 eleições: 1952, 1956, 1968 e 1972. Com o advento da Era Reagan, o Partido Republicano experimentou uma espécie de renascimento.


4) O PROCESSO ELEITORAL ATUAL
4.1 A INDICAÇÃO DOS CANDIDATOS PELOS PARTIDOS
O longo processo eleitoral para a Presidência da República nos Estados Unidos inicia-se quando um político declara ao partido sua intenção de participar do processo de indicação do candidato. Em geral esse postulante a candidato monta um comitê, onde testa suas chances na disputa e, após a inscrição na agência federal reguladora FEC (Federal Election Comission), poderá iniciar a arrecadação de fundos para a sua campanha eleitoral. Declarada formalmente sua intenção de participar da indicação, poderá então dar início à campanha. Normalmente, a campanha se inicia pelos Estados considerados cruciais para a disputa.
O processo de indicação dos candidatos não está incluído na Constituição, ficando a cargo dos Estados e dos regulamentos dos próprios partidos políticos.
Durante a temporada das eleições primárias, que se inicia em janeiro e se estende até junho, os candidatos dos dois principais partidos políticos – Democrata e Republicano – lutam para obter a indicação para concorrer à eleição para Presidente da República.
Nesse procedimento, os eleitores dos 50 Estados escolhem delegados partidários, que apoiarão um determinado candidato. Para a escolha desses delegados os Estados utilizam-se de eleições primárias ou caucus (prévias), que diferem em seus procedimentos [09].
Nos caucus, os eleitores reúnem-se em casas, escolas ou outros edifícios públicos, localizados em diversos distritos pelo território do Estado. Lá, em meio a discussões sobre os candidatos e temas eleitorais, elegem os delegados para as convenções dos condados. Essas convenções, por sua vez, elegem delegados para as convenções estaduais, de onde sairão os delegados nacionais.
Nos caucus democratas não há votação por cédulas; as decisões se dão por grupos de pessoas que se aglutinam em torno de determinados candidatos, para, publicamente, manifestar sua preferência.
Nos caucus do partido republicano os eleitores participam de uma votação secreta, cujo resultado definirá os candidatos escolhidos.
Todavia, esses procedimentos podem diferir de um Estado para o outro, uma vez que a Constituição atribuiu aos Estados o poder de fixar as normas eleitorais.
Nas eleições primárias permite-se que todos os eleitores registrados no Estado votem diretamente em seu candidato preferido. Todavia, existem três tipos de primárias: 1º) primárias fechadas, nas quais os eleitores só podem participar da escolha do partido em que estão registrados; 2º) primárias abertas, em que os eleitores podem votar na escolha de qualquer partido; podendo fazendo, no entanto, em apenas uma primária; e 3º) primárias em que os eleitores podem votar nos candidatos dos dois partidos. Essas últimas são mais raras.
O intrincado processo eleitoral americano contempla alguns fatos curiosos: os pequenos Estados de Iowa (3 milhões de habitantes) e de New Hampshire (1,3 milhão) têm leis que asseguram que suas primárias sejam realizadas em primeiro lugar. Os dois Estados têm um acordo e, tradicionalmente, o primeiro caucus ocorre em Iowa [10].
O fato de serem os primeiros atrai a atenção do noticiário, em proporção bem mais significativa do que normalmente seria, em vista do tamanho desses Estados. Por outro lado, o fato de um candidato conseguir amealhar um grande número de delegados que lhe garanta antecipadamente a indicação tornará irrelevantes as disputas nos demais Estados.
Grande parte das primárias é realizada após o dia 5 de fevereiro, até o início de março, no dia em que se convencionou denominar de "Super Terça-Feira". Nesse dias são realizadas primárias num grande número de Estados, de diversas regiões do país e com perfis econômicos e sociais diferenciados. Para os candidatos à corrida presidencial norte-americana, a "Super Terça" representa o primeiro teste eleitoral nacional. Neste ano de 2008, na "Super Terça", que ocorreu no dia 5 de março, participaram 24 Estados, dentre os quais a Califórnia, Illinois, Nova York e Nova Jersey.
4.2 A ESCOLHA DOS DELEGADOS NOS ESTADOS
O número de delegados por Estado é determinado pela soma do número de senadores (2) mais a bancada de deputados federais, que varia conforme a população, apurada por censos deceniais.
A partir da XXIII Emenda (1961), o Distrito de Colúmbia passou a ter direito a indicar um numero de delegados, em quantidade nunca inferior à do Estado menos populoso. Atualmente o Distrito de Colúmbia conta com três delegados.
Segundo a Constituição, os delegados serão indicados na forma prevista pela Assembléia Estadual. Desta feita, há quatro procedimentos principais:
1º) Indicação direta pelo Legislativo Estadual: a Assembléia Legislativa Estadual indica os delegados, sem o voto popular. Era o sistema adotado por mais de um quatro dos Estados até as eleições de 1824. A Carolina do Sul adotou esse método até o ano de 1860. Atualmente não é mais utilizado.
2º) O vencedor leva tudo (winner-takes-all): o Estado realiza uma votação popular e o partido que obtiver a maioria dos votos indica todos os delegados daquele Estado. É o sistema adotado hoje por quase todos os Estados. Apenas dois não o adotam (Maine e Nebraska). Esse método permite que um candidato que tenha mais votos populares em todo o país possa não ser eleito, se perder nos Estados com mais delegados. Isso já ocorreu três vezes desde 1787, a última delas na eleição de 2000.
3º) Por distritos eleitorais: A Assembléia Estadual divide o Estado em distritos eleitorais, atribuindo a cada um deles um delegado. O partido do candidato vencedor em determinado distrito indica o respectivo delegado. Esse sistema, que foi adotado por alguns Estados até 1824, hoje não é mais utilizado.
4º) Método Maine: por esse modelo os votos populares são apurados em 1 distrito senatorial e em diversos distritos congressuais. O "distrito senatorial" corresponde ao Estado inteiro. O partido vencedor indica os dois delegados, que correspondem ao número de Senadores. Os "distritos congressuais" correspondem aos distritos pelos quais são eleitos os Deputados. O partido vencedor indica o respectivo delegado. Esse sistema é adotado apenas por dois Estados: Maine (desde 1972) e Nebraska (desde 1996).
4.3 OS SUPERDELEGADOS
