domingo, 30 de outubro de 2011

SISTEMA PRISIONAL






A imprensa em algumas ocasiões aborda o sistema prisional e tem posicionamentos de  juizes (Matéria anexada abaixo).
A análise de como um cidadão comum poderia fazer para ajudar no debate neste e em muitos outros casos que se apresentem em que uma pessoa praticamente que não tem recuperação e NÃO PODEM NEM DEVEM CONVIVER SOLTAS NO MEIO DA POPULAÇÃO NORMAL.
Uma sugestão, de maneira a não inventar a roda e nem causar um mal maior do que a solução proposta, pois já temos muitos problemas. Não precisamos mudar todas as leis para tratar da exceção( e bandido é uma exceção) ao conferirmos estatísticas constatamos que o criminosos hoje não passam nem de perto de 0,5% do total da população.
Provocamos/colocamos a discussão em aberto, as leis foram feitas para proteger o cidadão brasileiro do estado, mas o bandido e seus advogados descobriram antes...
ESTAMOS MEIO QUE SEM PROTEÇÃO NENHUMA DO ESTADO QUE  DEVERIA NOS PROTEGER concluindo 99,5 %da população é prisioneira de 0,5%..

PRECISAMOS AGIR E REAGIR........

·        SISTEMA PRISIONAL E JUSTIÇA

Os deputados colocaram estas leis que existem em vigor, portanto começa aí também, a responsabilidade de cada um dos representantes da sociedade.

A CONSTITUIÇÃO brasileira e as leis existentes (principalmente o código de execuções penais) atualmente dizem o seguinte
·       O tempo maximo de prisão é limitado a 30 anos,
Limite das penas
Art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
§ 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido
·       O direito à progressão de regime de execução de pena (o texto é longo, não anexei)
·       menores de 18 anos
 A maioridade penal no Brasil ocorre aos 18 anos, segundo o artigo 27 do Código Penal[4], reforçado pelo artigo 228 da Constituição Federal de 1988[5] e pelo artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069/90).Os crimes praticados por menores de 18 anos são legalmente chamados de “atos infracionais”[7] e seus praticantes de “adolescentes em conflito com a lei”. As penalidades previstas são chamadas de “medidas socioeducativas” e se restringem apenas a adolescentes de 12 a 17 anos (O adolescente pode ficar no centro de ressocialização até 21 anos, caso tenha cometido o ato aos 17 anos).[8] O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semi-liberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de mau-comportamento.

SUGESTÃO

·        Os direitos e benefícios da lei sejam concedidos apenas a *quem for PRIMÁRIO*? (ou seja apenas uma única vez) e não sempre como hoje é concedido
·         ao reincidente perder estes benefícios e aumentar sua pena no mínimo em 1/3 até a metade,dependendo da gravidade?
·         ao reincidente específico a pena aumentaria em minimo 50 % até o dobro desta penalidade que o juiz aplique,( dependendo da gravidade)?.

·       Final:
·       (direito humanos devem ser para humanos direitos)
·       Não é possível que um réu tem uma lista imensa de homicídios, furtos, seqüestros, estupros etc ter direito que suas penas sejam quando somadas no maximo 30 anos e progredidas e após 4 a 5 anos estar em regime semi aberto, ou pior..... solto.....
·       Não é possível que um “menor” que tenha 2 ou mais assassinatos, dezenas de furtos ser considerado praticamente  inimputável.
·        Apenado reincidente umas 30 vezes com direito a visita intima?,
·       E  por ai vai uma série de benefícios a bandido não recuperável
Consultas populares.

·       Caso nossos representante-deputados e governantes achem que o assunto é muito espinhoso (principalmente nos menores de 18anos), faço uma sugestão de uma consulta plebiscitaria, ou um referendo, junto com a eleição municipal mais próxima para evitarmos um custo maior. A população brasileira, não achará o assunto espinhoso, pelo contrario achará fantástico participar de uma decisão deste quilate. Com certeza vai resolver se acha isso bom, ruim ou razoável, se concorda com isso ou não.





1.  . Qual sua opinião sobre a gestão privada de prisões, penitenciarias. como é feito nos USA,
2.  O Senhor conhece o sistema americano?
3.  No Brasil têm ao redor de 500 mil presos, os americanos tem 2.4 milhões, o brasileiro é mais cumpridor da lei ou o americano pune mais?
4.  Punir mais ajuda a dar mais segurança?

MATERIA DE ZERO HORA
| N° 15516Alerta

Sistema Prisional

Juiz defende fim do semi-aberto

Magistrado sugere mudança na lei, com progressão direta ao abertoRecordista em fugas, com instalações e segurança inadequadas, o semi-aberto deveria ser extinto. É a opinião do juiz Afif Jorge Simões Neto, um dos dois magistrados da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre.

Para Afif, que controla o cumprimento de pena de 6 mil criminosos no Estado, as prisões funcionariam melhor com apenas dois regimes: o fechado, com regras mais rigorosas para progressão, e o aberto, que exige trabalho dos presos.

- Meu objetivo é abrir a discussão. Não tenho competência para modificar a lei - pondera Afif.

Com experiência em atividades distintas à execução penal, Afif consolidou sua opinião ao conhecer a Colônia Penal Agrícola (CPA) de Charqueadas, em novembro.

A CPA tem 214 presos - a capacidade é 244 - , cumprindo pena em uma área de 500 hectares de campo, onde deveriam trabalhar para abastecer com alimentos as demais cadeias. Na prática, metade pega na enxada, e a produção agrícola é insignificante. Além disso, está interditada judicialmente - é proibido o ingresso de novos presos - por causa da precariedade das instalações.

Alterações no sistema de cumprimento de penas estão em debate há anos em Brasília. No Congresso, por exemplo, tramita desde 2000 um projeto para eliminar o regime aberto. Para que isso ocorra, é preciso modificar o Código Penal e a Lei de Execuções Penais.

Especialistas concordam com mudanças, mas diferentes das defendidas pelo juiz. O advogado e professor universitário Alexandre Wunderlich apóia um regime penal único.

- Caminhamos em busca de penas de curta duração, para casos de violência contra a pessoa, nos quais o apenado tem ciência, desde o início da pena, do dia que ela irá terminar - argumenta Wunderlich, coordenador do Departamento de Ciências Penais da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).

O promotor de Justiça Airton Michels, que comandou a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) entre 1999 e 2002, concorda com Wunderlich.

- A ressocialização é um mito. É um sonho mal pensado. Se as pessoas soltas têm as mesmas condutas, por que dentro da cadeia elas vão melhorar? - observa Michels, integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, organismo ligado ao Ministério da Justiça.

Alguns Estados já aboliram o aberto

Michels lembra que, em estados como São Paulo e Minas Gerais, na prática, o aberto não existe. Por falta de vagas, os presos vão para casa, cumprir o final da pena em prisão domiciliar.

Jair Krischke, conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, entende que deveria ser exigido do Estado o cumprimento da Lei de Execuções Penais (LEP):

- A Justiça deve-se voltar contra o faltoso. Os presos fogem porque o Estado é omisso.

A Susepe reconhece as deficiências da CPA. Se depender da vontade do superintendente, Bruno Trindade, a colônia deverá ser vendida ainda este ano, e o dinheiro aplicado em novas prisões do semi-aberto na Região Metropolitana.

( joseluis.costa@zerohora.com.br )

[1] [2] JOSÉ LUÍS COSTA[3] [4] 

Os regimes
Fechado
A execução da pena é em estabelecimento de segurança máxima ou média. O preso pode trabalhar na prisão.
Semi-aberto
O cumprimento da pena é em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. O preso deve ter atividade interna, mas também há o direito de trabalho externo.
Aberto
O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.
Fugas em 2007
Fechado 83
Semi-aberto 4.361
Aberto 1.537
Fonte: Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe)


06 de abril de 2008 | N° 15563Alerta

Crime

De malcriado a assassino

Matador aos 16 anos

O menino que confessou a morte de 12 pessoas no Vale do Sinos gosta de arte, no sentido clássico da palavra.

As pinturas feitas nas aulas de educação artística são ricas em detalhes, de cores vivas, numa combinação de materiais que espanta os professores pela sensibilidade.

O garoto de 16 anos é descrito no boletim da Escola Eugênio Nelson Ritzel, onde estudava - na Vila Kephas, em Novo Hamburgo - como de ótimo aproveitamento.

- Lê com fluência e demonstra plena compreensão da leitura, relata histórias e reportagens lidas com êxito. Atinge os objetivos, é bem integrado ao grupo, bem relacionado, respeita colegas e professores. É entusiasmado com informática e domina o computador - descreve a ficha.

Difícil acreditar, mas este é rapaz que seria responsável pelo assassinato de sete pessoas (segundo a polícia) ou 12 (segundo ele mesmo). Pior, ele teria ajudado a torturar uma das vítimas até a morte. O que leva um estudante considerado "exemplar" pela direção a cometer atos de barbárie como os que chocaram o Estado?

O meio em que ele se criou pode ter influenciado de forma decisiva na sua trajetória, indica um laudo elaborado por especialistas da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Nas entrevistas, o jovem relata uma infância traumática. Foi espancado por parentes e por colegas de aula durante a infância, na outra escola que freqüentou (a Rodrigues Alves, no mesmo bairro). Começou a estudar apenas com nove anos. A mãe esteve ausente por um tempo, presa por tráfico de drogas. Três tios, com os quais convivia, foram presos por suposto envolvimento em assaltos.

- Esses tios eram muito ligados a ele - relata uma vizinha do bairro Kephas, um loteamento de baixo poder aquisitivo na periferia da cidade.

Garoto ganhou uma pistola e um lugar no bando de ladrões

Mesmo assim, o jovem resistiu durante anos a ingressar no crime. Não há queixas relativas a ele no Conselho Tutelar que atua na Vila Kephas. Tampouco foi interno da Fase.

Até meados do ano passado, o adolescente que se tornaria sinônimo de matador era virtualmente desconhecido dos policiais de Novo Hamburgo. Estudava à noite na Educação de Jovens e Adultos (EJA), que une a 3ª e a 4ª séries do Ensino Fundamental. A primeira anormalidade aconteceu no segundo semestre do ano passado, quando começou a faltar aulas, até não aparecer mais no colégio.

Em 6 de dezembro, uma patrulha da BM o prendeu por desacato, porque ele discutiu com os policiais ao ser revistado. Foi liberado na 3ª DP. Os policiais dizem que ele já era suspeito de assaltos e que estaria usando uma arma, mas não a encontraram.

No transcurso de um mês, o adolescente se transformaria de malcriado em matador - aos olhos dos moradores da vila e da polícia. A metamorfose teria se dado pela aproximação com o bando de Juliano dos Santos. O jovem foi aliciado para ajudar em roubos de carros. Ganhou uma pistola e a usou. Não só em assaltos, mas para matar desafetos, conforme admite.

Em janeiro a situação pesou contra o rapaz. Só não morreu porque três jovens que pretendiam matá-lo por vingança foram presos, armados. Apresentado pela mãe, o adolescente disse na 3ª DP que era autor de duas mortes (outras duas, das quais é suspeito, negou). Os policiais desconfiaram dela, e o jovem aproveitou para se esconder. Até voltou a ser preso, com crack, mas declarou que era para uso próprio e acabou liberado pela Polícia Civil.

- Eu não uso droga, mas menti, para não ficar preso. Era para vender - admitiu, em entrevista a Zero Hora.

Testemunhas dizem que ele matou mais três pessoas após as duas vezes em que foi liberado de DPs. As investigações indicam que o adolescente começou a matar por vingança - contra pessoas que teriam se insinuado com parentes suas - e, depois, cometeu assassinatos a mando da quadrilha. Teria executado um ex-comparsa por dinheiro, como matador de aluguel.

Delegado confirma que garoto não sente remorso

É essa inexistência de um padrão que exclui a possibilidade de o garoto matador ser um psicopata ou um serial killer, no entender de especialistas que o examinaram. Ele teria cometido homicídios por três motivos, nenhum deles por prazer, como acontece com doentes psíquicos. As avaliações na Fase indicam que a sensibilidade demonstrada pelo adolescente, aguçada para algumas coisas (como a arte), estaria adormecida no que se refere aos sentimentos para com a vida alheia. Fruto de maus exemplos no convívio social, mas não de um cérebro doente. Uma situação contornável e recuperável, no entender dos especialistas.

O delegado que interrogou o jovem após ser preso, Enizaldo Plentz, é pessimista.