Diferentemente dos delegados convencionais, os chamados "superdelegados" não são escolhidos na nas prévias e nas primárias de cada Estado. A maioria dos superdelegados tem assento automático, baseado tão-somente na sua condição dentro do partido, ou mesmo em virtude de ser um antigo líder partidário, ou ainda, uma autoridade eleita.
Em inglês, a sigla utilizada para designar os superdelegados é "PLEO" (Party Leaders and Elected Officials). Alguns são escolhidos durante o processo das primárias. A principal característica dos superdelegados é que eles são livres para apoiar qualquer um dos candidatos do Partido.
O Partido Democrata não utiliza o termo "superdelegado", mais empregado pela própria mídia. Esses delegados não-comprometidos (unpledged) podem ser de duas categorias:
1ª) Superdelegados que têm assento com na sua condição de dirigente partidário ou ocupante de cargo eletivo (Cláusula 9.A do Regulamento do Partido Democrata); e
2ª) Superdelegados selecionados pelas diretivas estaduais do Partido Democrata, e que não necessitam ser dirigentes do partido ou ocupar função eletiva (Cláusula 9.B).
O Partido Republicano também indica alguns dirigentes partidários para exercer a função de delegados, sem necessidade de aprovação nas prévias ou primárias, porém o termo "superdelegado" é mais aplicado apenas ao Partido Democrata.
Na Convenção Nacional do Partido Democrata de 2008 o número de superdelegados será de aproximadamente 20% do total de delegados. Sempre que os candidatos conseguem um número expressivo de delegados durante a campanha, de forma que não se pode antecipadamente vislumbrar o candidato vencedor, a autuação dos superdelegados reveste-se de uma maior importância.
Na eleição presidencial de 1984, concorriam pela indicação pelo Partido Democrata Gary Hart e Walter Mondale. Nas eleições primárias ambos conseguiram importantes vitórias, de forma que Mondale encerrou o processo com uma pequena margem de vantagem. Entretanto, com o apoio de quase todos os superdelegados, obteve a indicação para a candidatura.
Ao contrário, nas eleições de 2004, o pré-candidato Howard Dean obteve a liderança de votos pelo Partido Democrata, com base no apoio de superdelegados, antes mesmo da realização da primeira prévia. Todavia, depois de uma sucessão de vitórias em prévias e primárias, John Kerry obteve a indicação.
O tema da escolha dos superdelegados não é pacífico, principalmente dentro do Partido Democrata, tanto que várias alterações têm sido feitas ao longo das últimas décadas.
Já em 1968, a Convenção Nacional do Partido Democrata fez alterações no processo de escolha dos delegados, que era baseada nos trabalhos da Comissão McGovern-Fraser. O propósito dessas alterações era tornar a composição do quadro de delegados à convenção menos sujeita ao controle dos líderes partidários.
O Partido Democrata constituiu uma Comissão, presidida pelo então Governador do Estado da Carolina do Norte, Jim Hunt. A Comissão Hunt propôs que a Direção Nacional do Partido Democrata reservasse alguns cargos de delegados para membros do Partido ocupantes de cargos no Congresso Nacional e Presidentes e Vice das Executivas Estaduais. De acordo com a proposição da Comissão Hunt, esses superdelegados seriam 30% do total de delegados, mas, quando foi finalmente implementada nas eleições de 1984, esse número caiu para 14%. Esse índice têm gradativamente aumentado, e hoje alcança a cifra de 20%.
Nas eleições de 1984, apenas os presidentes e vice das executivas estaduais tinham o direito assegurado ao status de superdelegado. As vagas remanescentes seriam preenchidas de maneiras: os membros do Partido, ocupantes de cargos no Congresso Nacional, ficariam com 60% das vagas, e, as demais seriam atribuídas às executivas estaduais, que poderiam então indicar, prioritariamente, os governadores dos Estados e os prefeitos das grandes cidades.
Em 1988, esse processo sofreu uma simplificação: aos ocupantes de cargos no Congresso Nacional foi permitida a indicação de 80% do total de superdelegados. Tinham assento assegurado nessa condição todos os membros da Executiva Nacional e todos os Governadores Democratas, bem como os líderes notáveis do Partido, passando a valer, essa última condição apenas a partir de 1996.
A partir de 1992, passaram a ser admitidos na condição de superdelegados outros líderes partidários estaduais e ocupantes de cargos eletivos, não incluídos nas categorias já mencionadas.
E, finalmente, a partir de 1996, foi garantida a condição de superdelegados a todos os membros do Partido Democrata que fossem ocupantes de cargos no Congresso Nacional.
O termo "superdelegado" foi forjado como crítica aos delegados não-compromissados, uma vez que esses delegados teriam mais poder do que outros, por conta de sua ampla liberdade de escolha na votação para indicar o candidato do partido.
O Partido Democrata tem sofrido acusações de conduzir o seu processo de indicação de forma não-democrática, já que os superdelegados são escolhidos independentemente de suas preferências eleitorais e não estão obrigados a apoiar o candidato escolhido pelos eleitores.
Atualmente, no Partido Democrata, o número de superdelegados é de 796 membros e o de delegados compromissados de 3.438, o que perfaz um total de 4.234 delegados aptos a votarem na Convenção Nacional do Partido. Para obter a indicação do Partido Democrata para concorrer à eleição presidencial, o candidato deve obter o voto de 2.118 delegados.
Relativamente à disputa atual, segundo fontes da impressa, o candidato Barack Obama, tendo conseguido 2.156 delegados a seu favor, assegurou o direito à indicação para concorrer à eleição para Presidente da República, pelo Partido Democrata.
Pelo Partido Republicano já havia sido assegurado ao candidato John McCain o direito de obter a indicação para concorrer pela eleição presidencial, tendo obtido os votos de 1.266 delegados, de um total de 2.380.
4.4 A SELEÇÃO DAS PESSOAS QUE ATUARÃO COMO DELEGADOS PARTIDÁRIOS NO COLÉGIO ELEITORAL
As pessoas que exercerão a função de Delegado [11] no Colégio Eleitoral são selecionadas de acordo com as leis estaduais e as regras dos partidos políticos. Esses critérios podem sofrer variações de acordo com o Estado.
Em geral, os partidos políticos indicam pessoas que integrem seus quadros dirigentes, ou que ocupem cargos políticos, ou antigos membros do Congresso, ou ainda, em recompensa por serviços prestados ao partido ou que tenham afinidades políticas com o candidato que disputará a eleição.
Não há muitos requisitos legais para se exercer a função de delegado, ficando, como já apontado, a critério dos Estados o poder para a fixação das normas. Entretanto, a Constituição Federal indica a única limitação, em seu art. II, seção 1: não poderá ser nomeado exercer as funções de delegado nenhum Senador, Deputado Federal, ou pessoa que exerça cargo de confiança no governo dos Estados Unidos.
No Estado da Califórnia há a exigência de que a pessoa indicada para exercer as funções de delegado seja um eleitor regularmente inscrito no condado de sua residência, porém não há nenhuma restrição acerca obrigatoriedade de filiação partidária.
Num ano de eleição geral, a convenção partidária que apontar os candidatos a Presidente da República e a Vice deverá selecionar também seus candidatos a delegados no Colégio Eleitoral. Os nomes e os dados desses candidatos a delegados constarão de uma lista, a ser entregue à Secretaria de Estado, dentro um prazo nunca superior aos 30 dias seguintes ao do término da Convenção Estadual.
Como se vê, na eventualidade de o candidato sagrar-se vitorioso na eleição realizada no âmbito do Estado, as pessoas previamente indicados pelo partido político é que serão os delegados no Colégio Eleitoral. Haverá tantos delegados quantos forem os representantes parlamentares de determinado Estado. Por exemplo, no Estado da Califórnia, que detém 53 representantes na Câmara e 2 senadores, cada partido deverá indicar o nome de 55 pessoas que poderão atuar como delegados perante o Colégio Eleitoral, na eventualidade de o partido vencer as eleições naquele Estado.
Importante esclarecer alguns pontos: uma coisa é exercer a função de delegado na convenção partidária que escolherá o candidato do partido para concorrer à eleição presidencial, e outra coisa é exercer a função de delegado no Colégio Eleitoral. Em inglês, o delegado à convenção partidária é denominado de "delegate", e, o delegado ao Colégio Eleitoral, "elector".
Isso significa que os delegados obtidos por um pré-candidato à indicação partidária não tem nada a ver com os delegados escolhidos para atuar no Colégio Eleitoral. Daí que, no caso dos candidatos independentes, não há delegados à convenção partidária, uma vez que o candidato, sendo independente, obviamente não é filiado a nenhum partido.
Entretanto, os candidatos independentes, na eventualidade de ganharem a eleição em determinado Estado, terão direito a todos os delegados previstos para aquele Estado (os Electors, que atuarão no Colégio Eleitoral). Assim, se porventura um candidato independente obtiver a maioria dos votos do Estado da Califórnia, terá direito à totalidade dos 55 delegados no Colégio Eleitoral, segundo a regra do winner-takes-all ("o vencedor leva tudo").
Para tanto, no prazo de até 70 dias antes das eleições gerais, realizadas em novembro, o candidato independente a Presidente da República deverá preencher e entregar na Secretaria de Estado sua lista de delegados, que escolhidos, na eventualidade desse candidato ganhar a eleição no Estado.
4.5 A ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE
A eleição presidencial é realizada sempre na primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro. Em 2008 ocorrerá em 4 de novembro.
O Colégio Eleitoral é formado pelos delegados indicados por cada um dos 50 Estados e pelo Distrito de Colúmbia. Atualmente são 538 delegados.
Cada um dos delegados tem direito a um voto para Presidente e a um voto para Vice. Os votos são dados separadamente. Tanto o Presidente quanto o Vice devem ser eleitos por maioria absoluta, ou seja, o candidato eleito deve receber pelo menos 270, dos 538 possíveis.
O Colégio Eleitoral não chega a se reunir; os votos dos delegados são enviados ao Senado pelo correio. Em sessão conjunta do Senado e da Câmara, o presidente do Senado (cargo ocupado pelo Vice-Presidente) faz a contagem dos votos e divulga o resultado.
Os candidatos que obtiverem a maioria absoluta são eleitos. Caso nenhum candidato a Presidente obtenha a maioria absoluta, a Câmara dos Deputados escolherá o Presidente dentre os três mais votados. A escolha também será por maioria absoluta. Nessa fase, cada Estado, representado por sua bancada parlamentar deverá depositar um único voto. Assim, a Califórnia, com 53 deputados federais, terá direito a um único voto. A maioria absoluta será alcançada pelo candidato que obtiver 26 votos, dos 50 possíveis. Nessa fase, é grane a possibilidade serem eleitos Presidente e Vice de partidos diferentes.
O Distrito de Colúmbia não participa dessa votação, haja vista que, embora, pela XXIII, tenha sido agraciado com a participação no Colégio Eleitoral, não tem representação parlamentar no Congresso.
Caso nenhum dos candidatos a Vice-Presidente consiga a maioria absoluta [12], o Senado, por maioria absoluta, escolherá o Vice-Presidente dentre os dois candidatos mais votados.
Antes da XII Emenda (1804) o sistema era diferente: cada delegado tinha direito a dois votos para Presidente. O mais votado era eleito, e o segundo colocado era eleito para Vice. Os problemas ocorridos nas eleições de 1796 e 1800 [13] levaram à aprovação da XII Emenda.
A Constituição não vincula expressamente o voto dos delegados à vontade dos partidos, já que, a princípio, foram concebidos como agentes livres, pois nem havia partidos políticos. Assim, é possível que um delegado de um partido vote em candidato de outro partido, ou mesmo que não vote em ninguém. Segundo Marcelo Passamani Machado ("Sistema Eleitoral Norte-Americano"), isso já ocorreu 158 vezes. Esses votos sempre foram aceitos, à exceção da eleição de 1872.
Caso nenhum candidato tenha conseguido a maioria absoluta, seja no Colégio Eleitoral, seja na Câmara dos Deputados, no dia 20 de janeiro do ano subseqüente ao da eleição, o Vice-Presidente eleito assumirá na condição de Presidente, até que a Câmara chegue a uma decisão. Caso não tenha sido eleito também o Vice-Presidente, o presidente da Câmara dos Deputados atuará como Presidente da República, até que a Câmara tenha condições de votar e eleger o Presidente. Se porventura o Presidente da República tiver sido eleito, mas não o Vice, o Presidente então indicará o Vice, ficando esta decisão para ser ratificada pelo Congresso.