- O guri é frio e vingativo, fala sem emoção sobre aqueles que matou. Não demonstra remorso. Tem características de um psicopata, não tenho dúvidas - conclui o policial.

( humberto.trezzi@zerohora.com.br )

HUMBERTO TREZZI
06 de abril de 2008 | N° 15563AlertaVoltar para a edição de hoje

Crime

As sete vítimas do pistoleiro adolescente

O medo se infiltrou no bairro operário São José, na periferia de Novo Hamburgo, onde agia o implacável matador de 16 anos, na Vila Kephas. As famílias das sete vítimas que teriam sido executadas pelo pistoleiro mirim estão apavoradas. Padecem duplamente: a dor das mortes e o receio de que os assassinos continuem à solta.

ZH entrevistou os familiares das sete vítimas. Quatro eram vizinhos do garoto bandido e de sua quadrilha de traficantes e ladrões. Estão alarmados, pensam em mudar de cidade. Outros moram em Estância Velha e São Leopoldo. Uma viúva fugiu, temendo ser alcançada pelos malfeitores.

Parte das vítimas tinha um passado de crimes - o que não justifica a pena de morte sofrida. Mas havia os mais inocentes, como Tiago Júlio Scheffer, cuja execução abateu a mãe e os dois irmãos pequenos. As famílias clamam por justiça, não sabem como se proteger. Sentem-se reféns em suas casas.

Tiago queria deixar o bairro

A dona de casa Maria Salete Scheffer, 39 anos, está atordoada desde que o filho, Tiago, foi assassinado a tiros. Só encontra ânimo para ir aos cultos da igreja evangélica, no bairro São José, a pouco metros de onde mora. Então, reza e chora. Atingido em 7 de novembro, Tiago morreu 23 dias depois na UTI. Aos 20 anos, sem antecedentes, foi morto porque teria olhado para a namorada do matador.

- Somos de uma família honesta, ninguém tem passagem pela polícia - garante a mãe.

Tiago nascera em São Miguel do Iguaçu (PR), mas não chegou a conhecer o pai, que se casou com outra logo depois do romance com Maria Salete. Estudou até a 6ª série, trocou as aulas pelo trabalho como lixador de madeira. Dois dias antes de ser assassinado, Tiago disse que gostaria de ir embora. Já havia comentado que sonhava morar com o pai:

- Parece que estava adivinhando.

Maria Salete está consumida pela tristeza, paralisada de medo pelo que pode acontecer aos outros dois filhos. Um deles já foi tirado do colégio.

João insistiu no caminho errado

O jardineiro Altivo Siqueira Chaves, 53 anos, assoma no alpendre da modesta casa de madeira na Vila Kephas e convida:

- Boleia a perna, pode entrar.

Desde 1984 no Vale do Sinos, Altivo não perdeu a hospitalidade e o linguajar dos tempos em que era agricultor em Tupanciretã. Apesar dos riscos, aceita falar sobre o irmão, João Siqueira Chaves, assassinado com dois tiros, em 23 de novembro.

- Não era flor de se cheirar - revela.

Conforme registros da Secretaria da Segurança Pública, começou a freqüentar presídios em 1987, aos 22 anos. No crime mais grave, no inverno de 1994, participou de dois roubos seguidos de estupros em Esteio. Ameaçou as vítimas com uma faca, tirou-lhes o dinheiro e a honra.

A família Chaves foi expulsa de Tupanciretã por sucessivas estiagens que calcinavam as lavouras de feijão, milho, aipim e batata. Altivo lembra que tiveram de vender até as vacas de leite para quitar dívidas. Impelidos pela fome, migraram para o Sinos.

Pai de oito filhos, Altivo sugeriu que o irmão arrumasse trabalho, formasse família. Repelido, desistiu.

Ao ser morto, João morava sozinho, sobrevivia oferecendo artesanato, ofício que aprendeu nos presídios. Altivo diz que ele havia se convertido à Igreja Evangélica.

Alexander foi para as drogas

O ex-peão rural Arnaldo José Chagas, 56 anos, abandonou as lavouras de arroz em Osório imaginando que poderia oferecer perspectivas de futuro aos cinco filhos no Vale do Sinos. Enganou-se. Em 23 de dezembro, Alexander, 18 anos, foi assassinado a tiros.

A família Chagas estabeleceu-se no bairro São José há 27 anos. Arnaldo foi metalúrgico, sapateiro e operário da construção civil, mas perdeu o controle sobre Alexander. O rapaz sumia de casa, reaparecia esquivo, não revelava o que fazia.

- Era um guri muito fechado. A gente não sabe direito o que houve. Ele foi convidado para um churrasco, apareceu morto - lamenta o pai.

Conforme registros da Secretaria da Segurança Pública, Alexander tinha antecedentes por drogas, porte de arma e roubo. A suposição é de que tenha contrariado a quadrilha do matador de 16 anos. Foi executado no interior de Dois Irmãos.

Arnaldo tentou encaminhar o filho. Às vezes, ia conferir onde Alexander estava dormindo, na casa de amigos. Quando desconfiava, avisava:

- Olha, te cuida com o arrastão (referência a ciladas).

Teve o mesmo fim do irmão mais velho, Alessandro, morto a tiros há sete anos. Pesaroso, o pai lembra:

- Foi bem na frente de casa...

Osvanir caiu numa cilada

A filha de agricultores Eva Nelcia Bernardo da Silva, 57 anos, teve seis filhos. Um morreu atropelado, em 1989. A segunda perda ocorreu em 6 de dezembro: Osvanir foi assassinado a tiros, aos 24 anos.

Assim como outras mães, está perplexa e atemorizada. Vizinhos segredam que Osvanir havia se envolvido em furtos. Para a mãe, a conduta do filho era irretocável.

- Verdade mesmo, não sei por que mataram ele. Não sei a troco de quê fizeram isso - diz ela, destacando que o filho e o suposto matador eram amigos desde pequenos.

A mãe lembra que Osvanir havia trabalhado na casa de um irmão, limpando o pátio, no dia da morte. Ele teria sido atraído para uma cilada. Levou tiro na cabeça. Eva soube que ele se pendurou no portão de uma casa, gritando por socorro, quando sofreu mais disparos à queima-roupa.

- Arrasou com a nossa vida, terminou com tudo - diz a mãe.

A família de Eva saiu de Rodeio Bonito em 1985, buscando o eldorado de empregos que a indústria de calçados prometia. Conta que estavam cansados de capinar roças alheias, entregar a colheita aos patrões, sobreviver com as sobras. Em Novo Hamburgo, depararam com a violência e o luto.

Bruna teve os dedos amputados

A mãe de criação de Bruna Tatielle Vieira Rodrigues não entende como a filha tímida, envergonhada devido à gaguez, foi se envolver com traficantes de drogas e acabou brutalmente assassinada. Aterrorizada, a mãe pediu para não se identificar. Teme pelos filhos e netos.

Nascida em Uruguaiana, Bruna foi criada por essa senhora a partir dos dois meses de idade, em São Leopoldo. Tia natural, cercou a menina de mimos e exemplos de honradez:

- A gente é pobre, mas é honesta.

Bruna foi assassinada em 23 de março, aos 20 anos. O corpo foi encontrado sete dias depois, no Rio dos Sinos, com três tiros na cabeça. Um carregador de celular amarrado ao pescoço, os dedos amputados com alicate e um corte no ventre que deixou as vísceras à mostra indicam tortura.

A mãe emprestada diz que Bruna era "meiga e carinhosa", a ponto de dormirem juntas. A partir dos 14 anos, porém, ela mudou. Afastou-se de casa, teve três filhos com um rapaz de conduta duvidosa e, nos últimos meses, estaria se prostituindo.

Elucio foi executado

Dono de um bar no bairro Santo Afonso, em Novo Hamburgo, Elucio Miranda Ramirez, 39 anos, pai de quatro filhos, pretendia se tornar vigilante de transporte de valores, usar uniforme e portar uma arma legalmente. O plano foi abortado no dia 24, quando morreu cravejado por tiros.

A viúva de Elucio teve de fugir com receio dos assassinos. Mãe de um dos filhos da vítima, assegura que o comerciante era estimado por vizinhos. Acordava de madrugada para levar alguma grávida ou algum ferido ao hospital. Cobrava no máximo R$ 5 para a gasolina.

- Tão dizendo muita coisa do meu marido, que era informante da polícia, mas isso não é verdade. Ele era uma pessoa boa - sustenta a viúva, que planejava cuidar o bar.

Adriano, marcado para morrer

O luto impediu que Almerinda Martins de Oliveira comemorasse o aniversário de 63 anos, em 5 de março. Dois dias antes, o cadáver do filho, Adriano, apareceu com um saco de lixo preto amarrado à cabeça, no bairro Primavera, em Novo Hamburgo.

- Foi o presente que recebi. Acho que a gente tem que passar por alguns trechos nessa vida - diz a mãe.

Ex-agricultora em Frederico Westphalen, expulsa do campo por uma seca que torrou até a ramagem das árvores, Almerinda sabia do passado do filho, condenado por roubo e assaltos. Tentou aconselha-lo:

- Ele virou a cabeça, não obedecia.

Nas visitas que fazia a Almerinda (viúva e mãe de 10 filhos), em Estância Velha, mostrava-se inquieto, acuado. Na última vez, confidenciou:

- Mãe, tão me prometendo.

( nilson.mariano@zerohora.com.br )

NILSON MARIANO

27 de abril de 2008 | N° 15584Alerta Voltar para a edição de hoje

País da Impunidade

Tolerância máxima


Não basta cometer um crime violento, ser julgado e condenado para acabar atrás das grades no Brasil. Brechas e benefícios da legislação penal, somados a mudanças recentes que vêm afrouxando o rigor do arsenal jurídico contra os criminosos, preocupam juízes e promotores e reforçam a sensação de impunidade entre a população.

Casos como o do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, que há oito anos consegue escapar da cadeia mesmo depois de confessar ter matado a ex-namorada com dois tiros pelas costas, são explicados por problemas antigos e novas tendências na aplicação da lei no país. Nos últimos anos, sucessivas decisões vêm abrandando a legislação criminal: réus condenados por crimes violentos contam cada vez mais com a prerrogativa de aguardar em liberdade enquanto recorrem da decisão, autores de crimes hediondos ganharam a possibilidade de trocar o regime fechado pelo semi-aberto e a obrigatoriedade do exame criminológico para a progressão de regime prisional foi derrubada.

A combinação disso com a morosidade da Justiça brasileira e as dificuldades de investigação policial completa um cenário cada vez mais propício à impunidade. Estima-se que, no Brasil, menos de 10% dos homicídios sejam esclarecidos e, nos casos em que o autor é descoberto pela polícia, a sentença demore até uma década para ser efetivada, em média.

Até alguns anos, com base no Código de Processo Penal, o réu condenado em primeira instância deveria se recolher à prisão para ter direito à apelação. Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que isso contraria o preceito da Constituição de 1988 de que todo réu é presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença - a decisão irrecorrível.

- Isso começou a mudar há uns três, quatro anos. Hoje, a tendência é ficar preso enquanto recorre somente quem se enquadra nos mesmos critérios da prisão preventiva: é considerado uma ameaça à sociedade ou ao andamento do processo, ou apresenta risco de fuga - afirma o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado Danúbio Edon Franco.

Por meio da assessoria de comunicação, o STF informa que a mudança de posicionamento se deve ao fato de que a prisão anterior ao trânsito em julgado contraria o princípio da presunção de inocência. Assim, se não for enquadrado na categoria de alta periculosidade, o criminoso tem boa chance de ficar livre durante anos até a última batida do martelo. Enquanto isso, pode apresentar mais de 10 modalidades diferentes de recursos nas quatro instâncias do Judiciário - algumas delas, mais de uma vez.

- Acho que nós, magistrados, algumas vezes precisamos dizer "chega" e barrar novos recursos. Às vezes, entra um recurso contra a decisão sobre outro recurso, o que a nossa lei não prevê, mas não proíbe - avalia Franco.

OAB defende direito à ampla defesa

O presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) Claudio Lamachia, condena uma eventual possibilidade de restrição às apelações:

- Isso está previsto constitucionalmente como direito à ampla defesa. O que se necessita para dar maior efetividade aos processos é de investimento no Judiciário - argumenta.

Mesmo quando sai a condenação definitiva, a lei penal brasileira se mostra pródiga com o criminoso. Um dos exemplos é a possibilidade de cumprir apenas um sexto da sentença em regime fechado antes de ser beneficiado pela progressão para o semi-aberto, o que permite saídas durante o dia sob o pretexto - nem sempre verdadeiro - de estudar ou trabalhar.

- O prazo para progressão de regime é muito curto. E, se a pena ficar entre quatro e oito anos, o regime inicial pode ser já o semi-aberto. Além de mudar isso, deveriam ser aumentadas as penas para crimes cometidos com violência ou grave ameaça - analisa o procurador de Justiça Ivan Melgaré, do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público Estadual.

Esse benefício foi facilitado em 2003, quando caiu a obrigatoriedade do exame criminológico para permitir a progressão de regime. Essa avaliação, que procurava medir o grau de periculosidade do candidato ao abrandamento da pena antes de autorizá-lo, agora depende de uma solicitação expressa e justificada de um juiz - o que não vem ocorrendo seguidamente.

- O problema da nossa lei é a velocidade dessa progressão. Cumprir apenas um sexto da sentença é muito pouco - critica o promotor de Justiça Gilmar Bortolotto, da Promotoria de Controle e Execução Criminal.

( marcelo.gonzatto@zerohora.com.br )
MARCELO GONZATTO
27 de abril de 2008 | N° 15584AlertaVoltar para a edição de hoje

País da Impunidade

Lugar de criminoso é fora da cadeia

Depois de o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves matar com dois tiros pelas costas a ex-namorada Sandra Gomide, em 2000, o pai da vítima, João Gomide, passou a sofrer do coração. Submetido a cirurgias para implantar quatro pontes de safena, pediu ao médico: - Me mantenha vivo até o julgamento. Eu quero a justiça da Terra. Se visse isso sendo feito, eu até poderia morrer satisfeito.

O médico cumpriu a sua parte. Gomide acompanhou o julgamento em que Pimenta Neves foi condenado a 18 anos de prisão, em 2006, mas a Justiça falhou em atender a suas expectativas. Graças à habilidade dos advogados em empilhar recursos, o réu confesso ficou só sete meses preso antes do julgamento, acabou libertado mediante um habeas corpus e aguarda em liberdade pela tramitação de novos recursos no STJ e no STF contra a condenação.

No STF, conforme a assessoria de comunicação do órgão, existem dois agravos de instrumento pendentes - solicitações para que o processo possa subir da segunda instância e ser reavaliado pela corte. Os advogados questionam pontos referentes à aplicação da pena e à execução da sentença. Também há um recurso pendente no STJ no aguardo de apreciação. Não há data certa para que isso ocorra.

Esses recursos aos tribunais superiores do país são possíveis quando o advogado do réu consegue argumentar que algum item da decisão no nível anterior da Justiça contrariou lei federal (para o STJ) ou a Constituição (para o STF). Contando com a morosidade do andamento dos processos judiciais no Brasil, o que deveria ser uma garantia de defesa para qualquer cidadão se transforma em estratagema para postergar a punição.

Conforme matéria publicada recentemente pelo jornal O Globo, Pimenta Neves aguarda pela resolução vivendo uma vida tranqüila. Algumas vezes, porém, freqüenta festas de conhecidos usufruindo da liberdade que as imperfeições do sistema judicial brasileiro lhe garante até o momento.
Outros exemplos
Confira como autores de crimes brutais ou criminosos reincidentes são beneficiados pela lei:
Farah Jorge Farah - Em janeiro de 2003, o cirurgião matou e retalhou a dona de casa Maria do Carmo Alves, em São Paulo. Ficou preso até maio de 2007, mas acabou solto graças a um habeas corpus no STF. Condenado a 13 anos de prisão (menos da metade da pena máxima), saiu do tribunal e foi para casa devido ao direito de aguardar em liberdade enquanto apela da sentença. Confirmada a pena, já poderá pedir progressão ao semi-aberto.
Sanfelice - Em 2004, o corpo da jornalista Beatriz Rodrigues foi encontrado carbonizado no carro do marido, o empresário Luiz Henrique Sanfelice, em Novo Hamburgo. Sanfelice, que permaneceu preso durante o processo, acabou condenado a 19 anos por homicídio qualificado. Após cumprir dois anos e nove meses, foi beneficiado pela progressão ao semi-aberto. Fugiu dia 10 de abril e segue foragido.
Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio - Um dos mais célebres bandidos gaúchos, começou a cumprir 36 anos de pena em fevereiro de 1998. Depois de fugir da prisão e ser recapturado, em 2000, conquistou o direito do semi-aberto em 2004 - de onde já fugiu três vezes. Sua última recaptura ocorreu este mês

Compare as sentenças máximas possíveis em alguns países, em
comparação com os índices de população carcerária e de homicídios
(presos e crimes cometidos por 100 mil habitantes):

País                       Pena máxima                    Encarceramento              Homicídios*
Alemanha            Prisão perpétua                                  88                            0,98
Argentina              Prisão perpétua                                  154                        9,47
Brasil                     30 anos de prisão                              219                        27
Canadá                                Prisão perpétua                                  108                        1,99
EUA                       Prisão perpétua/pena de morte**   751                        5,62
Israel                     Prisão perpétua                                  305                        2,73
Portugal                25 anos de prisão                              108                       1,81

*Dados obtidos entre 2002 e 2004, conforme o país
**Dependendo do Estado

Fontes: Mapa da Violência 2006 da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura,
Centro Internacional de Estudos Penitenciários do King’s College de Londres e Organização das Nações Unidas
O rigor da lei
27 de abril de 2008 | N° 15584AlertaVoltar para a edição de hoje

País da Impunidade

O vaivém das prisões

A maior facilidade para sair do regime fechado, desde o fim da obrigatoriedade do exame criminológico, há cinco anos, não teve o efeito esperado.

A medida, sancionada pelo governo federal com a intenção de desafogar as cadeias, viu a superlotação se ampliar nos cárceres do país. A precariedade dos presídios continua sendo uma das explicações para a hesitação de legisladores e magistrados em dar maior poder de fogo à legislação penal.

- Quando eliminaram a exigência do exame criminológico, queriam facilitar a progressão de regime prisional justamente para diminuir o número de detentos. O problema é que o efeito na prática vem sendo o contrário - avalia o promotor de Justiça da Promotoria de Controle e Execução Criminal Gilmar Bortolotto.

Ele argumenta que um preso libertado sem a garantia mínima de bom comportamento fora da cela acaba reincidindo no crime e, geralmente, na companhia de um ou mais cúmplices. Por isso, além de reocupar sua antiga vaga, retorna trazendo mais gente. Conforme o Ministério da Justiça, desde 2003, quando foi facilitada a progressão de regime prisional, o número total de presos no país cresceu 37% e chega hoje a 422 mil. Estima-se, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que pelo menos 70% dos condenados que ganham a liberdade voltam à prisão.

Essa situação, combinada com a falta de investimentos em presídios, agrava as condições carcerárias. Segundo o Depen, no final do ano passado o país contava com 366.359 detentos para 249.515 vagas apenas no sistema penitenciário - o que representa 47% além da capacidade - fora os presos mantidos em delegacias.

No Estado, conforme dados de 15 de abril registrados pelo Ministério Público, há um déficit de 9.692 vagas para 26.122 presos. Isso resulta, conforme Bortolotto, em condições precárias para o cumprimento da pena.

- Em inspeções pelo Estado, já encontramos até detento cumprindo a sentença em um banheiro - revela.

Um dos argumentos para evitar o endurecimento da lei é aumentar ainda mais esse problema. A precariedade das prisões brasileiras serve de justificativa ao abrandamento das punições.

O desembargador do Tribunal de Justiça Danúbio Edon Franco afirma que os magistrados costumam levar em consideração a situação carcerária antes de determinar uma prisão.

- Não dá para colocar uma pessoa condenada por um crime menos grave em uma situação dessas - explica.
A superlotação
Confira a evolução no número de detentos no sistema penitenciário e nas delegacias do país:
2002 239 mil
2003 308 mil
2004 336 mil
2005 361 mil
2006 401 mil
2007 422 mil

RIO DE JANEIRO – Um levantamento da Secretaria Nacional de Segurança, realizado com base nas informações do Infoseg (banco de dados criminais), revela que o País tem atualmente cerca de 550 mil foragidos da Justiça por crimes como assaltos, seqüestros e assassinatos.
A pesquisa revela que há mais foragidos do que presos no sistema penitenciário nacional e que cerca de 550 mil mandados de prisão decretados pela Justiça não foram cumpridos pelas polícias.
Ainda de acordo com o documento, baseado no último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), as cadeias brasileiras possuem 401.236 presos. Em dezembro de 2005, o Depen registrava 361.402 presos no País. No ano passado, no mesmo perído, o numero ultrapassou a barreira dos 400 mil, quase o dobro da população carcerária do Brasil registrada em 2002, que indicava 240 mil presos aproximadamente.
Os números são expressivos e um indicativo do crescimento da criminalidade no País. Pela primeira vez, um órgão do governo realiza um mapeamento com base em números reais, e não somente em projeções parciais sobre o assunto.
Segundo o Depen, a população carcerária cresce mais de 10% ao ano, índice superior à média de crescimento anual da população, de 1,3%. De acordo com o órgão, a população carcerária vem aumentando em todo o mundo, entretanto, o problema se acentuou ainda mais no Brasil.
O secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, admitiu que o quadro de vagas no sistema penitenciário é realmente deficitário e opera no limite de sua capacidade.
Ele se reunirá amanhã, em Brasília, com o presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia, Mário Jordão Toledo. Entre os temas a serem discutidos estão as parcerias com forças federais no combate ao crime








Parte superior do formulário

Ministério Público-RS

Procuradoria Criminal

Procuradoria Criminal


JANELAS QUEBRADAS, TOLERÂNCIA ZERO E CRIMINALIDADE

Daniel Sperb Rubin
Promotor de Justiça/RS



Introdução
Enquanto os índices de criminalidade no Brasil atingem níveis intoleráveis, obrigando o cidadão de bem a trancar-se dentro de sua própria casa, e as autoridades responsáveis pela política de segurança pública em nosso país parecem simplesmente não saber que rumo tomar, nos Estados Unidos encontra-se em pleno andamento uma extraordinária experiência de redução de criminalidade.
Pela primeira vez depois de trinta anos de aumento contínuo, os índices de criminalidade nas grandes cidades dos EUA apresentam substancial redução A obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América) anota que, em meados da década de 90, a criminalidade violenta caiu em níveis que não se viam desde a década de 60.. A que se deve isso? Ouve-se falar na política criminal de tolerância zero. Sabe-se que foi aplicada em Nova Iorque, durante a gestão do Prefeito Rudolph Giuliani. Mas não se sabe exatamente quais seus fundamentos teóricos. Ouve-se falar, também, na broken windows theory (teoria das janelas quebradas), mas, igualmente, não se sabe qual a sua origem e o que, exatamente, significa.
Neste despretensioso estudo, procuraremos demonstrar como os EUA, a partir da broken windows theory e da operação tolerância zero, conseguiram reduzir drasticamente os índices de criminalidade em algumas de suas grandes cidades, notadamente, em Nova Iorque. Analisaremos algumas críticas feitas à política criminal de tolerância zero, bem como os limites impostos pelo Judiciário americano, ocasião em que se fará menção a algumas decisões que informam a jurisprudência americana acerca do assunto. Por fim, teceremos considerações sobre a situação brasileira no combate à criminalidade.




Broken Windows Theory Origens e Fundamentos
Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety ( A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida.
Kelling e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime.
Em razão da imagem das janelas quebradas, o estudo ficou conhecido como broken windows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "tolerância zero".
Ainda exemplificando, Kelling e Wilson afirmavam que uma comunidade estável, na qual as famílias cuidavam de suas casas, se preocupavam com as crianças dos outros e desconfiavam de estranhos, poderia transformar-se, em poucos anos, ou até mesmo meses, em uma selva assustadora. Uma propriedade é abandonada. O mato cresce. Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças e adolescentes desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias mudam-se daquela comunidade. Adultos, sem laços com a família, mudam-se para aquela comunidade. Adolescentes desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O comerciante pede que se retirem. Eles recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula. Pessoas começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da criminalidade.