5) O SUFRÁGIO: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E AS CONDIÇÕES ATUAIS
O exercício do voto é facultativo nos EUA. Há a proibição de discriminação com base na raça (XV Emenda, de 1870), sexo (XIX Emenda, de 1920), na condição financeira – poll taxes – (XXIV Emenda, de 1964) e por idade (XXVI Emenda, de 1971). A idade mínima para votar é de 18 anos.
Originalmente, a Constituição previa um grau limitado de participação popular no processo eleitoral, ao exigir que os membros da Câmara dos Representantes fossem eleitos por delegados que tivessem as qualificações exigidas pelas Assembléias Estaduais, e que os senadores fossem eleitos pelas próprias Assembléias Estaduais, e, ainda, que os delegados à eleição para Presidente fossem escolhidos de uma forma tal que esse processo fosse dirigido pelos Legislativos Estaduais.
Antes da Guerra Civil (1860-1865), por ação dos Estados, o direito de voto estava assegurado apenas aos cidadãos brancos, do sexo masculino, com idade igual ou superior a 21 anos, e a alguns cidadãos negros, nos Estados que não mantinham a escravidão.
Após a Guerra Civil, o Congresso e os Estados, por meio de uma série de emendas e leis, gradualmente estenderam essa franquia. Daí que:
i) pela XV Emenda (1870), foi garantido o direito ao voto, independentemente de raça, cor, ou prévia condição de servidão;
ii) pela XVII Emenda (1913), foi assegurada a votação direta para Senador;
iii) pela XIX Emenda (1920), foi estendido o direito de voto às mulheres; iv) pela XXIII Emenda (1961), concedeu-se o direito de voto aos cidadãos do Distrito de Colúmbia;
v) pela XXIV Emenda, ficou proibido o pagamento de qualquer taxa, como pré-requisito para o exercício do voto nas eleições federais; e
vi) pela XXVI Emenda, foi estendido o direito de voto aos cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos.
Desde 1957, o Congresso tem aprovado leis para eliminar a discriminação racial no processo eleitoral, dentre as quais as mais notáveis são chamadas Leis de Direitos Civis ("Civil Rights Acts") de 1957, 1960 e 1964. Desde 1965 o Congresso aprovou a Lei dos Direitos de Voto ("Voting Rights Act"), que suspendeu, por um período estabelecido, a aplicação de todos os testes e mecanismos similares, que eram utilizados para discriminar os grupos raciais minoritários, particularmente os negros, que, diante dos obstáculos forjados, ficavam impedidos de votar. Em 1970, o Congresso estendeu por mais um período a suspensão dos testes que haviam sido proibidos em 1965, ao mesmo tempo em que reduziu as exigências, impostas pelos Estados, relativamente ao domicílio, como pré-requisito para votas nas eleições presidenciais.
As implicações raciais em relação ao processo eleitoral vinham se arrastando nos Estados Unidos desde o final do séc. XVIII. Em meio aos trabalhos da Convenção da Filadélfia (1787), os representantes sulistas, embora não tivessem nenhuma intenção de permitir que seus escravos votassem, gostariam que eles fossem, numericamente, levados em conta para aumentar a representação da bancada parlamentar no Congresso, evitando, assim, a dominação política dos Estados do Norte, mais populosos.
Assim, desejavam criar um sistema eleitoral que não fosse baseado na votação individual, mas sim na representação parlamentar, o que traria mais poder ao Sul. Os convencionais que representavam os Estados do Norte, ainda que contrariados pela possibilidade do aumento de poder político do Sul, concordaram com a medida. Porém, foi adotado um compromisso, denominado de "Compromisso dos 3/5" ("3/5 Compromise"), por meio do qual o escravo, para os propósitos de definição do tamanho da representação política, seria contado como se valesse 3/5 de uma pessoa.
Dos 55 participantes da Convenção Constitucional da Filadélfia, 25 eram proprietários de escravos, nos Estados do Sul; o próprio Thomas Jefferson era detentor de um grande número de escravos.
Após o acordo que resultou no "3/5 Compromise", os convencionais, constrangidos diante da possibilidade de ter de lançar a expressão "escravo" no texto da Constituição, resolveram que a redação constitucional faria menção a "pessoas livres" e a "mais três quintos de todas as outras pessoas". Obviamente que, de forma ainda que um tanto arrevesada, ficaria subentendido que, se alguém fosse uma "outra pessoa", obviamente não seria uma "pessoa livre", mas sim um escravo.
Quanto ao sufrágio passivo, podem ser candidatos os membros dos partidos, bem como os independentes.
Os requisitos para se candidatar ao cargo de Presidente da República nos Estados Unidos são: a) ser cidadão americano nato; b) ter pelo menos 35 (trinta e cinco) anos de idade; c) ser residente nos Estados Unidos por pelo menos 14 (quatorze) anos.
Os requisitos para a Vice-Presidência são os mesmos para Presidente, e, além disso, o candidato a vice não pode ser proveniente do mesmo Estado do Presidente.
O candidato ao cargo à Câmara dos Deputados deve ter pelo menos 25 (vinte e cinco) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 7 (sete) anos e ser residente legal no mesmo Estado para o qual concorrerá a uma cadeira no Parlamento.
Para o Senado, o candidato deve ter pelo menos 30 (trinta) anos de idade, ser cidadão americano há pelo menos 9 (nove) anos e ser residente legal no Estado que deseja representar.
De acordo com a XXII Emenda à Constituição dos EUA (ratificada em 1951), é vedado a qualquer candidato ser eleito Presidente da República por mais de duas vezes. Todavia, a Constituição não impõe nenhuma limitação em relação à reeleição sucessiva aos cargos de deputados e senadores.