Em 1990, o Professor da Universidade Northwestern de Ciências Políticas, Wesley Skogan, publicou um estudo baseado em pesquisa na qual 13.000 pessoas residentes em áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia, Newark e São Francisco haviam sido entrevistadas. O estudo era intitulado Disorder and Decline: Crime and the Spiral of Decay in America Neighborhoods (Desordem e Declínio:O Crime e a Espiral de Decadência nas Comunidades Americanas) e confirmava os postulados da broken windows theory. Mas ia além disso, afirmando que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Esta conclusão é de fundamental importância, especialmente diante da afirmação, sempre repetida e jamais comprovada, de que a principal causa da criminalidade reside nas injustiças sociais, desemprego, pobreza, falta de oportunidades, etc. Mais adiante, quando analisarmos as objeções à broken windows theory e à tolerância zero, voltaremos ao assunto.

Em 1996, Kelling, em conjunto com
Catherine Coles, lançou a obra definitiva sobre a teoria das janelas quebradas: Fixing Broken Windows – Restoring Order and Reducing Crimes in Our Communities (Consertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o Crime em Nossas Comunidades). Nesta obra, o autor iria além, e demonstraria a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não repressão a pequenos delitos e contravenções. Assim como a desordem leva à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções leva, inevitavelmente, à criminalidade violenta.

No entanto, muito antes, em 1967, um relatório
Report on a Pilot Study in the District of Columbia on Victmizacion and Attitudes Towards Law Enforcement Departamento de Justiça Americano (Washington D.C. US Government Printing Office, 1967). preparado para uma comissão criada pelo então Presidente Lyndon Johnson para o estudo de estratégias de combate à criminalidade (Commission on Law Enforcement and Crime) já apontara, com base em pesquisas e entrevistas com cidadãos, que o medo da criminalidade estava fortemente relacionado à existência de desordem nas comunidades. No entanto, esta relação foi ignorada até o início dos anos 80 e, registre-se, continua a ser contestada (e ainda ignorada em muitos países), não obstante as evidências que indicam o seu acerto.

Durante três décadas, a criminalidade só fez aumentar nos EUA. O modelo americano de combate à criminalidade falhara porque não reconhecia a relação de causa e efeito entre desordem, medo, criminalidade violenta e decadência urbana. Kelling e Coles demonstram como, ao longo do século XX, a polícia americana foi, aos poucos, abandonando suas tarefas na manutenção da ordem pública para dedicar-se, exclusivamente, ao combate ao crime. A raiz do aumento da violência nos EUA na segunda metade do século XX está, também, nesta mudança de estratégia da polícia. Originalmente, o papel da polícia americana era o de manter a paz e prevenir o crime. A prevenção do crime era feita com a presença constante da polícia no seio da comunidade. E aqui reside outro fundamento da broken windows theory. O policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade e lidar com as condições que criam o crime (desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais, etc.). Assim, ele conhece a comunidade e é conhecido por ela. Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade policial, e este vínculo, permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da desordem e de pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta. Assim, se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá, ou mesmo prendê-lo se o mesmo for apanhado no exercício do tráfico. Mas para isso é preciso uma comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem, e uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia, de modo que ambos se auxiliem mutuamente.

O policiamento comunitário, portanto, é fundamental na prevenção do crime. A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do "foot patrol", ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz, do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro da polícia, para continuar a desordem, o que se torna muito mais difícil com o patrulhamento a pé.

Nos EUA criou-se a idéia de que a polícia não devia mais zelar pela ordem pública, mas investir todos os seus esforços apenas no combate ao crime. Assim, desordens e pequenos ilícitos foram deixados de lado, para que se combatesse apenas os crimes mais graves. Portanto, as pequenas janelas quebradas não mais eram reparadas, até que se chegou a um ponto insustentável onde a criminalidade aumentou de tal forma nos centros urbanos, que muitos deram-se por conta do equívoco da estratégia adotada.

No Brasil, já chegamos a este ponto há muito tempo. A "estratégia das prioridades", adotada tanto pela Polícia como, pode-se dizer, por Juízes e Promotores, e que consiste em priorizar o combate à criminalidade violenta, sob argumentos diversos, que vão desde a falta de recursos até a desnecessidade de reprimir comportamentos que configuram não mais do que um mero ato de desordem ou uma pequena contravenção, passando pela alegação de que o crime tem causas sociais, repete o equívoco cometido nos EUA e é uma das principais causas do aumento avassalador da criminalidade violenta em nosso país.

Sob esta estratégia, cria-se um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade violenta. Não se combate a desordem e os pequenos delitos porque deve-se priorizar o combate à criminalidade violenta. No entanto, a criminalidade violenta é justamente resultado da falta de combate à desordem e aos pequenos delitos. Esta lógica perversa precisa, em algum momento, ser quebrada.

Como diz Kelling, o Juiz pode achar difícil que apenas uma janela quebrada seja tão importante para permitir que a polícia exerça alguma autoridade sobre uma pessoa que possa quebrar mais janelas. Ocorre que o Juiz vê apenas um flash da rua num determinado momento, ao passo que o público, ao contrário, vê todo o filme se desenrolando a sua frente, que mostra a lenta e inexorável decadência da sua rua e de sua comunidade.

A Broken Windows Theory aponta um caminho para a redução da criminalidade, que já teve efeitos positivos nos EUA, como a seguir se verá, e que tem como base a repressão à desordem e aos pequenos delitos e, também, o policiamento comunitário. Não é mais possível ignorar esta extraordinária vitória contra o crime.


A Operação Tolerância Zero – A Retomada do Metrô e das Ruas para o Povo de Nova Iorque


Um dos principais temas de debate durante a campanha para as eleições à Prefeitura de Nova Iorque, em 1993, foi o que fazer contra os "esqueegeemen", pessoas, normalmente jovens e atuando em grupo, que mediante ameaças veladas, ou nem tanto, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem que tivessem sido solicitados a fazê-lo. Tanto David Dinkins (então Prefeito) como Rudolph Giuliani (um ex-Promotor Federal que viria a ser eleito) prometiam um combate incessante contra a atuação destes grupos, simplesmente porque esta era uma das principais reclamações dos nova-iorquinos que viam na atuação daquelas pessoas a ausência de ordem e autoridade, bem como uma ameaça constante, que levava ao medo e à decadência da qualidade da vida urbana. Esta situação bem demonstra o ponto de insuportabilidade a que o cidadão comum daquela metrópole chegou, quando passou a exigir das autoridades providências enérgicas no sentido de restabelecer-se a qualidade de vida, já então em plena decadência.

Na verdade a decadência urbana de Nova Iorque desenvolvera-se de maneira lenta e constante ao longo dos anos 70 e 80, diante da tolerância com a desordem e os pequenos ilícitos. As pichações não eram reprimidas. As gangues se proliferavam. Permitia-se que os sem-teto ocupassem espaços públicos, como metrôs, parques e praças, e lá fizessem suas necessidades. Não se os obrigava a recolherem-se aos abrigos públicos. Além disso, eles passavam a mendigar de maneira cada vez mais agressiva e ameaçadora. Pequenos delitos como ingressar no metrô sem o pagamento da passagem, pulando a catraca, quase não eram mais reprimidos. Tudo isso levava a um aumento constante da criminalidade.

Esta situação era mais grave ainda no sistema de transporte subterrâneo de Nova Iorque, o metrô, em razão das peculiaridades de se tratar de um local fechado, deserto à noite, mas utilizado por grande parte dos habitantes como único meio de transporte viável (aproximadamente três milhões de pessoas utilizam o metrô de Nova Iorque num único dia). O metrô tornara-se um grande problema.

Em abril de 1990, William Bratton, um policial que fizera carreira rápida e brilhante na polícia de Boston, tendo-se destacado principalmente por sua atuação frente à polícia de trânsito daquela cidade, foi contratado pela Polícia de Trânsito de Nova Iorque, para "resolver o problema do metrô". Antes, George Kelling já havia sido contratado e, com a chegada de Bratton, passou a "alimentá-lo" com idéias e material de leitura.

Bratton imediatamente identificou os três principais problemas do metrô: passageiros que pulavam a catraca e não pagavam a passagem, desordem e crime.

O não-pagamento da passagem havia se tornado epidêmico. O prejuízo da municipalidade girava em torno de oitenta milhões de dólares por ano. Os desordeiros simplesmente pulavam as catracas. Aqueles que pagavam sentiam que estavam entrando em um local onde não havia lei e a desordem imperava e começavam a se perguntar se valia a pena continuar respeitando a lei.

A desordem só fazia crescer. Pichações, mendicância agressiva e vandalismo criavam um clima propício à criminalidade.

A criminalidade no metrô aumentava e tornava-se mais violenta, com a proliferação de gangues juvenis, cada vez mais usando armas de fogo e simplesmente assaltando as pessoas.

Bratton teve imensas dificuldades no sentido de mostrar aos policiais sob o seu comando a necessidade de combater-se a desordem e o não-pagamento das passagens. Afinal de contas, como policiais, e em consonância com a política de segurança pública até então adotada, eles achavam que o seu trabalho era combater o crime e não a desordem ou o não-pagamento de passagens. Vencida esta barreira, ele começou a aplicar a broken windows theory ao problema do metrô.

No seu entendimento, o não-pagamento da tarifa era a principal janela quebrada no sistema subterrâneo de trânsito. Até então, a Polícia de Trânsito não prendia em grande número aqueles que pulavam as catracas. Isto era considerado um delito menor. Apenas uma ou duas vezes por ano, eram feitas prisões em massa e os detidos eram levados ao Yankee Stadium, numa espécie de demonstração pública. Isto, obviamente, em nada alterava a situação. Bratton começou a aplicar uma estratégia de fazer pequenas prisões em massa, de estação em estação. Como não havia efetivo suficiente para efetuar as prisões em todas as estações, a Polícia de Trânsito de Nova Iorque alternava dias e horários. Em algumas estações, era como se não houvesse catracas. A imensa maioria das pessoas simplesmente pulava por elas. Nesta situação, policiais a paisana apenas esperavam as ondas de dez ou vinte "saltadores de catraca" para então prendê-los. Os poucos que ainda pagavam a passagem, ao verem as prisões sendo efetuadas, estimulavam e elogiavam os policiais. Pagar a passagem começava novamente valer a pena. Mesmo às três horas da madrugada, policiais à paisana postavam-se nas estações, como se fossem passageiros esperando o metrô. Um desordeiro entrava na estação, olhava para os lados e não via nenhum policial uniformizado. Pulava a catraca e era imediatamente preso pelos policiais à paisana. O medo da prisão começou a alterar o comportamento daqueles que não pagavam a passagem. A quantidade dos que não pagavam começou a declinar significativamente. A primeira grande janela quebrada estava sendo consertada.

Àquela altura, já estava ficando claro para Bratton que a grande maioria das pessoas detidas por não pagarem a passagem eram justamente aquelas que causavam desordem no interior do metrô. Além disso, muitas das pessoas detidas, ou carregavam armas consigo, ou eram pessoas procuradas com mandados de prisão expedidos contra si. Atacando o problema do não pagamento das passagens, estava-se prevenindo a desordem e também que elementos criminosos entrassem no sistema subterrâneo de trânsito. Depois de um tempo, os desordeiros e criminosos começaram a deixar suas armas em casa. Menos armas, menos roubos, menos assaltos, menos assassinatos, menos vítimas. Começava-se a demonstrar, na prática, a relação entre desordem e criminalidade no interior do metrô. E, talvez mais importante, mediante um trabalho que era, ao mesmo tempo de repressão e de prevenção. Repressão à desordem e aos pequenos delitos. Prevenção aos crimes graves. E tudo isto apenas pela repressão a um delito patrimonial que custava, isoladamente, pouco mais de um dólar, e que, segundo muitos "entendidos", jamais deveria merecer a menor atenção da polícia.

Quando venceu as eleições para a Prefeitura de Nova Iorque em 1993, Rudolph Giuliani nomeou Bratton para chefiar o Departamento de Polícia. Depois do metrô, era hora de devolver as ruas aos nova-iorquinos.

O que Bratton fez, em verdade, foi uma profunda reestruturação do Departamento de Polícia de Nova Iorque, mas tendo como uma das premissas básicas sempre os postulados da broken windows theory. Tendo em mente sempre a necessidade de coibir a desordem e reprimir os pequenos delitos, Bratton foi, aos poucos, devolvendo as ruas ao povo.

Uma de suas primeiras iniciativas foi atacar a conduta daqueles grupos de jovens que, de maneira velada ou não, geralmente em grupos, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem terem sido solicitados a fazê-lo. O que poderia parecer, em um primeiro momento, algo com que a polícia sequer deveria se preocupar, estava, na verdade, atormentando os motoristas, que se sentiam constantemente ameaçados. Era, na verdade, uma janela quebrada. Como esta conduta constituía uma infração menor, punida apenas com serviços comunitários, estas pessoas não podiam ser presas, mas apenas intimadas a comparecer em juízo. Ocorre que nem isto vinha sendo feito. Começou-se a fazer. No início, os intimados não compareciam a juízo e isto (o não atendimento à intimação) autorizava que fossem presos. Então prisões foram feitas. Com a certeza da punição, aquilo que durante anos atormentara a vida dos motoristas de Nova Iorque teve fim em poucas semanas.

Outras pequenas vitórias contra pequenos ilícitos confirmavam a teoria de Kelling: uma pessoa foi presa por urinar num parque, quando questionada sobre outros problemas deu informações à polícia que resultaram na localização de um esconderijo de armas; um motociclista foi detido por andar sem capacete, revistado, descobriu-se que carregava duas armas consigo e tinha várias outras em seu apartamento; uma pessoa vendendo mercadoria de origem suspeita, depois de questionada levou a polícia a um receptador de armas roubadas.

Nem todo aquele que pratica um delito menor pode ser considerado capaz de um delito grave. No entanto, alguns o serão, especialmente se não encontrarem nenhuma repressão ao pequeno ilícito praticado. Além disso, podem ter informações sobre outras pessoas que são criminosos perigosos.

Outro fundamento da broken windows theory, o policiamento comunitário, também foi aplicado por Bratton em Nova Iorque. Em verdade, quando ele assumiu a chefia do Departamento de Polícia, tal plano já estava em andamento, com a contratação de mais policiais para trabalharem nas ruas e nas comunidades. O que Bratton fez foi aperfeiçoar o plano, identificando as áreas de maior criminalidade e desordem, e lá lotando um maior número de policiais. Bratton é explícito ao afirmar que "os policiais comunitários podem identificar as preocupações da comunidade e, algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença física".

E para os que ainda acham que um maior número de policiais nas ruas e entranhados nas comunidades não faz muita diferença, é o insuspeito Claus Roxin quem diz: "... sobretudo, sou partidário da concepção – que surgiu na América do Norte e pouco a pouco ganha mais partidários na Alemanha –, de que a polícia faz falta na rua e não nos gabinetes públicos"
"Problemas Atuais de Política Criminal", Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, n° 4, pág. 14..

Em estudo sob o título "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", Theodomiro Dias Neto, Mestre em Direito pela Universidade de Wisconsin (EUA) e Doutorando em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), afirma que o debate contemporâneo na área policial gira em torno de como viabilizar a parceria entre polícia e comunidade na tarefa de prevenção ao crime, informando que a proposta é um estilo diferenciado de policiamento, caracterizado por: 1) uma concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia; 2) descentralização dos procedimentos de planejamento e prestação de serviços para que as prioridades e estratégias policiais sejam definidas de acordo com as especificidades de cada localidade; 3) maior interação entre policiais e cidadãos, visando ao estabelecimento de uma relação de confiança e cooperação mútua.
"Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", IBCCRIM, São Paulo, 2000, p. 15. Tanto a broken windows theory, como a operação tolerância zero, abarcam estes três itens. E é isto o que Bratton fez em Nova Iorque. Quando refere "concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia", Theodomiro Dias Neto está fazendo explícita referência à manutenção da ordem como uma das funções policiais.

O resultado da aplicação da broken windows theory pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque foi a diminuição, pela primeira vez em trinta anos, dos índices de criminalidade naquela cidade. Desde 1994, tais índices vêm diminuindo. A história desta estratégia vitoriosa é contada por William Bratton em seu livro "Turnaround – How America's Top Cop Reversed the Crime Epidemic" (A Reviravolta – Como a Polícia Americana Reverteu a Epidemia de Crime). Esta política de segurança pública, a da aplicação da teoria de Kelling no combate à criminalidade em Nova Iorque é que veio a ser popularmente conhecida como "operação tolerância zero". Muito distante, portanto, da caricatura que alguns desinformados, por vezes, pintam, reduzindo a "operação tolerância zero" a uma mera "limpeza" das ruas centrais da cidade, que, na sua equivocada visão, consistiria apenas na retirada de prostitutas, gigolôs, bêbados e traficantes das ruas centrais de Nova Iorque.



A Legislação e a Jurisprudência Americanas – Um pequeno apanhado


Nos EUA já existiam, bem antes do advento da broken windows theory e da "operação tolerância zero", leis que criminalizavam determinadas condutas que, durante muito tempo, foram vistas apenas como meros atos de desordem. A autoridade para regular e reprimir legalmente comportamentos como mendicância agressiva, embriaguez pública, o uso apropriado dos parques e ruas da cidade, reside no poder constitucional do Estado em prover a saúde, a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos.

Nos EUA um Estado pode delegar a uma municipalidade o poder de regular as condutas nestas áreas ou pode regular ele próprio inteiramente estas áreas. Todavia, Kelling e Coles informam que isto não tem sido fácil. Há uma razoável possibilidade de que regulamentos ou decretos municipais sejam considerados inconstitucionais, e que as municipalidades venham a ser processadas por aquelas pessoas que, eventualmente, tenham sofrido alguma restrição com base nestes regulamentos ou decretos.

Em verdade, o que ocorre é uma tensão ou um choque entre os direitos individuais daqueles que alegam que suas condutas supostamente desordeiras nada mais configuram do que o seu mero direito de expressão, e o direito da comunidade, para a qual os direitos individuais, por vezes, devem dar lugar aos valores comunitários, a fim de que a ordem possa ser mantida na comunidade, impedindo-se, assim, a proliferação da desordem e a ascensão da criminalidade.

Os que se contrapunham ao direito de se reprimir legalmente algumas condutas tidas como atos de desordem, tinham, fundamentalmente, duas restrições: a primeira era quanto à tipificação dos comportamentos, que alegavam ser vaga e imprecisa; e a segunda era de que tais leis, em verdade, não reprimiam uma conduta, mas sim uma condição (ou um status): a condição de pobre, sem-teto, viciado, etc. Tais restrições foram, eventualmente, levadas ao Judiciário americano.
Num primeiro momento, as tentativas de se reprimir legalmente tais comportamentos podem ser resumidas em dois tipos de leis: as vagrancy laws e as loitering laws, algo que pode ser definido como "leis anti-vadiagem" e "leis contra o ato de perambular, demorar-se em um local, vagar sem destino".

Kelling e Coles referem dois casos fundamentais nos quais a Suprema Corte dos EUA julgou inconstitucional as vagrancy e loitering laws.

O primeiro é o caso Papachristow v. City of Jacksonville, de 1972. Neste caso, oito indivíduos, entre negros e brancos, foram acusados de vagar a esmo, de carro, sem destino, perambulando pelas ruas de um bairro. Foram condenados por violarem uma lei de Jakcsonville, Florida, segundo a qual "elementos perniciosos, vagabundos, pessoas licenciosas, que perambulam de um lugar para outro, sem qualquer objetivo ou motivo legal, devem ser tidas como vadios, para efeitos legais". A Suprema Corte anulou a condenação, considerando que a lei de Jacksonville era imprecisa e vaga ao tipificar o comportamento incriminado, porque falhava na função de dar a uma pessoa de mediana inteligência uma informação razoável de que sua conduta era proibida e também porque estimulava prisões e condenações arbitrárias. A Suprema Corte também enfatizou que a lei em questão era inadmissível porque tornava criminosas condutas inocentes, tais como o simples ato de vagar ou perambular sem destino, que tinha sido, inclusive, parte da tradição americana. O resultado de um diploma legal tão impreciso seria, ainda segundo a Suprema Corte, colocar uma excessiva discricionariedade nas mãos da polícia.

O segundo caso é Kolender v. Lawson, de 1983. Lawson tinha sido detido ou preso pela polícia 15 vezes entre março de 1975 e janeiro de 1977, cada uma dessas vezes caminhando tarde da noite numa rua isolada próximo a uma área de alta criminalidade ou em uma área comercial onde muitos arrombamentos haviam sido cometidos. Foi acusado de acordo com uma seção da Lei Penal da Califórnia, que estabelecia:

"Toda pessoa que comete um dos seguintes atos é culpada de conduta desordeira, uma contravenção: ... e) que perambula ou vagueia pelas ruas, sem razão aparente, e que se recusa a se identificar ou a prestar contas de sua conduta, quando requerido pela autoridade a fazê-lo, se as circunstâncias são tais que indicam, para uma pessoa razoável, que a segurança pública exige a sua identificação".
A Suprema Corte considerou a lei vaga e imprecisa diante da exigência do devido processo legal da 14 ª Emenda à Constituição por falhar ao definir a conduta criminal com suficiente precisão para que uma pessoa comum pudesse entender que sua conduta é proibida e de uma maneira que não encorajasse a arbitrariedade e a discricionariedade excessiva.

Como resultado destas duas decisões, a polícia e os Promotores deixaram de aplicar outras leis similares, que, não obstante não tivessem sido declaradas inconstitucionais, não eram mais aplicadas.

O próximo passo na busca de uma legislação que coibisse a desordem foram as Loitering For the Purpose of Laws. Tais leis acresciam uma particular finalidade ao ato de vaguear, algo equivalente ao elemento subjetivo do tipo do direito brasileiro. Assim, o simples ato de perambular ou vagar de lugar em lugar não era tipificado. No entanto, se tal ato tivesse por finalidade um outro ato proibido pelo ordenamento jurídico, então a lei não seria inconstitucional. Um exemplo deste tipo de lei é a seção 647 (d) da Lei Penal da Califórnia conforme a qual "qualquer pessoa que esteja a vaguear próxima a um banheiro público para o fim de satisfazer sua lascívia ou para qualquer outro ato ilegal" incorre num ilícito penal. A Suprema Corte, em 1988, considerou constitucional esta lei, entendendo que a exigência do conhecimento de que determinada conduta era ilegal e a linguagem especificando o local do fato, diminuía qualquer potencial indeterminação da norma e cumpria sua função de noticiar os atos proibidos, além de evitar eventuais abusos policiais. Em outro julgamento, desta feita de uma Lei de Milwaukee (que tipificava a conduta de vaguear a ela acrescendo uma série de circunstância especiais e específicas), a Suprema Corte de Wisconsin manteve a lei da Municipalidade, e acrescentou ainda que existem áreas da conduta humana que, pela natureza dos problemas que apresentam, simplesmente tornam impossível ao legislador definir com exatidão absoluta a conduta ilícita.

As Loitering For the Purpose of Laws representaram um avanço. No entanto, segundo Kelling e Coles, nem todas as Cortes americanas aceitaram a constitucionalidade das mesmas. Ainda assim, em muitos estados americanos tais leis estão em vigor e sendo aplicadas.

Mas tais leis e regulamentos também tiveram contra si a alegação de violação à primeira emenda à Constituição Americana, que protege o direito de expressão
Conforme a Primeira Emenda à Constituição Americana, "O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de expressão, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos".. Em Young v. New York City Transit Authority, em 1990, o Departamento de Trânsito de Nova Iorque foi processado porque seus regulamentos anti-mendicância no interior dos metrôs estariam violando a primeira emenda. A primeira emenda protege não apenas o mero direito de expressão verbal, mas também a conduta em que um comportamento e a expressão estão intrinsecamente ligados, de maneira a passar uma determinada mensagem. Exemplificando, a primeira emenda sustentou condutas tais como a queima da bandeira americana e passeatas em protesto contra o envolvimento dos EUA no Vietnã. Ou seja, outras formas de expressões não-verbais estão protegidas pela primeira emenda. Neste caso, o direito dos sem-teto de mendigar seria uma forma de expressão protegida pela primeira emenda. Anteriormente, a Suprema Corte havia entendido que as solicitações de fundos feitas por organizações de caridade eram uma forma de liberdade de expressão protegida pela primeira emenda, pois passaria uma mensagem sobre uma causa particular. Sem a solicitação de fundos, a mensagem ficaria muito prejudicada. Seria um dos casos em que a conduta (solicitar fundos) estaria intrinsecamente ligada à mensagem (os problemas dos necessitados). O Juiz que julgou o caso entendeu que a mendicância individual estaria protegida pela primeira emenda porque não seria possível dar a esta um tratamento diferenciado do tratamento dado às solicitações feitas por entidades de caridade. Além disso, entendeu que os interesses do Departamento de Trânsito (proteção dos usuários do metrô contra comportamentos que pudessem configurar ameaças e intimidações mediante uma mendicância agressiva) não eram suficientes para coibir o direito de mendigar dos sem-teto no metrô.