6) O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA
Nas eleições americanas poderá haver tanto financiamento público quanto privado (hard money e soft money) Porém, o candidato deverá optar por apenas um deles.
Desde 1976, os candidatos às eleições presidenciais podem habilitar-se ao sistema de financiamento público, por meio do qual o governo disponibiliza recursos para as campanhas.
Até as eleições de 2000, em geral, os candidatos participavam desse sistema, recebendo recursos governamentais, comprometendo-se a não gastar mais do que um valor especificado.
Todavia, em virtude da limitação dos gastos a serem financiados por fundos públicos, esse sistema tem sido deixado de lado. A partir das eleições de 2000, tem havido uma tendência no sentido de os principais candidatos renunciarem ao financiamento público para as eleições primárias, somente recebendo recursos públicos para as eleições gerais.
Os gastos são elevados: em 2004, a campanha para reeleição Presidente George W. Bush captou, de recursos privados, 270 milhões de dólares; seu adversário, o democrata John Kerry, arrecadou 235 milhões de dólares.
O levantamento de fundos para campanhas políticas é regulado por lei federal. Em geral, um candidato a Presidente da República deve estruturar sua campanha mediante a abertura de um comitê político, que será registrado perante uma agência federal denominada de "Federal Election Comission" (FEC). A despeito do nome, essa comissão supervisiona apenas o aspecto legal do financiamento das campanhas políticas, e não as eleições propriamente ditas, que ficam a cargo dos Estados, ainda que sejam eleições aos cargos federais.
Assim que obtiver o registro na Comissão Eleitoral, candidato pode iniciar o levantamento de fundos para sua campanha política. Esses fundos deverão ser informados à FEC, quinzenalmente, ou mensalmente. Atualmente esses dados são manipulados por meio de planilhas eletrônicas, e estão disponíveis ao público na internet, na página eletrônica da FEC (www.fec.gov). Além disso, diversas organizações mantêm sites na internet para monitorar as contribuições e os gastos de campanhas declarados pelos candidatos.
O financiamento privado das campanhas pelo denominado método hard money tem as seguintes características: as doações devem ser diretas aos candidatos que concorrem às eleições federais; devem ser devidamente declaradas pelo candidato, mediante a divulgação dos nomes dos doadores; há limites para esse tipo de doação; gastos superiores a 200 dólares devem ser declarados.
Já o financiamento de campanha denominado de soft law apresenta a seguinte configuração: são doações indiretas às campanhas dos candidatos; não-reguladas por lei e que só podem ser utilizadas na realização de atividades cívicas, tais como comitê de registro de eleitores, atividades exercidas nos edifícios do partido e para fazer frente aos gastos administrativos em apoio apenas aos candidatos às eleições locais e estaduais, vedada a utilização para os candidatos aos cargos federais..


7) ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA O SISTEMA NORTE-AMERICANO
7.1 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS AO SISTEMA
O Presidente é eleito com apoio difundido por todo o território do país, desta forma, contribuindo então para a coesão da Nação.
O sistema respeita o Federalismo, uma vez que cada Estado escolha o processo como indica seus delegados.
Isola os problemas relacionados às fraudes, bem como ameniza os efeitos de catástrofes naturais (o processo realiza ao longo do ano).
Aponta para a estabilização política da nação, na medida em que fortalece o sistema bi-partidário. Em toda a história americana, o sistema de Colégio Eleitoral tem tornado mais difícil a vitória de um candidato de um partido minoritário, ou de um terceiro partido na corrida presidencial. O sistema de dois partidos impõe uma dose de moderação na política americana, na em que desencoraja movimentos extremistas, já que um candidato extremista poderia até conquistas os votos de alguns Estados, mas provavelmente não seriam suficientes para conquistar a Presidência da República.
Mantém um sistema federativo de governo e de representação. Trata-se de importante aspecto do federalismo americano a inclusão dos 50 Estados na escolha do Presidente. Esse sistema confere a cada Estado um número de votos eleitorais equivalente ao número total de seus membros no Congresso Nacional.
O Colégio Eleitoral força os candidatos a manter contato fora dos grandes centros populacionais e fazer campanha em lugares que seriam ignorados num sistema de eleição direta.
Por outro lado, o Colégio Eleitoral também torna muito menos provável a eleição de um candidato com base estritamente regional, uma vez que nenhuma região dos Estados Unidos, sozinha, reúne votos eleitorais suficientes para determinar a eleição de um presidente.
Ainda, em relação ao sistema federativo americano, os redatores da Constituição vislumbraram na divisão de poder entre os governos estaduais e o nacional uma salvaguarda importante das liberdades individuais. Porém, atualmente a tendência nos Estados Unidos é que o governo federal assuma, a cada vez mais, o poder em áreas que tradicionalmente eram de responsabilidade dos Estados. Assim, uma eventual supressão do sistema do Colégio Eleitoral arruinaria um dos principais pilares de uma estrutura política que, a despeito das críticas, tem resistido e superado os desafios no decorrer de mais de 220 anos.
7.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO SISTEMA
O sistema do colégio eleitoral atribui pesos diferentes para os votos: segundo o desenho atual, os votos dos Estados menores "valem" mais. Um eleitor dos Estados de Montana ou Dakota do Norte "vale" matematicamente muito mais que um voto de um eleitor dos Estados maiores, como Califórnia ou Texas.
O Modelo "Winner-takes-all" – o vencedor leva tudo - cria uma uniformidade local que, na verdade, não existe, uma vez que o candidato derrotado, mesmo tendo uma percentagem dos votos, não tem direito a nenhum delegado.
Esse sistema dificulta o surgimento de um terceiro partido. Na verdade, a base do sistema aponta para o bipartidarismo, já que, com um terceiro partido forte, ficaria muito difícil satisfazer a exigência da maioria absoluta para eleição do Presidente [14].
Há o risco de se eleger um presidente "minoritário", ou seja, que tenha tido menos votos populares, mas tenha sido vitorioso no Colégio Eleitoral.
Há também a possibilidade da ocorrência do chamado faithless elector (delegado infiel). É o caso de um delegado comprometido com um candidato, mas que, no Colégio Eleitoral, vota em outro candidato. Todavia, os votos desses delegados nunca chegaram a alterar o resultado final de nenhuma eleição.
Em geral, nas democracias vigora a regra que a maioria delibera; todavia, nas eleições presidenciais americanas nem sempre quem obtém a maioria dos votos populares será o vencedor. Este será aquele que obtiver a maioria dos votos dos delegados no Colégio Eleitoral. É o que ocorreu na eleição de 2000, em que o candidato Al Gore, embora tenha obtido cerca de 500 mil votos a mais, perdeu a eleição para George W. Bush, em face dos problemas de contagem de votos no Estado da Flórida [15].
Como regra, os eleitores votam em seus candidatos a presidente; nos Estados Unidos, o voto é dado aos delegados do Colégio Eleitoral nos Estados.