A decisão foi duramente criticada pela imprensa. Houve editorial que perguntou "quem é esse Juiz suburbano, que nunca usou o metrô para dizer aos Nova Iorquinos o que eles devem agüentar"?

No entanto, a decisão foi modificada em grau de recurso. Os juízes entenderam que o ato de mendicância não poderia ser considerado como um direito de expressão resguardado pela primeira emenda, uma vez que a imensa maioria dos indivíduos que mendiga o faz para coletar algum dinheiro, e não para passar alguma mensagem ao público. Se alguns sem-teto quisessem passar alguma mensagem sobre a falta de políticas públicas com relação à falta de moradia ou sobre sua própria situação, seria muito improvável que os passageiros do metrô, testemunhando aquela conduta (mendicância agressiva) pudessem concluir que o sem-teto estivesse passando uma mensagem, pelas específicas circunstâncias do metrô, que, antes, os fariam se sentir ameaçados e importunados. Prosseguindo, os juízes entenderam que os regulamentos anti-mendicância do Departamento de Polícia de Nova Iorque não se destinavam à supressão do direito de expressão no metrô, mas sim a garantir um ambiente seguro nas estações, prevenindo qualquer ato que pudesse causar intimidação ou atormentasse os passageiros. Por fim, os juízes concluíram que, mesmo se as condutas dos sem-teto no interior do metrô estivessem protegidas pela primeira emenda, a decisão de primeira instância havia pecado por ter superdimensionado o direito destes em detrimento do bem comum.

No entanto, a demonstrar o dissenso jurisprudencial, uma lei da Municipalidade de Nova Iorque que considerava contravenção perambular, permanecer ou vagar em local público (fora dos metrôs, em parques, ruas, etc.), para o fim de mendigar, foi declarada inconstitucional por ofender a primeira emenda. O juiz entendeu que a mendicância era uma conduta e também forma de expressão que estavam intrinsecamente ligadas, e, portanto, protegidas pela primeira emenda, tal como as solicitações de fundos por entidades de caridade.

Não há consenso, portanto, acerca destas leis cujo principal objetivo é manter ou restaurar a ordem a fim de evitar o avanço da desordem e da criminalidade. A tendência é que o legislador aperfeiçoe cada vez mais a técnica legislativa, a fim de que a lei resista aos testes de constitucionalidade, não podendo alegar-se que é vaga ou imprecisa e tampouco que ofende a primeira emenda à Constituição. Esta tendência aponta, também, no sentido de especificação de determinados comportamentos, evitando as alegações de imprecisão que também podem levar à inconstitucionalidade. Neste sentido, estão em vigor nos EUA leis tipificando objetivamente determinados comportamentos que levam à desordem e à criminalidade, como a própria mendicância que se faz de uma maneira agressiva
A Lei das Contravenções penais brasileira tipifica a mendicância feita mediante ameaça (art. 60, "a", da LCP)., obstrução de calçadas, embriaguez pública e vandalismo, dentre outras.




Crítica: Os Pobres e as Minorias como Alvo

Não obstante o extraordinário sucesso da "Operação Tolerância Zero" na diminuição da criminalidade em Nova Iorque, há veementes críticos desta política criminal.

Os críticos sustentam que tal política criminal oprime apenas os pobres, os necessitados e as minorias. Trata-se de evidente equívoco.

Keeling e Coles são claros ao afirmarem que o problema não é a condição das pessoas, mas sim o seu comportamento. O que se busca coibir é o comportamento que causa desordem e que prepara o terreno para a ascensão da criminalidade. Não importa, portanto, a condição da pessoas, mas sim sua conduta.

No entanto, os críticos questionam por que se preocupar com mendicância agressiva, lavagens de pára-brisas não solicitadas, embriaguez pública, quando a violência anda solta nos grandes centros urbanos. Acaso estariam procurando bodes expiatórios para a violência? Helen Hershkoff, da União Americana das Liberdades Civis, critica uma legislação que, tratando de maneira equivocada o problema da pobreza, termina por proibir que os necessitados simplesmente peçam dinheiro.
"Leis Contra Mendicância Agressiva. Estas leis violam a Constituição: Sim: Silenciando os Sem-Teto", publicado no ABA Journal, em junho de 1993, conforme citado por Kelling.

Kelling e Coles identificam nas alegações de que o objetivo de manter a ordem nada mais significaria do que uma forma de opressão aos pobres e às minorias o resultado de décadas do crescimento de um individualismo sem limites. Produtos deste crescimento seriam a primazia do indivíduo e o seu direito de ser diferente; uma ênfase nas necessidades e direitos individuais e a crença de que tais direitos seriam absolutos; uma rejeição a uma moralidade média dos cidadãos americanos; e, por fim, a noção de que considerar indivíduos como criminosos os estigmatizaria e os tornaria realmente criminosos.

Na arena judicial as cortes americanas desenvolveram um corpo de precedentes legais nos quais a proteção aos direitos fundamentais e liberdades individuais expandiu-se e foi elevada a posições muito acima de suas respectivas responsabilidades ou dos interesses da comunidade. Sendo mais claro: a conduta de um indivíduo causador de desordem numa comunidade devia ser protegida porque, em última análise, ele tem direito a ser diferente, e sua liberdade de ser diferente deve ser protegida pelo Judiciário. Os interesses da comunidade não podem sobrepor-se aos direitos e liberdades individuais de uma pessoa. A desordem cresceu, se expandiu e foi tolerada porque virtualmente todas as formas de desvios comportamentais não claramente violentos foram considerados sinônimos de expressão individual, e, como tal, supostamente protegidas pela primeira emenda.

No entanto, Kelling e Coles afirmam que a demanda por ordem permeia todas as classes sociais e grupos étnicos. Quando os usuários do metrô exigiram a restauração da ordem nas estações subterrâneas não eram os banqueiros ou os tubarões de Wall Street que estavam reclamando. Estes, afinal, tinham outras alternativas. Foram os trabalhadores, principais usuários do sistema, que exigiram a restauração da ordem e da segurança.

Os que advogam a restauração da ordem não estão propondo alguma forma de tirania da maioria. Referem-se, isto sim, a comportamentos que violam padrões de comportamento largamente aceitos por uma comunidade, e sobre os quais há um consenso, sem qualquer conotação racial, étnica ou de classes.

Além disso, a desordem tem conseqüências mais graves em comunidades pobres e, portanto, estas são justamente as que mais precisam de ordem a fim de evitar o aumento da criminalidade. Uma comunidade rica tem certas condições de manter um estado de ordem que uma comunidade pobre não tem, como, por exemplo, a contratação de segurança privada. É muito mais fácil consertar uma janela quebrada em uma comunidade rica do que em uma comunidade pobre. Portanto, antes de oprimir os pobres e minorias, a restauração e manutenção da ordem, em verdade, vêm em seu auxílio. Relembre-se da pesquisa de Wesley Skogan, referida no início deste estudo, que concluiu que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Para o controle da criminalidade nestas comunidades, portanto, a restauração da ordem é imprescindível. Pobreza não deve necessariamente significar crime e desordem.




Criminalidade: Causas Multifatoriais


A desordem e a ausência de repressão a pequenos delitos não são, por certo, a única causa do aumento da criminalidade. E, não sendo a única causa, não foi apenas a ausência de combate à desordem que fez com que a criminalidade crescesse ininterruptamente durante três décadas nos EUA.

Na obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América), Alfred Blumstein e Joel Wallman, o primeiro Professor Universitário e Diretor da Associação Nacional de Pesquisas sobre a Violência, e o segundo Ph.D pela Universidade de Colúmbia e Bolsista da Fundação Harry Frank Guggenheim, de Nova Iorque (onde faz pesquisas sobre violência e agressão), apresentam um profundo estudo sobre a queda da criminalidade nos EUA nos anos 90.

Neste estudo ambos concluem que não há uma explicação única para a diminuição da criminalidade verificada nos EUA na década de 90, mas sim uma variedade de fatores, alguns independentes, e outros que, interagindo entre si, foram importantes para o resultado final.

Blumstein e Wallmann, analisando os elementos da queda do crime nos EUA, citam as mudanças com relação ao tráfico de drogas, o incremento da economia, o controle do uso de armas de fogo, o aumento do número dos estabelecimentos prisionais (e das prisões) as alterações demográficas e, por fim, a política de combate ao crime, onde incluem a "tolerância zero" e a importância da comunidade como elementos de combate ao crime.

O grande aumento da criminalidade nos EUA verificado em meados da década de 80, segundo os autores, estaria diretamente relacionado ao aumento do tráfico de cocaína e crack. Blumstein e Wallman identificam subculturas de violência em relação ao tráfico de cada tipo de drogas. Identificam também "eras" de apogeu do comércio de entorpecentes, indicando, basicamente três períodos: o período da heroína (1960/73), o período da cocaína/crack (com pico em 1984/89), e o período da maconha/blunt (esta última uma nova "moda", resultante da colocação da erva no envoltório de cigarros baratos no lugar do próprio fumo, período iniciado por volta de 1990).

A subcultura do uso e do comércio de drogas consistiria na organização de normas de conduta que definem o que o participante deve fazer, o que não deve fazer e qual a punição para a desobediência. Os participantes, no caso, são tanto os usuários, quanto os traficantes. No caso da cocaína e do crack, a subcultura de seu uso e tráfico seria extremamente violenta, autorizando o uso de armas de fogo e o emprego de ameaças e violência físicas para assegurar a venda, o ponto, o pagamento, enfim, tudo o que se relacionasse ao comércio da cocaína e do crack e fosse necessário para assegurar o êxito do "negócio". Portanto, a subcultura do tráfico da cocaína e do crack, explicaria o vertiginoso aumento da violência dos anos 80, bem como o declínio da criminalidade na década de 90, quando encerra-se o pico da venda destas drogas, iniciando-se a era da maconha/blunt, cuja subcultura é bem menos violenta.

Ao analisar a proliferação dos estabelecimentos prisionais, os autores informam que os Estados americanos quadruplicaram sua massa carcerária, resultando em gastos que passam dos vinte bilhões de dólares anuais, o que são números que falam por si só como evidência de sua importância na diminuição da criminalidade, quanto mais não seja, pela simples razão de que o criminoso encarcerado não está nas ruas. Embora não neguem totalmente a importância do aumento das prisões na diminuição da criminalidade, Blumstein e Wallman sugerem que a criminalidade teria caído de qualquer maneira, por outros fatores, ainda que o aumento das prisões não tivesse ocorrido na escala em que ocorreu, reconhecendo, porém, que esta é uma questão aberta.

Ao tratarem especificamente da aplicação da broken windows theory e da "tolerância zero" como política criminal que levou à redução vertiginosa do crime em Nova Iorque, Blumstein e Wallman elencam uma série de opiniões de estudiosos que sustentam ou negam a importância desta política criminal da redução da criminalidade naquela metrópole. Os autores terminam por concluir que ainda é cedo para aquilatar-se o real impacto da "operação tolerância zero" e da broken windows theory na redução da criminalidade em Nova Iorque, concluindo também que não apenas a polícia deve "levar os louros" pela vitória contra o crime, pois ela não é uma instituição isolada, mas sim parte de uma rede de instituições, algumas formais (tribunais e escolas) e outras informais (família, igreja), todas elas respondendo ao crime. Não deixa de ser uma conclusão razoável para um estudo que, além de procurar indicar outras razões para a diminuição da criminalidade nos EUA, procura nitidamente diminuir a importância da teoria de Kelling e do trabalho de Bratton.
Se o crime tem causas multifatoriais, as soluções também são multifatoriais. Assim, a "tolerância zero" e a broken windows theory não são a panacéia de todos os males, mas devem ser encarados como um importante elemento no combate à criminalidade, embora não o único.



A Situação Brasileira

A esta altura, deve-se dizer que não se advoga a implantação pura e simples do modelo americano à realidade brasileira. Não apenas questões culturais e legais impediriam isso, senão que a simples falta de dinheiro para a implementação de uma política criminal nos moldes da que foi implementada em Nova Iorque configura uma barreira quase que intransponível para que se repita aquela experiência exatamente como aconteceu. O que realmente podemos e devemos aprender com a experiência americana é a necessidade inadiável de repressão às contravenções e aos pequenos delitos, como forma de manutenção da ordem e prevenção aos crimes graves.

Até pouco tempo atrás (leia-se, antes do advento da Lei n° 9099/95) o que se notava, no entanto, era a virtual paralisação do sistema quando se tratava de reprimir contravenções e pequenos delitos. Isto explica-se pela já referida estratégia de prioridades. A polícia, reza esta estratégia, deve priorizar a investigação de crimes graves, e não pode perder tempo com delitos de pouca gravidade.