8) CONCLUSÃO
Na prática, os Estados Unidos não têm um único sistema eleitoral, mas dois: um para o Presidente da República e outro para os membros do Congresso, e ambos contribuem para a descentralização do poder.
A eleição presidencial não é uma eleição "nacional" em que vence o candidato que obtiver a maioria dos votos populares em toda a nação. É uma eleição federal que outorga a Presidência da República ao candidato que obtiver a maioria (270) dos votos dos 538 delegados do Colégio Eleitoral.
c
A desejada reforma política e eleitoral brasileira
 






Esta página é um resumo do artigo “Repetindo o óbvio” de Roberto Campos. O texto explica e defende uma reforma política e eleitoral urgentemente. O texto faz críticas ao regime presidencialista e sugere o voto distrital. O artigo original, de Roberto Campos, publicado em 09/01/2000, começa assim:
Aceito o risco de parecer repetitivo. Diante das grandes questões que preocupam mais no nosso país, a originalidade do articulista fica em segundo lugar. Estamos atravessando dias pesados, um ambiente de insatisfações e sombras. Os mais jovens sentem-se angustiados diante das incertezas do futuro, da ameaça de desemprego, de falta de horizontes.
 








O público exprime sua perplexidade naquela conhecida anedota de como Deus, tendo presenteado nossa geografia com uma abundância de vantagens materiais, colocou no Brasil, como contrapeso, um "povinho ruim". Essa autodepreciação está errada. O trabalhador brasileiro, ainda que subinstruído, é diligente e flexível, como as empresas estrangeiras são as primeiras a reconhecer.
Os engenheiros e gerentes especializados têm em alguns casos nível bastante alto. Somos a 8ª economia do mundo e temos conseguido adaptar-nos a mudanças tecnológicas complexas. Falta-nos reduzir os excessivos contrastes em matéria de educação, informação e saúde - demanda social justa, mas não um impedimento real ao nosso desenvolvimento tecnológico ou industrial.
A verdade é que nosso grave subdesenvolvimento não é só econômico ou tecnológico. É político. Somos um gigante preso por alguns medrosos dentro de estruturas disfuncionais. A máquina político-administrativa que rege hoje nossos destinos é uma fábrica de absurdas distorções cumulativas.
O regime presidencialista e o voto puramente proporcional, cada um dos quais, já de si, dificilmente funcionam bem, transformam-se, quando combinados, numa crise quase ininterrupta. O presidencialismo americano, que nos serviu de modelo, é um pouco diferente porque é conjugado ao voto distrital.
Não é que os políticos só pensem em si ou sejam "corruptos" de nascença. Essa é uma visão popular deformada. A maioria é dedicada e séria. Mas o deputado, o senador, o prefeito, o governador e, obviamente, o presidente têm de ser eleitos, ponto de partida do qual não há escapatória.
Nas eleições proporcionais de hoje, os deputados são obrigados a catar votos por todo o Estado, garimpando aqui e ali - um processo caro e tremendamente incerto, porque eleitor em geral não sabe como discriminar entre dezenas de representantes eleitos. Como é que o eleitor médio vai se lembrar de quem propôs medidas ou leis, para poder avaliar quem merece o seu voto?
Um americano ou um inglês pode falar no "seu" deputado: sabe exatamente quem ele elegeu e tem como cobrar respostas ao representante do "seu" distrito. O alemão, com um sistema misto, tem o "seu" deputado distrital e também o da lista do seu partido. E, como o regime é parlamentarista, pode cobrar de ambos.
No Brasil, cobrar o quê, de quem? Mal acaba de ser eleito por um partido, o deputado ou senador se sente à vontade para mudar de partido. Não existe sanção. A eleição presidencial então é sempre um trauma violento, agravado pela percepção de que o vencedor passará a controlar a máquina pública, os mecanismos de dar ou negar favores.
Gerir a coisa pública é, entre nós, um contínuo varejo. Dá para estranhar que, desde o início da República, raros tenham sido os governos que não se envolveram em conflitos com o Congresso, com riscos de descontinuidade institucional? Contra um sistema tão ruim, tanto faz se os políticos são santos ou bandidos. Num ônibus sem freios, o perigo de desastre é o mesmo para todos.
O mundo está cansado de esperar pelas "reformas" brasileiras. E de ouvir lamentações sobre a nossa pobreza. Há muito, exceto em regiões desérticas da África ou gravemente sobrepovoadas da Ásia, a pobreza deixou de ser uma fatalidade. É um acidente histórico de povos que preferem externalizar a culpa ao invés de fabricar seu próprio destino.
O artigo completo pode ser visto no site: http://pensadoresbrasileiros.home.comcast.net/RobertoCampos/
Reforma política e voto distrital
Autor: Ricardo Caldas em 22/10/2006 21:00:10

“O erro de muitos políticos é esquecerem que foram eleitos; ficam achando que foram ungidos.”
Claude Pepper (1900-1989)

Os políticos brasileiros estão cometendo o erro previsto pelo antigo político norte-americano, natural da Flórida, que foi deputado federal e senador por várias décadas de se acharem “ungidos” e não eleitos. Como chegamos a tal situação, a ponto de os deputados federais acreditarem que não devem mais explicações ao eleitorado e a dançarem no plenário pela perspectiva de não terem mandatos cassados pelo plenário?

Como pode a credibilidade da classe política ter chegado a um ponto tão baixo? Recente sondagem promovida pelos alunos do Curso de Ciência Política do Instituto de Ciência Política da UnB revelou realidade impressionante: 90% do eleitorado do Distrito Federal não confia na classe política. Se transpusermos essa pesquisa para o plano nacional, certamente os números não seriam significativamente diferentes.

Há, essencialmente, duas explicações para a degeneração da classe política brasileira. A primeira é histórica, de vertente cultural, e está diretamente relacionada à excessiva tolerância herdada dos colonizadores portugueses e sua corte com a família imperial e os excessos cometidos pelos governantes. Essa herança gerou uma sociedade civil apática, com pouca tradição associativa que não conseguiu impor limites de conduta e de ética ao rei ou aos poderes constituídos. Na expressão de alguns autores, tivemos no Brasil um Estado antes de ter uma sociedade civil.

Uma segunda explicação é de cunho mais institucional e está relacionada com falhas no funcionamento das nossas instituições de representação, como a Câmara dos Deputados — no DF, a Câmara Legislativa, que padece do mesmo mal — e o Senado Federal, e das instituições de controle, notadamente, mas não apenas, o Poder Judiciário.

Nesse breve artigo, vamos nos concentrar no segundo aspecto. Veremos o que pode ser feito quase que imediatamente do ponto de vista de reforma das nossas instituições, no que ficou conhecido, em geral, como reforma política. Primeiramente, não se deve confundir reforma política com reforma eleitoral, pois essa última significa essencialmente mudanças nas regras do jogo (nos mecanismos que governam as eleições), enquanto a primeira (a reforma política) está relacionada com mudanças no sistema político como um todo.

As reformas políticas no Brasil, que têm tentado mudar tal sistema, foram rechaçadas pela própria classe política. Tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados já promoveram, por meio de comissões especiais, debates a respeito do tema.

O sistema eleitoral misto foi o escolhido pela Comissão Especial da Reforma Política do Senado Federal para integrar o seu rol de mudanças. No entanto, a Câmara optou pelo sistema eleitoral proporcional de lista fechada, muito semelhante ao nosso atual, o de lista aberta. Com o simples fechamento das listas, a Câmara acredita que fortalecerá os partidos políticos sem que as minorias percam representação política, fato que é associado ao sistema majoritário.