Algumas condutas tipificadas pela Lei das Contravenções Penais há muito tempo haviam deixado de ser reprimidas, como, por exemplo, provocação de tumulto e conduta inconveniente (art. 40), perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42), mendicância ameaçadora (art. 60, par. único, letra "a"), perturbação de tranqüilidade (art. 65), embriaguez (art. 62, apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia), recusa de dados sobre própria identidade ou qualificação (art. 68).

É bem verdade que tais contravenções não podem mais ser vistas pelas lentes do intérprete de 1942. Mas nos perguntamos se alguns dos bens jurídicos que elas protegem por acaso não mais merecem a proteção da norma penal. O trabalho e o sossego alheios não mais merecem ser protegidos contra a perturbação? A ordem pública não mais merece ser protegida contra a provocação de tumulto e condutas inconvenientes? A tranqüilidade não mais merece ser protegida contra a perturbação? A nosso sentir a resposta deve ser sim. Mas não apenas pelo valor intrínseco de cada um destes bens jurídicos, mas sim porque a ofensa a estes bens jurídicos sem a devida repressão configura as primeiras janelas quebradas que, não consertadas, irão, mais tarde, solapar todo o sistema de segurança pública, levando ao aumento da criminalidade. Mudaram, também, certamente, os conceitos de sossego, tranqüilidade, condutas inconvenientes, etc., que, em 1942 eram um, e em 2003, certamente são outros. Mas isto, antes de tornar o dispositivo legal letra morta, deveria, bem ao contrário, garantir sua sobrevivência ao longo dos tempos. É de se observar que os bens jurídicos protegidos por estas normas dizem respeito, em maior ou menor grau, à manutenção da ordem na comunidade.

O próprio ato de quebrar janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal). Igualmente a pichação configura o crime de dano, ambos potencialmente causadores de desordem e criadores de condições ambientais propícias à ascensão da criminalidade. Com relação à pichação, a absoluta escassez de jurisprudência sobre o assunto, diante da dimensão epidêmica com que esta forma do crime de dano se faz presente nos grandes centros urbanos, dá bem uma idéia da virtual ausência de repressão a este delito. Em uma pesquisa rápida, encontramos apenas dois julgados a respeito, ambos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, e cujas ementas são as seguintes:

"Dano qualificado. Agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal. Configuração – Configura o crime previsto no art. 163, parágrafo único, III, do CP, a conduta do agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal " (Recurso de Apelação, Processo n° 1199469/1, Relator: Amador Pedroso, 12ª Câmara, Data: 05.06.200).

"Dano. Agente que faz pichações sobre muro já parcialmente pichado. Configuração. Inocorrência: Inexiste crime de dano na modalidade 'deteriorar', na conduta do agente que faz pichações sobre muro já parcial e anteriormente pichado com propaganda eleitoral ou semelhante, uma vez que não houve deterioração" (Recurso em Sentido Estrito, Processo n° 1188271/2, Relator: Evaristo dos Santos, 9ª Câmara, Data: 19.04.2000).

Esta segunda ementa é particularmente interessante na medida em que refere uma pichação em um muro já deteriorado. Ou seja, é mais fácil (e há até um certo estímulo) pichar um muro já deteriorado do que um muro limpo, da mesma maneira que é mais fácil quebrar uma janela quando outras já estão quebradas. Portanto, assim como uma janela quebrada deve ser imediatamente consertada, um muro pichado deve ser imediatamente limpo.

Registre-se, ainda, que não desconhecemos o entendimento dos que sustentam que os bens protegidos pela criminalização das condutas contravencionais sequer deveriam ser protegidos pelo Direito Penal. A estes fica, ao menos, a seguinte questão: não é razoável utilizar-se o direito penal para proteger minimamente a comunidade de condutas que criam um clima propício, e quase irresistível, para a ascensão da criminalidade violenta?

Mas não é apenas a estratégia das prioridades policiais que levou à ausência de repressão a tais contravenções e delitos em que não se verifica violência ou grave ameaça à pessoa. Há que se reconhecer que uma visão, em nosso entender, equivocada do Direito Penal, nos últimos anos e décadas, em muito contribuiu para isto.

O princípio da intervenção mínima, base do movimento penal que terminou sendo conhecido como "direito penal mínimo", orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.
Conforme Maurício Antônio Ribeiro Lopes, in Princípios Políticos do Direito Penal, ed. RT, 2ª ed., 1999, p. 92. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Ainda segundo tal princípio, o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. A leitura que se costuma fazer deste princípio é que apenas as condutas que configurem um ato de violência física ou uma ameaça grave devem ser criminalizadas. Tal conclusão se afigura insustentável quando resta comprovado que desordem, contravenções e pequenos delitos, quando não reprimidos, levam à criminalidade violenta. Isto não significa, por óbvio, que estes pequenos delitos que configuram desordem devem ser punidos com pena de prisão. No entanto, a resposta deve ser penal, seja por pena de multa seja por penas restritivas de direitos, como forma de deixar claro ao desordeiro que sua conduta é grave e não será tolerada pelo Estado.

A ordem, o sossego alheio e a tranqüilidade são bens jurídicos que merecem a proteção da norma penal não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também porque protegendo-os, está-se evitando a ascensão da criminalidade violenta. Quando as pequenas janelas estão quebradas, não adianta correr para tentar evitar que as grandes janelas sejam quebradas. Elas inevitavelmente o serão. Ou seja, não adianta invocar o Direito Penal para cuidar dos crimes violentos quando desprezou-se seu poder de coerção com relação a crimes menores, invocando-se princípios como o da intervenção mínima. Isto significa atuar apenas no resultado e não na prevenção. O resultado só pode ser o aumento da criminalidade.

O princípio da fragmentariedade, a seu turno, corolário do princípio da intervenção mínima, sustenta que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização
Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ob. cit. p. 93.. Segundo Muñoz Conde Introdução al Derecho Penal, Barcelona, Bosch, p. 72., tal princípio apresenta-se sob três aspectos: em primeiro lugar, defende o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da prática imprudente em alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do direito consideram antijurídicas e, finalmente, deixando sem punição condutas meramente imorais como a mentira. Novamente aqui o problema está em considerar bens valiosos apenas a vida, a integridade física, a liberdade sexual, a liberdade individual e o patrimônio, por exemplo. E considerar a ordem, o sossego e a tranqüilidade como bens não suficientemente importantes para merecerem a proteção da norma penal. Desde que a ofensa a tais bens sem a devida repressão penal levará inevitavelmente a uma criminalidade violenta, os mesmos devem ser protegidos pela norma penal, pois são as pequenas janelas cuja integridade garantirá a sobrevivência do sistema de proteção social, evitando a proliferação da desordem e da criminalidade.

Observa-se, hoje, no Direito Penal, quase que um pensamento único com relação à doutrina do Direito Penal Mínimo. Seus inúmeros defensores não se cansam de repetir que a repressão penal deve ser utilizada apenas em caso de crimes graves. Para condutas menos graves, sustentam, há outras alternativas, tais como as sanções meramente administrativas. Tal pensamento, repetido exaustivamente, fez e vem fazendo com que inúmeros operadores do direito na área penal, desde Policiais, até Promotores e Juízes, simplesmente desprezem os delitos de menor gravidade, levando à não-instauração do inquérito pela autoridade policial, ao arquivamento do inquérito pelo Promotor de Justiça, ao não-recebimento da denúncia ou à absolvição, pelo Juiz, mesmo quando o delito está presente, sob o argumento de que se trata de um ilícito menor, que não justifica a imposição de uma sanção penal, ou sequer a instauração da ação penal. Mal percebem que ali está o ovo da serpente, a raiz da criminalidade violenta que, mais tarde, não terão condições de combater eficazmente.

A situação, em tese, deve ter mudado um pouco com o advento da Lei n° 9099/95, pois fatos delituosos que sequer mereciam a instauração de um inquérito, agora merecem, ao menos, a instauração de um TC. Mas ainda é cedo para chegar-se a alguma conclusão a este respeito, dado o fato de a lei ser nova e considerando-se a profunda deterioração causada no sistema de prevenção criminal, decorrente de anos de licenciosidade com condutas consideradas não dignas de receberem uma resposta penal.

É bom registrar que não se advoga uma criminalização e/ou repressão de toda e qualquer conduta que ofenda qualquer bem jurídico. Nem todo bem jurídico é passível de proteção por uma norma penal. Há casos na legislação brasileira em que a criminalização de determinadas condutas afigura-se como risível. Tome-se como exemplo a Lei n° 7643/87, que proíbe a pesca de cetáceos nas águas jurisdicionais brasileiras, e cujo art. 1° determina que "fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras". A pena é de dois a cinco anos de reclusão. Sem contar o problema de definir-se o que configura "molestamento intencional", fato é que o sossego de um cetáceo não é um bem jurídico digno de proteção por uma norma penal, até porque pode ser muito bem protegido, e até com mais eficácia, por regulamentos administrativos. Aqui, nem o bem jurídico em si, nem a possibilidade de a conduta ser causadora de desordem (inexistente no caso) justifica uma proteção por uma norma penal.

Assim como há exageros em um sentido, há exageros em outro. Luigi Ferrajoli, que tanta influência exerce na doutrina pátria com sua obra "Derecho Y Razon", ao analisar quando e como proibir, critica o Código Rocco, alegando que este elenca uma excessiva quantidade de bens jurídicos por meio da criminalização de inúmeras condutas, para em seguida concluir que "nosso princípio de lesividade permite considerar 'bens' somente aqueles cuja lesão se concretiza em um ataque lesivo a outras pessoas de carne e osso"
Derecho Y Razon – Teoria del Garantismo Penal, Editorial Trotta, 4ª Ed., 2000, p. 478.. Como resultado deste entendimento, teríamos que o tráfico de drogas, o estelionato, o furto, a apropriação indébita, o peculato, a corrupção, os crimes do colarinho branco (crimes contra a ordem econômica e tributária), a organização de pessoas para atividades criminosas, e a lavagem de dinheiro, por exemplo, não merecem ser criminalizados. Idéias como esta em nada contribuem para o combate à criminalidade e nem mesmo para a evolução do Direito Penal. Pelo contrário, fazem com que a norma penal seja invocada apenas quando a situação já está de tal forma deteriorada, que mesmo sua aplicação pouco efeito terá em seus fins preventivos e repressivos. Isto sem falar na consagração definitiva do Direito Penal, agora sim, como instrumento de opressão exclusiva dos pobres, pois estes praticam o roubo (subtração de bem com violência contra a pessoa), enquanto que os criminosos do colarinho branco, praticam o peculato, a corrupção, a apropriação indébita e os crimes contra a ordem tributária e econômica, sem, portanto, exercerem violência contra uma pessoa "de carne e osso", fazendo tudo isso diante da tela de seus moderníssimos computadores, enfiados em ternos ingleses, com gravatas italianas e nos ambientes climatizados e acarpetados de onde, certamente, dão graças aos céus por receberem tão valioso auxílio doutrinário na área penal.



Conclusão

Quando se está às voltas com índices de criminalidade que há muito já ultrapassaram o limite do tolerável, não se pode ignorar exemplos vitoriosos de combate à criminalidade. O exemplo americano, pois, deve, no mínimo, ser levado em consideração.

A desordem é, comprovadamente, fonte de criminalidade e deve ser rigorosamente combatida. O pensamento que se convencionou chamar de "Direito Penal Mínimo" peca ao considerar como dignos de proteção pela norma penal apenas condutas que configurem atos de violência grave exercida contra a pessoa, atuando, portanto, apenas repressivamente, e não preventivamente em relação à criminalidade violenta. A norma penal deve proteger, também, aqueles bens cuja violação gera desordem, medo e, mais tarde, criminalidade.

A broken windows theory e a "operação tolerância zero" são, ao contrário do que normalmente se pensa, muito mais políticas de prevenção à criminalidade violenta, do que propriamente política criminal de repressão.
Nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta. Portanto, não se deve hipertrofiar os direitos individuais em claro prejuízo aos direitos de uma comunidade de levar uma vida dentro de mínimos padrões de ordem e segurança, padrões estes largamente aceitos e que reclamam proteção, não podendo isto ser visto como uma ofensa aos direitos individuais.


Procuradoria-Geral de Justiça
Rua Andrade Neves, 106, Centro, CEP.: 90010 210 - Porto Alegre-RS.
Parte inferior do formulário

O -Psiquiatra e escritor inglês diz que as teorias sociológicas e psicológicas para explicar o Crime e o vício em drogas produzem cidadãos que não assumem suas responsabilidades.
Entrevista ANTHONY DANIELS

Revista Veja, 17 de agosto de 2011...ed 2230
Eles têm culpa, sim

O psiquiatra inglês Anthony Da­niels, de 61 anos, é mais conhe­cido em seu país como Theodore Dalrymple, pseudônimo utili­zado por ele em artigos com análises impiedosas mas realistas sobre o siste­ma prisional, o comportamento dos cri­minosos e o vício em drogas, entre ou­tros temas.
Aposentado desde 2005, começou a escrever sobre sua expe­riência de quinze anos como médico em prisões britânicas quando ainda es­tava na ativa, daí a necessidade de assi­nar com outro nome. Antes, trabalhou em países africanos como Tanzânia, África do Sul e Zimbábue. Daniels é autor de 22 livros e colaborador regular de publicações como a revista The Spectator e o jornal The Telegraph. Re­centemente, escritos seus sobre a im­portância da religião foram citados no manifesto de Anders Breivik, o autor do massacre na Noruega. "Não fiquei nada feliz com isso", diz Daniels. Na semana passada, em visita ao Brasil, ele falou a VEJA.


O senhor costuma dizer que a influência das teses do suíço Jean-Jacques Rous­seau (1712-1778) prejudicou a noção de responsabilidade no mundo atual. Por quê?
Rousseau difundiu a idéia de que o ser humano é naturalmente bom, e que a: sociedade o corrompe. Eu não sou religioso, mas considero
a visão cristã de que o homem nasce com o pecado original mais realista. Isso não significa que o homem é ine­vitavelmente mau, mas que tem de lu­tar· contra o mal dentro de si. Por in­fluência de Rousseau, nossas socieda­des relativizaram a responsabilidade dos indivíduos. O pensamento intelec­tual dominante procura explicar o comportamento das pessoas como lima conseqüência de seu passado, de suas circunstâncias psicológicas e de suas condições econômicas. Infeliz­mente, essas teses são absorvidas pela população de todos os estratos sociais. Quando trabalhava como médico em prisões inglesas, com freqüência ouvia detentos sem uma boa educação formal repetindo teorias sociológicas e psicológicas difundidas pelas uni­versidades. Com isso, não apenas se sentiam menos culpados por seus atos criminosos, como de fato eram trata­dos dessa maneira. Trata-se de uma situação muito conveniente para os bandidos, pois permite manter a cons­ciência tranqüila. Podem dizer que roubam porque não tiveram oportuni­dades de estudo, porque nasceram na pobreza ou porque sofreram algum trauma de infância, entre outras des­culpas. "Enquanto a sociedade não mudar, não se pode esperar que eu me comporte de outra forma", tal é o dis­curso corrente entre os presos.

Por que os intelectuais incentivam esse pensamento?
Intelectuais são, em geral, pessoas muito desonestas. Eles não pensam em si mesmos como irrespon­sáveis, mas costumam atribuir essa ca­racterística a outras pessoas com gran­de facilidade. Ao criarem explicações sociológicas e psicológicas para des­vios de comportamento, eles acabam por desumanizar os criminosos. Um exemplo disso ocorreu na Inglaterra anos atrás, quando houve uma onda de furtos de cano. Os bandidos envolvi­dos nesses crimes, além de lucrar com isso, realmente gostavam da emoção de furtar muitos veículos em um curto pe­ríodo de tempo. Alguns criminologis­tas e psicólogos, ao analisar o fenôme­no, começaram a dizer que furtar car­ros era uma forma de vício. Sobre essa teoria, produziram-se inúmeros estu­dos, alguns dos quais incluíam até exa­mes de ressonância magnética do cére­bro dos bandidos, pára provar que se tratava de uma doença neurológica. Em pouco tempo, os ladrões de carro co­meçaram a me dizer na cadeia que eram viciados em furtar veículos. Eles obviamente não chegaram a essa con­clusão sozinhos. Apenas estavam repe­tindo urna tese produzida por arrogan­tes intelectuais de classe média que desconsideravam o fato de os bandidos serem capazes de escolher entre o certo e o errado independentemente de fato­res externos. Negar sua capacidade de discernimento é O mesmo que diminuir sua humanidade.

Isso também vale para criminosos com prováveis distúrbios mentais, como An­ders Breivik, que matou 77 pessoas no mês passado na Noruega?
Sim. Breivik pode ser louco, mas nem por isso é menos responsável por seus atos. Na tradição legal anglo-saxônica, o mero fato de você ser doente mental não sig­nifica que não esteja apto a responder por um crime. Depende do tipo e do grau da loucura. Suponhamos que os médicos descubram que Breivik tem um tumor no lobo frontal do cérebro. Em casos como esse, o indivíduo pode, sim, ser menos responsável por seus atos. Da mesma forma, muitos idosos com Alzheimer perdem a inibição se­xual e comportam-se de maneira ina­propriada. Há, portanto, algumas doen­ças neurológicas que atrapalham a ca­pacidade da pessoa de ter consciência plena de seus atos criminosos ou antis­sociais. Não acho que Breivik se encai­xe em nenhuma dessas categorias.

É possível arriscar um diagnóstico sobre Breivik?
O assassino norueguês é, ob­viamente, um homem muito estranho. , Ele tentou justificar a matança com um manifesto de 1500 páginas. A leitura de algumas páginas é suficiente para notar características muito claras.
A primeira é que ele acredita ter en­contrado as respostas para todos os problemas do mundo. A segunda é que ele é paranóico, pois pensa que há uma grande conspiração destruindo seu país. Terceiro, ele é narcisista. Breivik tem uma idéia muito elevada c exage­rada de sua própria aparência. À parte tudo isso, ele também tem inúmeros ressentimentos pessoais. Seu pai o abandonou quando ele era ainda muito jovem, por exemplo. A verdade, po­rém, é que nada disso serve para traçar o perfil de um assassino como ele.
É possível encontrar muitas pessoas com as mesmas características e que nunca fizeram ou farão o que ele fez.

Em seu manifesto, a frieza de Breivik es­tá expressa na convicção de uma verda­de absoluta sobre o mundo. O senhor identificou frieza parecida, beirando a psicopatia, ao analisar a obra de ficção
de Cesare Battisti, o terrorista de es­querda que foi condenado por quatro as­sassinatos na Itália e ganhou visto de permanência para viver no Brasil. O se­nhor vê semelhanças entre os dois?
Há semelhanças, sim. Ambos tinham certeza de que, com seus crimes, estavam fazendo o bem. Isso, evidentemente, demonstra que não tinham nenhum senso de proporção. Eles não conse­guiam perceber que sua irritação em relação à sociedade, ao sistema político e ao governo de seu país era, na verda­de, irrelevante e de uma dimensão muito inferior comparada a todos os outros problemas da humanidade. Sem esse freio psicológico ou moral, eles se con­sideraram no direito de dispor da vida de inocentes como bem entenderam.

Como explicar a simpatia de intelectuais e políticos brasileiros por Battisti?
Acho que, na visão dessas pessoas, Battisti teve coragem de exibir uma brutalidade que elas gostariam de ter  tido em algum momento da vida. Ao apoiá-lo, elas dão respaldo simbólico a um passado pessoal perdido. Além disso, os crimes perpetrados por esta­dos e grupos totalitários de esquerda ainda encontram justificativa ideológi­ca. Muita gente acredita piamente que os erros cometidos em nome do co­munismo foram por uma causa nobre, o que é um absurdo. Em especial, os intelectuais que compactuavam com o marxismo. Dá para entender: eles eram levados a acreditar que tinham um papel de liderança na sociedade. Com o desmoronamento do Muro de Berlim, foram empurrados para a irre­levância. Tudo o que esses intelec­tuais mais odeiam é uma sociedade que não precisa deles. Por isso, prote­gem indivíduos como Battisti: para reviver um período idealizado.

O senhor é a favor de prender consumidores de drogas?
A maneira como ve­mos o vício de drogas é errada. Trata­mos os viciados como vítimas, incapa­zes de ser responsabilizados por suas escolhas. Isso é falso. Eles não são ví­timas de seu próprio comportamento. Não existe droga tão viciante a ponto de ser impossível livrar-se dela. Os drogados usam os entorpecentes por uma decisão pessoal. Isso não significa que eu não me solidarize com essas pessoas. O estado mental que as drogas induzem é muito atraente para elas, em comparação com sua realidade. Mas, quando cometessem algum crime, ain­da que pequeno, sob efeito de drogas ou para comprá-las, os viciados deve­riam ser forçados a entrar em uma clínica de reabilitação. Se não aceitassem o tratamento, deveriam ser mandados para a prisão. Isso lhes daria motivação para levar a sério o processo de reabili­tação, pois o maior problema com o ví­cio é que as pessoas não encontram ra­zões para parar. O medo da prisão pode ser uma delas. A outra é a certeza de ter uma vida melhor livre das drogas.

A prisão pode ser eficiente mesmo com a facilidade de conseguir drogas atrás das grades?
Sim, porque o indivíduo não estará na rua, violando a lei. A
prisão não é uma instituição terapêuti­ca. Sua função principal é prevenir crimes que um condenado poderia co­meter se estivesse solto. Há também evidências de que, quanto mais tempo uma pessoa fica na cadeia, menor a probabilidade de voltar à bandidagem depois de ser libertada.

Penas longas são mais eficientes?
Sim. Na Inglaterra, por exemplo, temos pe­nas muito brandas e poucos detentos. Isso não é bom. A polícia inglesa, muito incompetente, prende apenas um em cada doze assaltantes de casas .. Destes, um em cada treze recebe pena de prisão. Isso significa que apenas um em cada 156 assaltantes cumpre pena em presídio. A média para esse tipo de crime é de um ano de cadeia. Na In­glaterra, isso significa que o bandido é solto em apenas seis meses. Com uma punição tão leve, a pergunta não é por que ocorrem tantos assaltos, mas por que há tão poucos. Meu país deixou de ser uma sociedade ordeira para se tor­nar uma das mais afetadas pela crimi­nalidade, quando comparada a outras da Europa. O número de presos caiu em proporção ao de crimes. Em 1900, para cada 6,5 crimes registrados, havia um detento. Em 2000, eram 114 cri­mes para cada preso. Claro que penas curtas são melhores do que nada. Um bandido reincidente comete, em mé­dia, 140 crimes por ano. Ou seja, se ele for mantido na prisão por seis me­ses, setenta crimes serão evitados, o que também é bom. Um dos argumen­tos contra as penas de prisão é que a maioria dos detentos é pobre, e que is­so é injusto. Ocorre que a maior parte de suas vítimas também é pobre.
E, como o número de vítimas é sempre muito maior do que o de bandidos, prendê-los não é uma punição aos pobres, mas um benefício a eles.

A Justiça brasileira passou a ter à sua disposição medidas altemativas à prisão preventiva, como monitoramento eletrô­nico e pagamento de fiança. Isso é bom?
Pela experiência britânica, tais medidas são um desastre. Um terço de to­dos os crimes da Escócia, inclusive es­tupros e assassinatos, é cometido por pessoas em liberdade condicional. Sou a favor desse recurso em algumas cir­cunstâncias, como para crimes não violentos, mas para uso geral é uma tragédia. As tornozeleiras eletrônicas são uma temeridade em lugares onde a administração pública não é eficiente. Nem na Inglaterra a polícia consegue monitorar os criminosos com esses equipamentos. A pena de prestação de serviços comunitários também é um pesadelo. A taxa de reincidência para bandidos condenados a prestar servi­ços comunitários é a mesma dos que recebem pena de prisão: 70%. O pro­blema é que a estatística conta apenas os crimes cometidos após o fim da pe­na. Nada garante que, enquanto estão soltos, prestando serviços comunitá­rios, eles não cometam novos crimes. Por fim, em média, cada detento na In­glaterra já foi condenado outras dez vezes a penas alternativas. Ou seja, não adiantou nada. Basicamente, ao saber que cumprirão penas alternativas e ficarão soltos, os bandidos se con­vencem de que não têm nada a perder ao cometer um crime. É melhor man­tê-los presos, e por bastante tempo. •


 [1]<!-- JOSÉ LUÍS COSTA-->
 [2]
 [3]<!-- JOSÉ LUÍS COSTA-->
 [4]

Nenhum comentário:

Postar um comentário