O sistema de listas não dá força aos partidos políticos, ao contrário, os enfraquece. Além disso, cria partidos políticos que não passam de meras legendas de aluguel. A baixa identificação partidária por parte da população corrobora nosso argumento de que os partidos políticos brasileiros ainda não encontraram seu verdadeiro papel de protagonista no sistema democrático. Esse papel ainda é desempenhado por figuras carismáticas e personalistas, com pouco ou nenhum compromisso com um programa partidário de governo.

Acreditamos que um sistema político baseado no voto distrital teria inúmeras vantagens. Pelo fato de a campanha ser realizada em um espaço geograficamente menor, haveria aumento da proximidade do eleitor com o eleito, com redução do custo de campanhas, haveria uma redução do abuso do poder econômico e se poderia controlar melhor os deputados eleitos. Caso o deputado eleito estivesse decepcionando as bases eleitorais, ou seja, o seu distrito, os eleitores do distrito poderiam, mediante um número estipulado de assinaturas, convocar nova eleição naquele distrito. Essa ação é conhecida como recall.

Não se ignora aqui as dificuldades que tais propostas encontrariam no Congresso. O nosso parlamento é avesso a mudanças nas estruturas do sistema eleitoral e partidário. Propostas que visam ao fortalecimento dos partidos políticos parece serem vistas com muita desconfiança ou má-fé pelos parlamentares. Talvez porque acreditam que o fortalecimento dos partidos políticos significaria o enfraquecimento do poder político individual. Essas barreiras político-culturais talvez sejam os maiores obstáculos a qualquer reforma política a ser implantada no Brasil. O que nos leva a um pensamento pessimista, porém lógico. Como esperar que parlamentares extraídos de um sistema político desestruturado possam estar compromissados em modificar algo em que são eles os maiores beneficiados? Parece o mesmo que pedir às raposas que tomem conta do galinheiro.

Talvez as únicas forças capazes de se interpor frente ao imobilismo do Congresso em aprovar uma reforma política sejam as pressões populares e da mídia. Mas mesmo essas variáveis parecem não estar conseguindo dar o impulso necessário. Os recentes casos de corrupção como o mensalão e o valerioduto, sanguessugas, dossiê, etc. propiciaram ambiente favorável para que uma reforma do sistema político ocorresse, da mesma forma que o caso Collor nos anos 90. Infelizmente, a reforma política não ocorreu. Faltou liderança política do presidente e organização da sociedade para tal. Resta saber se na próxima legislatura (2007-2011) a sorte da reforma política pode ser mudada.





Ricardo Caldas é professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Everaldo Moraes - Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)
Fonte: Correio Brasiliense
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Voto proporcional e voto distrital
No Brasil, adotamos o sistema proporcional para eleger deputados federais, deputados estaduais/distritais e vereadores.
Funciona assim: cada estado tem uma bancada com um número determinado de deputados. Os candidatos concorrem em todo o estado. Apura-se quantos votos cada partido teve, e são atribuídas cadeiras a esses partidos, proporcionalmente ao número de votos. São eleitos os mais votados de cada legenda partidária até que se preencha o número de cadeiras atribuídas ao seu partido. A isso, chama-se sistema proporcional.
Na maioria dos países, adota-se o voto distrital. O país ou o estado (se houver) é dividido em distritos eleitorais: regiões com aproximadamente a mesma população. Cada distrito elege um deputado e, assim, completam-se as vagas no parlamento e nas câmaras estaduais.
Alguns raros países (a Alemanha, por exemplo) têm o sistema misto. Parte dos deputados é eleita pelo sistema distrital, e as demais vagas são ocupadas por deputados eleitos pelo sistema proporcional, podendo ser votados em todo o país.
Nos estados maiores, como no caso do Brasil, o número de votos de que o candidato precisa para eleger-se no sistema proporcional é tão grande (porque o colégio eleitoral é todo o estado) que ele não pode contar apenas com o contato direto com seus eleitores; os grandes veículos de comunicação tornam-se absolutamente indispensáveis e o conhecimento direto é quase impossível.
Nesse quadro, é pequena a representatividade dos deputados e a sua legitimidade é discutível para falar e votar em nome de seus eleitores, exprimindo a vontade deles.
O sistema distrital assegura identidade entre eleitores e deputados, dando a legitimidade indispensável ao parlamentarismo. O deputado é diretamente fiscalizado por seus eleitores, que moram no seu distrito. Por outro lado, a qualquer momento, o deputado pode ter de concorrer a uma nova eleição e, por isso, está sempre prestando contas de sua atuação.
Dentro do sistema do voto distrital, a eleição pode ser feita pelo processo de maioria absoluta ou não, ou seja, pode haver vários candidatos no distrito e será eleito o mais votado ou pode-se exigir a maioria absoluta: depois da eleição, os dois mais votados disputam em um segundo turno.
O voto distrital dificulta a radicalização política, já que, pelo sistema distrital, o candidato precisa ter maioria em seu distrito. Em qualquer comunidade, dificilmente a maioria é radical, e, assim, a política do país tende a criar e fortalecer lideranças mais estáveis e menos passionais.
Mas, por outro lado, o voto distrital pode criar legisladores que estejam sempre voltados aos problemas locais, relegando assuntos internacionais ou que não dizem respeito ao seu distrito e criando uma continuidade de cargo, com as mesmas pessoas nos mesmos cargos por várias eleições seguidas.

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